media training foto boaFrancisco Viana*

A verdade não pertence a um desejo. (Tzvetan Todorov)**

O que é o mídia training? Um treinamento para reduzir as possibilidades de surpresas em movimento de crises. Essa é uma ideia, das mais evidente, contida na realidade prática.

Certa vez, vivi uma experiência ilustrativa. Fiz treinamento para o presidente executivo de uma grande empresa que estava saindo de uma crise tenebrosa. Era coisa de cinema: a empresa tinha sido tomada de assalto, em postos de direção, por uma autêntica gangue e houve fraudes de toda ordem, a começar por desvios de algumas centenas de milhões de reais. 

Veio uma intervenção judicial. Nova diretoria assumiu. As coisas mudaram. O presidente iria visitar jornalistas de vários estados, do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro, justamente para explicar que os problemas estavam superados e tinham sido, afinal, remetidos para a esfera policial.

Treinamos uma semana. Perguntas e respostas repetidas à exaustão. A cada rodada eu dizia: “Em hipótese alguma perca a calma”. Falava assim por entender que  o mídia training precisa dar primazia ao espírito da psicanálise, observar a importância da personalidade do cliente, sentir suas pulsões profundas. Não basta apenas ser objetivo, pensar nos desafios da realidade imediata. Torna-se imperativo ir mais além.

Conciliar a técnica da comunicação com o potencial espírito destrutivo de quem participa do treinamento. A técnica alcança apenas o racional, não o espírito. E o espírito, como a imagem, está nas forças primitivas das emoções. Não pode ser desprezado. O homem, como um camaleão, se camufla e, assim, camufla todo o seu universo. Se conhece suas limitações, pode superá-las.

A primeira visita seria apenas a apresentação de resultados e estratégias futuras da empresa para um jornal da grande imprensa paulista. Seria um almoço com editores. O conteúdo não seria divulgado, mas era vital que o debate criasse um ambiente receptivo para futura entrevista. Era nisso que o presidente acreditava.

Estava no começo de um périplo e precisava ter um bom começo. Ambos éramos leitores de Maquiavel. Ambos sabíamos que começar bem é o principio de muitos acertos. Combinamos o seguinte: o presidente faria uma apresentação de dois a três minutos, citaria  números essenciais e, a seguir, abriria para o debate. Eu não participaria do almoço. Assessor é para fazer avaliações antes e depois. Nunca durante os eventos. Nada pior do que desejar tutelar o cliente. E ele foi sozinho para encontrar os editores.

Logo que foi feita a última pergunta e que pôde dispor de alguma privacidade, ele me ligou eufórico: “Deu tudo certo, mas teria dado errado se tivesse perdido a calma”. Antes de desligar, me convidou para fazermos avaliação. O que aconteceu? Quando começou a fazer  a apresentação, um dos editores o interrompeu e disse: “Não quero saber nada disso. A minha única questão é se a crise acabou ou não?”

O presidente, segundo avaliou, sentiu vontade de chamar o editor de “incivilizado” ou simplesmente ignorá-lo e continuar falando. Sentiu vontade de chamá-lo para o confronto. “Meu sangue ferveu”, ele contou. Mas lembrou da advertência para manter a calma e, com gentileza, voltou-se para o jornalista e destacou: “Sim, a crise acabou”.

Houve silêncio. A resposta direta, sem meios termos inverteu a surpresa. Na sequência, sem levantar a voz, perguntou se podia continuar a exposição ou se era melhor saltar para as perguntas. Os jornalistas o bombardearem com questões. Ele respondeu a todas, sem hesitar, escudado em fatos. Estava preparado. Não era como Antígona diante da tragédia. Pois o trágico é nada mais nada menos do que o inelutável. E ele, como viria a me dizer, compreendeu naquele momento porque não podia perder a calma.

Eis o trágico de quem não treina: na maioria das vezes, não sabe o que deseja responder, improvisa, sente atração imediata por frases feitas como “nada a declarar” , “não admito esse tipo de questão” ou “não tenho conhecimento”. Quem age assim,  geralmente,  perde a postura e a compostura. Tudo isso, no entanto, pode ser corrigido, sem que se perca a espontaneidade, a clareza e o refinamento na Comunicação. Nada disso é armação ou fraude. Nada é a mera resposta institucional, que a ninguém interessa, nem a busca estrita de transmitir uma imagem palatável.

É, sim, educação para a democracia. O que existe de relevante no mídia training é mostrar àquele que treina que nunca existem perguntas problemáticas ou fora do lugar. Existem apenas respostas erradas ou formuladas sem civilidade. São essas nuanças, às vezes pequeninas, que fazem a grandeza do mídia training.

* Francisco Viana é jornalista, mestre em filosofia política (PUC-SP) e autor do livro De cara com a mídia.

**TODOROV, Tzvetan, O espírito das Luzes, Trad, Mônica Cristina Corrêa, São Paulo: Editora Barcarolla, 2008, p. 84.

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