Quem assistiu a duas entrevistas do ministro da Justiça, na terça-feira, 9, logo após o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, ter pedido “a eventual substituição” da diretoria da Petrobras, não deve ter entendido muito bem onde o governo quer chegar. O ministro – como de resto muita gente no governo – tem jogado os brasileiros num estado psicológico que beira a “dissonância cognitiva”.
Segundo Brad Phillips, em recente artigo para o site Media Training, “a dissonância cognitiva é o estresse mental ou desconforto experimentado por um indivíduo que possui duas ou mais crenças, ideias ou valores contraditórios, ao mesmo tempo, ou é confrontado por novas informações que entram em conflito com as crenças, idéias ou valores existentes”. Pelo menos este é o conceito clássico da Wikipedia, diz ele.
O autor conta que trabalhou recentemente com uma empresa que é frequentemente retratada pela mídia como vilã. Diante do fato de receber coberturas críticas da mídia, a equipe executiva da empresa ordenou uma repressão à comunicação externa. Ou seja, jornalistas passaram a ser “personae non gratae”. Segundo Phillips, “Isso significa que não haveria mais entrevistas. Todas as interações com a mídia ocorreriam exclusivamente por meio de depoimentos escritos. Dessa forma, os repórteres não seriam capazes de distorcer o discurso dos executivos. Manter um roteiro ou script de papel os faria se sentir mais seguros e melhor protegidos”.
Para Phillips, contudo, há um problema com essa abordagem: a postura defensiva resulta em histórias midiáticas que contrastam declarações frias escritas pela empresa. Quem fala com a imprensa parece mais aberto e simpático. Mesmo em temas extremamente polêmicos. A nota fria nunca irá substituir um bom porta-voz, principalmente se ele, mesmo em assuntos difíceis e complicados, tiver uma empatia com os jornalistas.
A dissonância do discurso
O que o ministro da Justiça tem a ver com isso? Ele está lá também para defender o governo. Meio assustado diante do pronunciamento incisivo e até surpreendente do Procurador Geral, que pediu aquilo que muitos especialistas, inclusive nós, neste site, em artigos anteriores, bem como a maioria dos brasileiros, têm pedido, ou seja, a troca da diretoria da Petrobras, Cardoso entrou em parafuso.
Disse, logo após, na primeira entrevista, que haveria “fortes indícios”, mas não estaria nada provado contra os atuais diretores da Petrobras. Dilma não gostou do tom. E provavelmente cobrou do ministro uma defesa mais forte da equipe de sua amiga Graça Foster, que ficou na linha de tiro do Procurador-Geral da República.
Na segunda entrevista, mais tarde, o ministro da Justiça foi mais enfático. Convocou a imprensa para falar sobre o mesmo tema. Ali, brifado e treinado, o ministro incorporou a toga do partido e do governo e enumerou iniciativas adotadas pela Petrobras para combater e prevenir irregularidades. E respondeu ao PGR: “Não há razão objetiva para que atuais diretores da Petrobras sejam afastados”.
Ou seja, retirou do discurso o que havia dito pela manhã: “há fortes indícios de corrupção” na Petrobras. “E a nossa tarefa hoje é exatamente essa: de apurar, punir e afastar da empresa quem ainda não está afastado e fazer com que essa empresa siga seu rumo”, completou. O cenário do imbróglio foi a Conferência Internacional de Combate à Corrupção.
A pantomina da CPI
Na linha da esquizofrenia que tem pautado o discurso oficial sobre a crise da Petrobras, poderíamos inserir a CPI que encerrou os trabalhos esta semana. O relatório final deveria entrar para o rol dos documentos oficiais inúteis, que não trazem qualquer contribuição ao esclarecimento do maior esquema de corrupção da história moderna do país.
A se aceitar como sério esse relatório, tudo a que assistimos nos últimos nove meses com apuração da Polícia Federal, do Judiciário, do Ministério Público, além de inúmeros depoimentos, das delações ou confissões de vários acusados, incluindo ex-executivos da Petrobras, tudo não passaria de ficção.
Essa CPI nasceu morta, porque o governo nunca se empenhou em realmente levá-la a sério, com medo de que uma apuração rigorosa subisse a rampa do Palácio do Planalto ou atingisse caciques do partido oficial, num ano eleitoral.
Cozinhou a CPI em banho-maria, controlada pela tropa de choque que fingia colher depoimentos que mais pareciam um convescote de amigos. Flagrados pela imprensa treinando os depoimentos dos depoentes, num Q&A (questions and answers), os assessores oficiais desconversaram, alegando ser normal preparar executivos para os depoimentos. Treinar até pode ser normal; mas deputados combinar perguntas e respostas é tratar os cidadãos como um bando de idiotas.
A CPI também contribuiu para agravar a dissonância cognitiva dos brasileiros em relação ao que de fato suas excelências queriam nesse fórum. Serviu apenas para dar holofotes a uma minoria de áulicos, sempre prontos mais para aparar os erros do governo, incluindo falcatruas dos companheiros, do que para combater a corrupção no país ou apurar qualquer coisa.
A dissonância dos brasileiros
Voltemos à “dissonância cognitiva”. Nós, os brasileiros comuns, estamos há nove meses assistindo meio estupefatos a essa novela da Petrobras, com um enredo misto de suspense e pavor, dados os descalabros que a cada dia emergem dos depoimentos, confissões, delações premiadas, revelações da imprensa e quejandos. Estamos sem entender se o governo quer ou não resolver a crise da Petrobras, o mais rápido possível. A lógica nos faz pensar que o governo quer resolver a crise.
Qualquer manual de gestão de crise recomendaria um sinal marcante, lá em abril, ou logo depois, de que o governo, mais especificamente a ex-candidata Dilma Roussef, realmente estariam empenhados em solucionar essa crise e preservar o nome da empresa da execração pública, do derretimento das ações no mercado e da vergonha que certamente os funcionários da Petrobras estão passando. Mas não. Ficou “cozinhando” a crise no período pré-eleitoral, certamente, para não dar munição à oposição. Chegou-se ao desplante de registrar em ata um elogio ao diretor demitido Paulo Roberto Costa, pelos “bons serviços prestados” à empresa. Pasmem.
O sinal emblemático, na época ou logo depois, seria demitir, trocar toda a Diretoria da Petrobras, sem entrar no mérito, no momento, de quem seria ou não culpado. Mas o aparelhamento da empresa é tão forte e os compromissos políticos tão comprometedores que não apenas nada mudou na empresa, a não ser, lógico, a demissão dos dois diretores acusados, como ainda se mantém vinculado à área de petróleo o ex-presidente da Transpetro, Sérgio Machado, afilhado de Renan Calheiros.
Citado pelo ex-diretor Paulo Costa como beneficiário do esquema que fraudava contratos com a empresa, ele tirou licença de 30 dias “para facilitar a auditoria” e acaba de renovar mais 30 dias da mesma licença. Num país sério ou numa empresa privada ele já estaria fora há muito tempo. Ou espontaneamente deveria ter pedido demissão, gesto que seria mais nobre, fosse ou não culpado. Jack Welch, o ex-todo poderoso guru da GE, diz num de seus últimos livros que "não existe crise sem sangue no chão". Ou seja, as crises para serem resolvidas exigem do líder, muitas vezes, sacrificar pessoas, não importa se parentes, amigos, correligionários ou apaniguados.
Os brasileiros estão sendo vítimas da “dissonância cognitiva”, porque o mesmo governo que diz querer apurar, deixa a crise chegar ao ponto de o Procurador Geral ter que sugerir aquilo que um gestor de uma empresa privada teria feito lá em março, quando a crise estourou. Afinal, queremos salvar a empresa ou preservar o emprego da diretoria?
Nada contra os atuais diretores e a presidente da empresa, a quem, repetimos, temos dado o benefício da dúvida, por parecer uma executiva competente, que está sendo fritada por estar no meio de um vendaval que ela não esperava e talvez não merecesse. Ela está cansada e decepcionada, como revelou reportagem do jornal “O Estado de S. Paulo” neste fim de semana.
Mas o mercado internacional não quer saber de amizades ou compromissos da presidente Dilma. E nem conhece Graça Foster. Quer sinais claros de uma inflexão na desastrosa gestão da empresa nos últimos anos. E a troca de toda a diretoria por pessoas do mercado daria um sinal emblemático de que o governo realmente estaria empenhado em conduzir a Petrobras como uma empresa gigante do mercado e não como uma casa de tolerância de falcatruas que enriqueceram um punhado de espertos, indicados por políticos, e irrigaram os cofres de partidos da base do governo, como aos poucos está sendo revelado.
A “dissonância cognitiva” de que padecemos é não entendermos onde o governo quer chegar esperando – ou torcendo – para que dos depoimentos não surjam fantasmas que continuarão a assombrar o país, o mercado e assustar os investidores, fornecedores e empregados da Petrobras. Ou quem sabe uma luz que ilumine os órgãos de fiscalização e amenizem a crise.
O que os brasileiros estão esperando não são declarações burocráticas da empresa ou depoimentos irritados do governo quando a mídia cai de pau em cima da crise da Petrobras. São atitudes consonantes com a prática do mercado e que contribuam para acabar ou pelo menos mitigar a crise. Declarações dissonantes e até contraditórias acabam gerando mais dúvidas na cabeça de todos aqueles que desejam ver a crise solucionada.
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