A reputação é o ativo mais precioso de uma organização ou de um governo. Em época de crise, a reputação corre sério risco, principalmente porque o escrutínio da mídia se torna mais intenso. Empresas ou executivos despreparados para enfrentar uma boa relação com a imprensa correm maior risco de comprometerem a marca, o nome da empresa ou o governo por deslizes ou erros cometidos na forma como se relacionam com os jornalistas. Alguns conseguem arranhar a relação definitivamente.
De celebridades a esportistas, de políticos a executivos, todos estão sempre preocupados em se apresentar bem para a mídia. Não apenas pela importância da imagem corporativa, mas também para preservar a própria imagem. Alguns, adotando a postura errada do “low profile” somem nos momentos decisivos e deixam a mídia escrever o que quiser. Outros, mesmo sem treinamento, enfrentam câmeras, jornalistas e coletivas no peito e na raça. Pagam para ver e às vezes se dão mal.
No momento em que o país enfrenta uma das mais graves crises da história, em que desde a presidente da República, ex-presidente, autoridades, políticos, empresários, jornalistas são colocados em confronto com acusações, buscas e apreensão, depoimentos coercitivos ou não e até prisões e precisam se explicar, nada melhor do que estar bem preparado para enfrentar câmeras, microfones ou jornalistas. Os advogados fazem a vez de porta voz, mas essa é uma prática condenada pela maioria dos especialistas.
Para isso existem os cursos de "Mídia Training'. Mas até que ponto esse curso ajuda os executivos no relacionamento com a mídia e quem deveria fazê-lo? O curso de Mídia Training seria para ensinar a fonte a se esquivar da imprensa ou a enganar o jornalista? Artigo exclusivo do jornalista Francisco Viana, publicado neste site em 18/02/15, continua atual; ele tenta responder a essas perguntas. Uma oportuna leitura para ajudar os profissionais da Comunicação convencerem os executivos de que, sem Media Training, é como tentar ir para um jogo decisivo sem treino. Como diz Francisco Viana, no artigo, “No Brasil dos dias atuais, a prática do mídia training poderia reduzir em muito o volume de crises que diariamente ocupa as páginas dos jornais”. E evitar que determinadas fontes agridam a inteligência alheia pela forma como tentam passar a própria mensagem.
Mídia Training, modo de usar
*Francisco Viana
A necessidade de ter razão marca uma inteligência grosseira. (Albert Camus)
A polêmica que hoje envolve a CPI da Petrobras, a própria Petrobras e a revista Veja, traz à luz uma velha questão: o que é o mídia training?Uma imagem, uma história milenar e um princípio essencial facilitam a resposta. A imagem é aquela de uma loja de ferramentas. Existem as ferramentas simples, do dia a dia, e existem as ferramentas complexas destinadas aos reparos de máquinas de fazer máquinas.
O mídia training, guardadas as proporções, corresponde às ferramentas complexas porque se destina a corrigir erros de comunicação, além de clara definição de mensagens e públicos. Por isso, o treinamento exige prática, rigorosa dedicação e simulações da realidade com profissionais que entendam do funcionamento da mídia e do espírito das organizações. Sua espinha dorsal é a verdade factual.
A história se confunde com os avanços democráticos. Na Grécia Antiga, os sofistas percorriam as cidades ensinando o povo a falar para que questionasse os aristocratas e os sábios fechados em seus saberes. Foram, digamos assim, os pioneiros nesse campo tão estratégico para a manifestação das massas, quanto educativo. No Renascimento, encontraremos o ensino da retórica nas universidade buscando preparar oradores para o exercício da palavra, acima de antagonismos políticos. A ideia advinha dos conceitos de civilidade, respeito ao diferente e convivência política. Interessava construir um novo mundo, após o longo eclipse da Idade Média.
A próxima etapa, já na segunda metade do século XX, foi a globalização. A mídia passou a ter influência decisiva na vida e na economia. Era indispensável conhecer a sua natureza profunda, suas técnicas, suas engrenagens. Também, era inescapável aprender a falar para grandes massas. Assim, a prática do treinamento de mídia começou antes nos Estados Unidos, por volta dos anos 60 e 70, e no Brasil, ainda nos anos 80.
Agora, se desenha um ciclo totalmente novo. De repente, com a emergência das mídias sociais e a rapidez com que as mensagens e práticas são cotejadas descobriu-se – ou seria redescobrir? – o valor dos fatos e da coerência entre gestão e comunicação. Se há erros, deve-se admiti-los imediatamente e anunciar as necessárias correções de rumos.
A valorização do porquê das coisas torna-se vital para a construção de uma imagem, reputação e identidade. Como o tempo se acelerou, inclusive para os políticos, a comunicação precisa prever os acontecimentos à frente. É um xadrez para mestres, não para iniciantes. Antes se dizia: não basta fazer, é preciso mostrar. Agora, a palavra de ordem é prever. Quanto mais os cenários forem desdobrados à frente, maior será o valor da comunicação. Erros, mentiras e contradições serão sempre descobertos. Jornalistas são como beduínos no deserto: se os beduínos encontram sempre a água, o jornalista vai sempre descobrir a notícia e suas contradições factuais.
Isto significa que a parte técnica do treinamento não pode se confundir com ficção nos posicionamentos. O que impressiona é o desvirtuamento do mídia training. Em lugar de educar-se as pessoas para ater-se à verdade factual e procurar soluções para os problemas, preparam-se os entrevistados para repetir as mesmas palavras, a mesma formalidade institucional e, muitas vezes, as mesmas mentiras.
A evidência desta realidade de marionetes encontra-se na erosão, em larga escala, dos porta-vozes, carentes de credibilidade e dessa palavra chave que é confiança. É como se os treinamentos se tornassem brincadeiras de criar versões para fatos que falam por si. É como se as pessoas que treinam, ao se distanciar dos fatos, brincassem com suas vidas e carreiras.
Os fatos são o elo comum entre o trabalho da mídia e os porta-vozes das organizações. Desde os antigos sofistas ao Renascimento, da globalização à era das mídias sociais, a boa comunicação, qualquer seja o tema, é alicerçada em fatos, não em versões. Fatos são graníticos e teimosos, versões são voláteis e frágeis como lágrimas ao sol.
Nada disso, porém, guarda qualquer relação com o conhecimento prévio, tal como denunciou a revista Veja, de questões a serem formuladas pela CPI da Petrobras e o rápido treinamento dos envolvidos. O nome desse episódio é crise. No caso, crise dentro da crise. Caberia aos comunicadores das instituições, se ouvidos foram, alertar para a estridência do sinal vermelho. Essa seria a verdade factual lúcida e luminosa. A se confirmarem as denúncias da revista: reputações serão dilaceradas e cedo ou tarde rolarão as cabeças dos participantes do treinamento.
• Francisco Viana é jornalista, mestre em filosofia política (PUC-SP) e autor do livro De cara com a mídia.
Artigo publicado originalmente no jornal Correio Braziliense, de 08/08/2014. Publicado com autorização do autor.
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