Uma semana depois de uma das plataformas da BP, no Golfo do México, começar a vazar petróleo no mar, o CEO da empresa, Tony Hayward, visitou o escritório da Reuters, em Londres. Relato do jornalista Tom Bergin, publicado no site da agência de notícias no fim de junho, expõe as falhas de relações públicas da BP na condução do maior acidente ecológico dos EUA.
Segundo Bergin, inicialmente ansioso, o CEO relaxou e fez confidências de como esboçou os planos para estancar o vazamento no Golfo. Sua mensagem durante o encontro com jornalistas experientes foi clara: “a BP tinha diante de si um dos maiores problemas de engenharia, logístico e financeiro que a indústria do petróleo jamais havia enfrentado, mas a empresa estava preparada para o desafio”.
O artigo lembra que o CEO deixou de mencionar o enorme problema político em que a BP se meteu, “talvez o maior de uma crise de uma empresa de petróleo operando nos EUA, desde quando Theodore Roosevelt quebrou a Standard Oil, de John Rockefeller”.
“A falha da BP para compreender o fato de que seu maior desafio estava em Washington, e não no Golfo, levou a uma série de gafes e erros estratégicos de comunicação, que inflamaram a opinião pública, estimularam a tempestade política e arrastaram o preço das ações da empresa para o fundo”, diz Bergin. A perda de valor de mercado da empresa, desde 20 de abril, chega a 35%.
Muitos analistas especulam que a limpeza do vazamento custará não menos do que US$ 30 bilhões, mas a capitalização no mercado da BP está abaixo de US$ 100 bilhões. Admite-se que ela enfrentará mais de US$ 30 bilhões em multas, tanto quanto restrições nos seus negócios nos EUA, seu mercado mais importante. Até o início de julho, a BP já havia gasto US$ 3,5 bilhões com o acidente.
“A condução do vazamento pela BP, de uma perspectiva da gestão de crise, ficará na história como um dos grandes exemplos de como tornar uma situação pior pelas falhas de comunicação”, disse Michael Gordon, do Grupo Gordon Stragegic Communications, de Nova York.
“É uma combinação de falha de transparência, uma falha no discurso direto e uma falha de sentimento para com as vitimas. Quando você está administrando um desastre ambiental desta magnitude, você não apenas tem que administrar o problema mas também administrar todos os stakeholders”, disse ele ao repórter da Reuters.
Transgressor em série
Segundo Bergin, a BP adotou posições cheias de suspeição ou equívocos na comunicação desse acidente. Tom Hayward (o CEO) repetidamente disse aos repórteres, nos primeiros dias após a explosão da plataforma condenada, que “não era nosso acidente”. Em vez disso, ele condenou a Transocean, a empresa que operava a plataforma, uma de suas parceiras. Ou seja, ele ignorou não apenas a responsabilidade, mas a extensão do problema e ainda jogou a responsabilidade para terceiros.
O artigo cita Henry Sneath, Vice-presidente da DRI, uma associação de advogados, para quem “numa situação pública complicada, condenar imediatamente alguém, mesmo que você esteja certo, é ruim do ponto de vista das relações públicas. Você imediatamente denigre sua reputação e envenena potenciais jurados que podem, em última instância, vir a julgá-lo”.
Outra deslize, segundo Bergin: “a empresa também falhou em administrar sua imagem como uma contumaz transgressora dos níveis de segurança e do meio ambiente. Isto foi especialmente verdadeiro nos EUA, onde reguladores têm responsabilizado a BP por dois acidentes no Alasca: explosão em refinaria, no Texas, em 2005, que matou 15 trabalhadores, e vazamento de oleoduto no Alasca, em 2006, ambos os acidentes, por corte de custos. Ou seja, o passado condena.
Explica Bergin que “quando um Comitê do Congresso, em meados de maio, deu destaque a esse recorde, a BP insistiu que tinha mudado de lá para cá. Mas não conseguiu explicar como”. “A inabilidade da BP para descrever com precisão as melhorias que tem feito na sua cultura operacional e de segurança tomou-nos de surpresa”, disse a UBS (órgão regulador) em nota, após a audiência.
Estimativas do estrago
Bergin lembra que a BP também enfraqueceu sua credibilidade, por subestimar a quantidade de óleo que vazava do poço atingido. Mesmo quando os cientistas desafiaram a estimativa da Guarda Costeira, de 5 mil barris por dia de vazamento, em média, a BP defendeu com veemência essa tese. Desde o início do vazamento, houve controvérsias quanto ao volume de petróleo vazado. Mas o erro da BP foi nunca admitir o volume que todos os técnicos apontavam como correto.
O artigo da Reuters lembra que “em 14 de maio, Bob Dudley, diretor da BP para as Américas, disse ao canal MSNBC, que o cálculo de 5 mil barris da BP era um”uma boa estimativa” e que as estimativas de até 70 mil barris/dia eram “boatos mal intencionados”. Tentar minimizar a extensão da própria crise, também é um dos erros mais primários na gestão de crises.
Em 15 de junho, um painel governamental assegurou que a taxa de vazamento era “atualmente de mais de 60 mil barris/dia” e documentos internos da BP, liberados por um membro do Congresso dos EUA, na última semana de junho, mostrou que a empresa tinha cálculos internos de que o poço poderia vazar até 100 mil barris/dia. O que se comprovou, depois, verdadeiro.
“Uma vez que você perdeu confiança e credibilidade, sua habilidade para passar a mensagem adiante passa a ser criticamente dificultada”, disse Jonathan Hemus, diretor da Insígnia Comunicações.
Bergin não perdoa no artigo os erros do executivo Tom Hayward. Ele dizia nas entrevistas que o vazamento era “relativamente muito pequeno” e que o impacto ambiental seria “muito, muito modesto”. Essa relativização foi interpretada como uma grosseira tentativa de minimizar o impacto do vazamento.
E o articulista é ainda mais cáustico: “Pior ainda foi o comentário de Hayward, na TV, de que ele queria sua vida de volta. Previsivelmente, as esposas de alguns dos onze homens que morreram na explosão da plataforma responderam que elas (também) gostariam que seus maridos voltassem”. Em 25 de junho, o Presidente da BP, Carl-Henric Svanberg, afirmou que Tom Hayward estava retornando ao Reino Unido, admitindo que os comentários do CEO tinham “desconcertado pessoas”.
Segundo Bergin, “um dia depois, Hayward mostrou que poderia (de novo) decepcionar o público americano, até mesmo do outro lado do Atlântico, quando foi fotografado a bordo de seu iate na Ilha de Wight, enquanto o vazamento de petróleo mantinha confinados ao porto os pescadores de Luisiana”.
“Podemos todos concluir que Tony Hayward não terá uma segunda carreira como consultor de Relações Públicas”. A declaração é de Rahm Emanuel, Chefe do staff da Casa Branca à ABC News, após o incidente com o iate do executivo, conclui o artigo.
Pouca experiência nos Estados Unidos
Bergin admite: “o que tornou os erros da BP piores, é a empresa não ter se preparado para montar um excelente trabalho de Relações Públicas”. Pela quantidade de gafes e desrespeito à população local, a BP não mostrou isso.
“A empresa tinha quase recursos ilimitados. Seu executivo-chefe foi um ex-CEO, especialista de mídia na área de telecomunicações. E o profissional de relações públicas, Andrew Gowers, era um ex-editor do Financial Times e repórter da Reuters, com recente experiência de gestão de crise: Gowers liderou o time de RP do Lehman Brothers durante seu colapso. Apesar da rapidez e amplitude da quebra do banco, não estava entre as atribuições do PR ter salvo o banco”.
Outro erro, nessa sucessão de trapalhadas da gigante do petróleo, é o que Bergin chama de “defeito-chave”.
“O CEO britânico da BP nunca tinha exercido um cargo nos Estados Unidos; seu executivo-chefe sueco tinha limitada experiência americana e o único trabalho no país foram os poucos meses como executivo do Lehman Brothers”.
Hayward ampliou seu distanciamento dos EUA, pela escolha, como agência externa, de outro britânico, Alan Parker, líder da maior agência de Relações Públicas, a Brunswick. Essa opção durou pouco, até o fim de maio, quando a empresa designou um representante dos EUA na área de RP – Anne Kolton, ex-porta-voz de Dick Cheney.
Para Bergin, “a falha de conhecimento local feriu a BP naquelas primeiras semanas. Especialistas americanos admitem ser difícil para executivos europeus, especialmente aqueles que não passaram longo tempo trabalhando nos EUA, entender o combativo cenário político no país”.
“Na Europa, a atitude seria diferente: “a empresa é a única que pode resolver o problema, assim o que nós precisamos fazer para ajudá-la a conseguir se organizar? disse Patrick Dunleavy, um professor de ciência Política da London School of Economics.
“A empresa não dimensionou adequadamente quanto de reação este episódio poderia ter e quão rapidamente seria... isto acabou sendo uma problema no gerenciamento de risco, acrescentou o profissional.
O papel da mídia nessa escalada de erros
No artigo, Bergin lembra que “a BP também tem sido pressionada por uma mídia mais hostil do que habitualmente. Por muito tempo, o maior e mais internacional negócio do Reino Unido, o sucesso da BP, é uma fonte de orgulho para um ex-poder imperial que agoniza diante de sua posição no mundo”.
“Para muitos na Grã-Bretanha, o CEO da BP é o santo patrão dos negócios da Inglaterra – alguém cujos pronunciamentos em temas, mesmo fora do campo da energia, podem ir parar na primeira página dos jornais”. Mesmo após o desastre no Golfo do México, com toda a imprensa americana e mundial caindo em cima da empresa, a BP aproveita-se de uma imprensa razoavelmente positiva na Grã-Bretanha.
Mas o papel da TV dos EUA em expor o desastre tem sido um desafio para a equipe de mídia da empresa, mais preparada para tratar com pautas econômicas e repórteres da área de finanças. As redes sociais também não deram trégua à BP. Ela perdeu o controle desse meio, até porque, desde o início, teve problemas sérios para administrar a própria crise.
A verdade, segundo Bergin, é que “a BP teria que enfrentar a ira pública e a pressão política, não importa quão competentes tenham sido os relações públicas. A questão é: poderia a empresa ter conduzido a situação melhor”? Alguns analistas continuam em dúvida se a área de relações públicas seria competente o suficiente para amenizar a crise da BP.
“Relações Públicas não são um antídoto para o que está acontecendo aqui. Sempre que algo como isso acontecer, há 100% de certeza de que os relações públicas serão julgadas pelos danos”, disse Eric Dezenhall, um especialista em relações públicas e crises, por quase 30 anos. Dezenhall disse que os esforços de comunicação da BP devem ser julgados a longo prazo. Os erros, de fato, começaram na administração. Por consequência, se estenderam aos trabalhos de RP.
Para Bergin, “todos estes mitos que soam lindos numa classe colegial, sobre desculpas e contrição” são bem diferentes quando se está diante de uma realidade de um acidente dessa magnitude, como aconteceu com a BP. Nunca saberemos se um trabalho eficiente de RP teria sido capaz de amenizar os danos ambientais e de imagem, o efeito político e o prejuízo à população proporcionados pelo vazamento. Daqui a 20 ou 30 anos, estaremos analisando e discutindo esse acidente, um momento extremamente importante para o gerenciamento de crises na área de petróleo. A BP pode ser um excelente laboratório para as incertezas das demais empresas nesse cenário.
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