Talvez você tenha ouvido falar no termo "entrevista de emboscada." Isso pode significar várias coisas diferentes para instrutores de mídia e para fontes. Pode ocorrer na hora de uma audiência no Congresso Nacional ou até mesmo após um depoimento na Polícia Federal.
Ou na saída da empresa ou da repartição pública, ante a iminência de uma crise ou incidente grave, envolvendo a organização. Emboscada é a entrevista surpresa, aquela que a fonte não esperava e nem convocou.
O dicionário define emboscada como um “ataque surpresa”. Isso pode acontecer quando você for chamado por causa de um incidente grave e pessoas da mídia preparam "um ataque surpresa", sobre a fonte, com as câmeras já ligadas - literalmente saltam para fora de algum lugar oculto, assim que o entrevistado estiver saindo de casa ou ao chegar ao escritório.
Ou pode ocorrer durante uma entrevista, que você concordou em fazer sobre determinado tema, mas o repórter traz um assunto totalmente diferente para você, fazendo perguntas agressivas.
Como a maioria das pessoas, o seu primeiro instinto pode ser dizer, defensivamente e com uma linguagem corporal diferente, "Nada a declarar”. Tivemos um ministro da Justiça na época da ditadura, Armando Falcão, que se notabilizou pelo famoso “Nada a declarar”. Não foi bom para sua biografia.
Então, nessa hora é bom lembrar o que já foi dito por várias pessoas - consultores de mídia ou peritos de comunicação - que o “nada declarar” não é um boa abordagem, porque imediatamente sinaliza para o repórter: ele está escondendo algo. "Culpado de todas as acusações", é como os repórteres costumam rotular a fonte, segundo o especialista em gerenciamento de crises, Jonathan Bernstein.
O que não fazer
Não diga essas duas palavras, "Sem comentários." Ou “Nada a declarar”. Ainda mais quando assediado e a cena do executivo, fugindo dos repórteres, aparece na TV. É pior. No Brasil, é um cena muito comum quando autoridades ou celebridades acusadas são presas ou prestam depoimento na Polícia ou são assediadas na saída de CPIs. Pressionados pela imprensa para fazerem declarações, se escondem ou encobrem o rosto. Quando não, falam por meio de advogados, transformados em porta-vozes de pessoas com reputação ameaçada, naturalmente sempre apregoando a “inocência” do próprio cliente.
Segundo Judy Hoffman, autora do livro sobre gestão de crises“Keeping Cool on the Hot Seat: Dealing Effectively with the Media in Times of Crisis” a emboscada tem sido usada muitas vezes por pessoas que não têm uma boa história para contar. Com a lacônica e evasiva declaração, elas praticamente convidam um repórter investigativo a ir atrás de quaisquer acusações que tenham sido feitas ou a explorar uma história negativa que eles tenham ouvido, ainda que não seja verdadeira.
O conselho da especialista é muito simples. Não tente fugir do cinegrafista ou arrancar a câmera de suas mãos. Tudo isso será captado e gravado ou relatado nos estúdios. O drama visual irá transformará isso numa grande notícia do ponto de vista dos repórteres. E irá repercutir muito mal para você – culpado, assustado, e rude.
Existem cenas desses momentos, com autoridades que não querem fazer declarações ou acuadas por acusações, que chegam a ser bizarras. Não basta recuar e esquivar-se por uma porta, trancando-a. Novamente, a cena vai ser captada pelas câmeras e jogada no ar, para fazer parecer que você está desesperado para evitar admitir algo ruim. Devemos lembrar que a mídia, principalmente eletrônica, tem seu momento de espetacularização. E cenas de fontes acuadas em momentos de crise são muito boas para a televisão.
Como administrar a emboscada?
Segundo a escritora Judy Hoffman, "depende." “Depende da situação e se você é a pessoa certa com as informações corretas para responder às perguntas, assumindo que as perguntas são válidas e razoáveis. Então, vamos olhar para várias situações diferentes”.
“Se você tiver apenas sido informado da situação e ainda não foi informado sobre os detalhes da crise, deve dizer ao repórter que o está abordando, no caminho para o Centro de Gestão de Crise: "Eu posso confirmar neste momento que houve um acidente envolvendo nossa empresa. Eu não posso dizer mais nada sobre isso, porque eu simplesmente não tenho os fatos ainda. Assim que tivermos mais detalhes e informações, eu volto a falar com você.”
Não devemos esquecer que neste momento a fonte assumiu um compromisso. “Então, é claro, você deve voltar pelo menos para dar-lhes as noções básicas de quem, o que, onde e quando ocorreram os fatos e uma breve descrição do que a organização está fazendo sobre a crise. No final, manter a promessa de fornecer informações mais detalhadas quando estiverem disponíveis”. Quanto mais tempo você demorar para dar essa resposta, mais a pressão ficará insuportável. Lembre-se, Gestão de Crises não combina com lentidão.
A autora do artigo, publicado no site www.judyhoffman.com, acrescenta:
“Se você não é a pessoa adequada para responder à pergunta, encaminhe o repórter a essa pessoa, seja uma resposta de emergência, uma agência do governo, um oficial de Justiça, ou outra pessoa”. Mas não perca nunca o equilíbrio. “Seja cortês e útil, mas não tente responder por qualquer outra pessoa, quando não é o seu papel”.
Se a pergunta é razoável, mas você ainda não tem a informação para respondê-la com bastante convicção, basta dizer: "Sinto muito, mas eu não tenho a resposta para isso ainda. Vou investigar e voltarei para você”. A escritora recomenda que as fontes não devem usar esta resposta, nas crises, principalmente se você sabe de imediato que a pergunta envolve questões de processos judiciais ainda em curso, confidencialidade, ou questões de propriedade que devem permanecer em sigilo.
Não é por que o repórter perguntou, mesmo assuntos sob reserva, que a fonte deve responder. Nunca esqueça de uma máxima de gestão de crises: “tudo que você não disser, não será publicado. Mas qualquer declaração, mesmo fora da entrevista ou do contexto, pode ser manchete nas próximas horas”.
O especialista Jonathan Bernstein também aconselha outra saída, nesse momento de aperto: "Eu adoraria falar com você, mas por que não fazer onde seria mais confortável para todos nós. Pode vir ao meu escritório (ou para onde for conveniente, um espaço que você possa controlar). Se o jornalista concorda, a fonte ganha algum tempo para pensar melhor sobre o que vai dizer e, em seu próprio espaço, é geralmente mais fácil evitar aquele olhar defensivo”. Sem falar que você pode ganhar tempo para se aconselhar com os superiores ou advogados, antes da entrevista.
Judy Hoffmann tem ainda um conselho importante. “Se a questão é baseada em afirmações falsas ou infundadas, registre isso firmemente para o repórter. "Me desculpe, mas eu não posso responder à sua pergunta, porque o que está sendo dito (1) simplesmente não é verdade ou (2) é baseado em alegações não comprovadas neste momento."
Se a questão pede para você especular sobre algo, a fonte deve ser muito clara. "Nós temos por hábito não especular. Estamos trabalhando duro para descobrir exatamente o que aconteceu e não convém, nem é adequado, tentar adivinhar ou especular sobre os acontecimentos. Estamos levando a sério esta questão e voltaremos a você, quando nós tivermos avançado na investigação e tivermos verificado e comprovado fatos para relatar”, conclui a articulista.
A pegadinha
Outra modalidade de emboscada é aquela inventada por programas de auditório, com pegadinhas, ou com repórteres que adoram ridicularizar a autoridade. É uma modalidade de jornalismo com muitas restrições no meio acadêmico e nas salas de redação, sob o princípio de que ninguém é obrigado ou deve ser constrangido a dar entrevista. A propósito desse tema, o sociólogo Nilton José Dantas Wanderley publicou artigo, em março deste ano, no Observatório da Imprensa.
Segundo Wanderley, “Pode o CQC enfiar goela abaixo um microfone na cara de um parlamentar/cidadão e obrigá-lo a conceder uma entrevista? Claro que não. É prerrogativa do cidadão/parlamentar conceder ou não uma entrevista. Cabendo a ele o ônus ou o bônus de querer falar ou não com a imprensa".
"Este “jornalismo” de emboscada nos corredores do Congresso Nacional não pode criar a “entrevista compulsória”, uma modalidade totalitária travestida de jornalismo. É “custe o que custar”, é vale-tudo em forma de emboscadas nos corredores do Congresso? Custa perguntar ao parlamentar ou ao cidadão se deseja ou não conceder uma entrevista? Ou o CQC entende que o parlamentar/cidadão é obrigado a conceder uma entrevista?" conclui o articulista.