reputacao1*João José Forni

“Não há um dia sequer sem alguma pauta que não possa implicar situação de crise”. O desabafo de um secretário de comunicação, em Brasília, resume, com certo exagero, o dilema de trabalhar no setor público e lidar com a reputação de assessorados ou organizações.

Viver todos os dias sob os holofotes da mídia e da sociedade. Essa parece ser a missão de quem aceita ser assessor de comunicação dos órgãos públicos em Brasília. Por que na capital seria diferente de outras cidades?

Brasília é hoje o centro político do país. Acaba sendo o estuário de muitas crises políticas e reverberadora de escândalos, tanto no âmbito nacional, quanto local. Governo federal, Congresso Nacional e administração local passaram por momentos muito difíceis nos últimos anos, expostos na mídia com denúncias graves.

No caso do Distrito Federal, a Operação Caixa de Pandora, depois de derrubar o governador, preso e denunciado, varreu o que restou do governo local e contribuiu para manchar ainda mais a imagem da cidade. Em certos momentos, em 2010, Brasília viveu um autêntico desgoverno, com sérias ameaças de intervenção, pela Procuradoria Geral da República.

Tudo isso somado, a concentração de ministérios, autarquias, empresas estatais, mais o Congresso Nacional e os principais Tribunais do Judiciário, acabam contribuindo para a fama de ser a Capital do país um reduto de pessoas com reputações sempre ameaçadas ou já trincadas. O que, convenhamos, implica um certo exagero.

Para Inácio Muzzi, diretor da CDN em Brasília, “a cidade é formada mais por políticos despreparados e cheios de vícios nefastos, do que o contrário. A cada legislatura chegam à cidade deputados oriundos da política municipal ou das assembleias legislativas. Nenhuma das realidades prepara bem o político para o que enfrentará em Brasília”. 

Nesse universo, diz Inácio, ameaçam o ostracismo, provocado pela falta de estatura, e o escândalo inapelável, decorrente da ausência de sensibilidade para a moral pública. “A imprensa nacional atuante em Brasília, é bastante diversa das imprensas regionais, normalmente dominadas pelos interesses políticos e econômicos das elites locais. Na capital, geralmente, não prospera a contenção das denúncias. Elas são combustível na grande política e muitos interesses empurram os incautos para a fogueira da moralidade”.

Em contrapartida, existem centenas de autoridades, milhares de servidores públicos, em Brasília, a maioria, portanto, competentes e sérios. Cumprem a missão, alguns até com sacrifício pessoal, e não merecem ser colocados numa cesta comum de iniquidades. Além disso, Brasília acaba levando a fama, por conta de reputações que já chegam à cidade abaladas por deslizes cometidos no passado.

Reputação é poder

Mas por que reputação passou a ser um ativo importante? Reputação tem a ver com expectativas da sociedade em relação a pessoas ou organizações. Por princípio, não deveria se esperar de alguém, no exercício de um cargo de confiança, utilizá-lo para desviar dinheiro público; ou um secretário ou gerente se beneficiar do cargo para manipular licitações ou aparelhar a máquina pública com parentes e apaniguados.

Reputação se constrói ao longo da vida, pela forma de agir dentro de princípios éticos e em respeito à coisa pública. É ativo difícil de medir, mas que os contribuintes acreditam deveria constituir o capital simbólico de um servidor público, principalmente se for autoridade. Portanto, uma ameaça à reputação, por causa de denúncias, tenha ou não procedência, quebra essa expectativa.

Por isso, o trabalho da comunicação é tão importante. Tanto para as pessoas, no exercício de cargos de confiança, no serviço público, quanto para a construção e fortalecimento da imagem dos diversos que compõem a máquina pública. A soma desse trabalho e a percepção da sociedade constroem a própria imagem desses governos.

Por que a reputação das autoridades desperta tanto o apetite da mídia? Vigiar autoridades, em qualquer lugar do mundo, acaba sendo um dos esportes favoritos da imprensa. A nova mídia sofisticou o escrutínio público. Não é preciso um ato suspeito ser publicado na mídia tradicional para se tornar visível. Novas formas de jornalismo, produzido até mesmo pelo cidadão comum, acabam expondo comportamentos e ações antes restritas a uma pequena parcela de público.

Outro fator que contribui para esse escrutínio: o cidadão está mais consciente politicamente, de olho no comportamento dos detentores de cargos públicos. “Cada vez mais a mídia se torna a arena decisiva em que as relações entre políticos e não-profissionais do campo político mais amplo são criadas, sustentadas e, ocasionalmente, destruídas”, diz o professor da Universidade de Cambridge, John B. Thompson, autor de “O escândalo político”.

“Os escândalos não necessariamente destroem a reputação e enfraquecem a confiança, mas eles têm a capacidade de fazer isso”, diz Thompson. Mas, dada a visibilidade de quem aceita entrar na arena política, “a reputação é um recurso muito frágil, que pode ser fácil e totalmente destruído”.

Naturalmente, pela própria característica da sociedade atual, muito mais vigilante, as notícias negativas adquirem uma visibilidade muito maior. O comportamento correto deveria ser normal, por isso o diferente, os deslizes, não interessa quem haja descoberto, acabam se tornando acontecimentos midiáticos.

Os políticos usam a mídia, e agora as redes sociais, para construir um estoque daquilo que o sociólogo Pierre Bourdieu chamou de “capital simbólico” diante do eleitorado, pelo contínuo gerenciamento da visibilidade e da forma como são apresentados à sociedade. Visibilidade negativa, por comportamentos mal explicados, transforma essa exposição em desgaste político, às vezes fatal. Adeus imagem pública.

Na era da visibilidade midiática, as autoridades públicas e políticos querem ter o máximo de exposição. Mas, como diz o professor Thompson, isso pode ser uma armadilha. Quanto mais visíveis se tornam as pessoas públicas, mais vulneráveis também ficam. Mais interesse da mídia, da opinião pública, da sociedade. É mais ou menos o que acontece com as celebridades. Lamentam a falta de privacidade e a facilidade como se veem envolvidos em escândalos públicos.

Essa necessidade e risco também contamina o trabalho das assessorias de comunicação. À primeira vista, não parece fácil o trabalho de quem cuida da imagem e da reputação de pessoas com alta visibilidade, quando a imprensa e a sociedade têm olhos e ouvidos sempre atentos e antenados para detonar reputações ameaçadas publicamente.

Risco de trabalhar a reputação

Como trabalhar para manter ou melhorar a boa imagem de ministérios, autarquias ou estatais que vivem sob o holofote permanente da mídia? Como trabalham os profissionais de comunicação para preservar a reputação de autoridades que podem estar hoje nas páginas políticas ou econômicas e amanhã muito perto das manchetes policiais?

Haveria uma certa prevenção do mercado em relação aos que aceitam lidar com esse ativo intangível, frágil e, muitas vezes, já arranhado, no setor público? Talvez. Mais no passado, do que hoje. Uma prevenção até certo ponto injusta. Ou seria certo preconceito, principalmente em relação a profissionais que assessoram políticos em cargos públicos? Não é opinião consensual em Brasília. Pelo contrário.

“Fiquei agradavelmente surpreso com a qualidade dos profissionais de comunicação que trabalham no governo”, assegura um administrador muito próximo do governo atual.

“Eles se preocupam mais em explicar o problema, quando há uma denúncia, do que supostamente defender a reputação da autoridade. Os profissionais defendem reputação nesse sentido, comprometidos com a área onde trabalham e evitando se envolver em disputas pessoais ou políticas”.

Segundo o administrador, em muitos casos, se os assessores não têm uma resposta para dar, eles evitam polemizar. Ou seja, vão tratar de outra coisa. “Aprenderam a conviver com esses problemas e não se comprometem mergulhando de cabeça na defesa da autoridade no nível pessoal”. O compromisso deles é institucional e isso parece ser um consenso entre os profissionais de comunicação que constroem uma carreira no serviço público. “De modo geral, são sérios e corretos, quando tratam de temas polêmicos”.

O papel da assessoria

Para assessores ouvidos no início do ano, em Brasília, orientar a autoridade, mesmo nos momentos de crises de reputação pessoal, independentemente dos julgamentos, é obrigação da área de comunicação. “O dirigente público acusado tem direito à defesa; deve e precisa defender a gestão, e o profissional de comunicação, se está nessa missão, deve ajudar. Precisa saber separar a ação política da autoridade, do ministro, do governador”.

Para assessores com anos de experiência em crises de reputação em Brasília, “a área de comunicação não tem interferência nesses processos desgastantes de “fritura” de autoridades. A decisão de afastá-lo ou demiti-lo, quando em cargo de confiança, tem um rito processual e, em muitos casos, trata-se de uma ação política”.

Não cabe ao pessoal da comunicação julgar e definir se uma autoridade, que depende de decisão do governador ou do presidente da República, deve sair. Se essa pessoa vier a cair, admitem, é porque houve uma ação política.

A comunicação tem outro peso, o julgamento político não é dela. Antes de uma apuração rigorosa, não compete à comunicação opinar ou decidir sobre o caso, até porque, na maioria das vezes, está distante do processo. Só a investigação, que não é atribuição da comunicação, pode responder”.  

Para Eliana Araujo, jornalista e assessora de imprensa do Ministério das Comunicações, “a forma de trabalhar é procurar encarar todas as questões que envolvem a reputação da autoridade no cargo governamental com transparência e profissionalismo.  Esconder dados ou evitar contato só maximizam um problema, quando houver. Não é tarefa fácil, nem um grande problema”. 

Inácio Muzzi entende que “cada caso é um caso. Depende do grau de exposição do posto ocupado pelo político, de sua estatura e reputação formada ao longo de anos de atividade, da disposição sincera para implementar as mudanças necessárias”.

 Assessores experientes também concordam que administrar esse dia-a-dia de pressões, pautas apressadas e denúncias não é o pior dos mundos. Eles aprenderam a sobreviver no ambiente político sem constrangimentos profissionais. Mesmo com as dificuldades inerentes ao tipo de atividade que desempenham. 

Há um consenso, em Brasília, de que a maioria dos assessores se preocupa em dar as informações, prestar um serviço à sociedade e ao mesmo tempo ajudar a imprensa a cumprir suas pautas. Não há um conflito, mesmo quando a pauta é negativa. 

Vida de assessor

Para o jornalista de governo Marcone Gonçalves, ex-assessor de imprensa e setorista de economia, em Brasília, assessores de comunicação, que aceitam trabalhar para políticos em cargos executivos em Brasília, alguns com passado bastante suspeito, acabam abrindo mão de administrar a comunicação numa relação transparente e correta, entre assessor e assessorado.

“Para esses jornalistas, isso não chega a ser um problema.  A reputação das autoridades em Brasília é, geralmente, administrada por um “board” que as acompanha ao longo da carreira: amigos, assessores jurídicos, políticos e secretários-executivos (raras vezes, jornalistas)”.

Para Marcone, a “panelinha” que ajudou esse político a galgar o posto, acaba sendo a instância deliberativa de decisões ligadas à sua reputação. Quando recorrem às agências de comunicação do mercado ou a profissionais de fora, é porque a vaca já foi pro brejo e não há mais reputação alguma para ser administrada”.

Não raro, políticos que ocupam cargos em Brasília já trazem na bagagem agências de comunicação locais ou nacionais para lhes prestar assessoria pessoal. Pagas para traçar uma estratégia, em situações de crises mais graves, são empresas acostumadas a lidar com aquela autoridade e sentem-se confortáveis para defendê-lo, mesmo em situações terminais.

Para Inácio Muzzi, “a assessoria pode sair ilesa, se trabalhar profissionalmente. O repórter se movimenta num escândalo tocado pela indignação, pela competição com órgãos concorrentes, e pelos fatos que vão se sucedendo. A assessoria que não procura enganar o repórter; que lida com a reportagem dentro da regra de respeito e da lógica; preserva a sua reputação, independentemente do cliente a quem esteja servindo”. 

A maioria dos profissionais de comunicação está lá porque quer, diz um assessor experiente. Eles têm cargo de confiança. Confiam nos assessorados e acabam vestindo a camisa para defender a organização em que trabalham. “Eles são muito profissionais”, asseguram jornalistas que têm contato diário com assessorias da Esplanada.

Não se pode generalizar e achar que os assessores embarcaram numa aventura que pode dar certo ou não. Eles entendem ser um trabalho importante, principalmente pelo momento que vive o país. E assumem o compromisso de colaborar, tanto com o assessorado, quanto com a mídia, para manter a sociedade informada.

Geralmente, a imprensa preserva a assessoria, cuja reação instintiva é ficar calada durante episódios em que a imagem dos assessorado está tão comprometida a ponto de não valer a pena brigar com a imprensa para defendê-lo.

Não é um consenso em Brasília, entretanto. Segundo assessores com anos de experiência, “uma abordagem profissional e institucional evitaria muitos desgastes. Um assessor de comunicação não poderia violar a consciência, pois o emprego ou o contrato são efêmeros, mas a reputação é permanente. E sem credibilidade, o assessor perde a utilidade.

Para esses profissionais de comunicação, um assessor mais preocupado  em preservar a boa relação com a imprensa do que em cumprir a obrigação, deve mudar de atividade.

Não há como atuar em meio ao embate político que caracteriza o setor público, sem ter que confrontar versões muitas vezes sustentadas inconsistentemente por grupos partidários ou da mídia. “Os esclarecimentos têm de ser levados à sociedade, com a ênfase necessária, independentemente dos interesses pessoais ou profissionais que venham a contrariar”, dizem. 

E como o pessoal da comunicação do governo vê isso? De acordo com Jorge Duarte, profissional de comunicação há oito anos na Secom e convivendo com dirigentes e coordenadores de comunicação do governo federal, “a reputação de um órgão público ou dirigente é construída pela sociedade, a partir de informações disponíveis e da diversidade de interpretações formadas a respeito destas informações. Um dos nossos papéis é dar acesso, transparência e fornecer subsídios, inclusive argumentos, para que a imprensa possa fazer um relato preciso dos acontecimentos e a sociedade possa fazer o melhor julgamento possível”.

Para outro profissional, que já passou por redação e assessorias de ministérios e presidência da República, “o objeto de trabalho das assessorias de governo são as políticas públicas, não as pessoas e suas reputações. É diferente, talvez, da comunicação no meio parlamentar ou artístico, no qual agente e ação se confundem. Essa é uma diretriz permanentemente reforçada nos órgãos públicos, para que a ação de comunicação seja de governo ou pública, sem personalismo. Eventuais ganhos ou perdas de imagem das autoridades serão consequência do desempenho das políticas sob sua gestão e da forma como os públicos percebem esse desempenho”.

Entretanto, ressalta, a imagem precedente da autoridade interfere na avaliação das políticas públicas. Se positiva, desarma os espíritos para uma avaliação mais equilibrada dos resultados da gestão. Quando negativa, predispõe desfavoravelmente os públicos para os resultados. Essa imagem pode mudar significativamente ao longo do tempo, a depender das disputas políticas e econômicas em curso. E essas variações não têm, necessariamente, relação com o desempenho objetivo da autoridade frente às políticas públicas.  

A diferença entre as duas posturas pode ser vista quando há ataques a autoridades, tendo por pano de fundo fatos anteriores ao exercício do cargo. Nessas situações, observa-se uma defesa de caráter mais pessoal da pessoa atacada, muitas vezes com uso de assessorias externas, sem proeminência da estrutura de comunicação do órgão.

O olho da opinião pública

E como a sociedade vê esse embate? O cidadão sabe separar a imagem da instituição pública do governador, do ministro, do secretário. “Acho difícil fazer essa mistura. As pessoas entendem a atuação como transitória. Notícias negativas contra determinada pessoa ligada ao governo, nem sempre migram para a instituição. Quanto melhor a reputação da instituição, quanto mais credibilidade na mídia e na sociedade, mais difícil confundir essa reputação institucional com a do titular. A opinião pública consegue segregar essas informações”, diz um assessor.

A aparente dificuldade ou constrangimento de trabalhar com políticos também não seria um problema. “Nunca vi um ministro político como obstáculo para um bom trabalho de assessoria de imprensa. Às vezes é até mais fácil, porque o político tem uma noção maior da necessidade de se comunicar bem com a população”, diz Eliana de Araujo.

“Não é raro as assessorias de governo conseguirem informações mais rapidamente com os ministros do que com os técnicos que veem a comunicação como a última prioridade. Muitas vezes matérias negativas para o governo acabam sendo veiculadas pela dificuldade de as assessorias obterem as informações técnicas a tempo de responder aos veículos de comunicação”, conclui.

Viver sob os holofotes

Vale a pena trabalhar sob permanente vigilância, risco e até crises? Segundo a maioria dos assessores, não chega a ser um problema. Porque as crises são passageiras. Há um estado permanente de tensão, porque os grupos políticos se digladiam. É da natureza de entidade políticas. Quando alguém passa algum tempo sem crise, principalmente se essa pessoa está cotada para algum cargo ou recebendo elogios dos pares ou na imprensa, sinalizando uma ameaça política aos adversários, certamente vai aparecer alguma coisa na imprensa.

Então, o cenário é o mesmo. Permanente tensão. Muda somente a temática da crise. Nesse caso, existem duas situações. Uma, cuidar da imagem da autoridade. Outra, preservar a comunicação institucional daquela repartição. O assessor profissional, disposto a fazer um trabalho sério, preocupado com a reputação da organização, procura fazer esse equilíbrio. Para isso, valem muito o bom senso e a experiência.

Nesse caso, não adianta tirar o corpo fora e fingir não ser com ele. Quem está lá é para trabalhar, na calmaria ou nos momentos tumultuados. Para isso, o melhor é ter um plano previamente pronto, uma estratégia delineada no começo da gestão. E um amplo conhecimento do assessorado e do órgão público onde irá atuar. Isso evita muitos dissabores futuros e preserva muitas carreiras.

Existe desgaste nessa relação? Pode haver. “Acho o desgaste inevitável se não houver profissionalismo e digo referindo-me à imprensa também, porque se o assessor enfrentar a publicação de informações ouvidas de terceiros, sem nenhuma comprovação e negada pela autoridade, é muito provável o desgaste entre as partes envolvidas”, admite um experiente assessor.

Risco de imagem

As crises de reputação representam um perigo não apenas para o envolvido. Há sempre o risco de contaminação da imagem da instituição, que precisa ser administrado. Nessa hora se distingue quem é profissional e quem está lá atendendo agendas pessoais, comprometido pessoalmente com o assessorado. Quando o assessor faz a escolha errada, sempre existe o perigo de os dois morrerem abraçados. Nesse particular, muitas vezes, se distingue a atuação profissional dos franco-atiradores, os caçadores de vagas na Esplanada. Apareceu o vendaval, eles se escondem.

O contrário também pode acontecer. Os fatos negativos ou suspeitas têm mais a ver com a organização do que com a autoridade. Ou seja, a reputação da instituição está ameaçada. O bom gestor sabe o que fazer nessa hora, se realmente estiver comprometido em preservar a imagem dessa instituição. Em última instância, a reputação institucional deve sempre ser preservada.

As soluções nem sempre são simples ou fáceis, porque os governos são lentos para tomar decisões. Muitas vezes o titular, presidente da empresa ou ministro, não tem autonomia para demitir, afastar ou punir. Sequer para apurar.

Depende de articulações políticas, do humor ou do cacife de quem indicou. Ou da indicação de um substituto. São decisões que envolvem muitos interesses políticos e demoram a ser tomadas. Mexer em certos vespeiros, poderia não ser conveniente para o momento político. Bem, nesses casos, se a disposição for esclarecer, o assessor profissional vai passar muito trabalho.

Como fazer, quando a pressão chega a seu nível máximo? No ano passado, houve uma sequência de demissões no governo Dilma. Na maior parte dos casos, começaram com denúncias veiculadas pela mídia. As primeiras reações dos denunciados foram, muitas vezes, frágeis e emocionais. Todos, invariavelmente, negaram tudo. Negar acusações não chega a ser uma novidade em Brasília.

No entendimento de profissional experiente em crises de governo, a transparência, o esclarecimento aberto e proativo, são as melhores formas de se enfrentar uma crise de reputação, sabendo-se que nunca se voltará ao ponto de origem. Salvo raríssimas exceções, no máximo, se conseguirá  minimizar o dano sofrido. A superação do dano terá que ser obtida com outras ações futuras.

Assessores experientes recomendam orientar a autoridade a apresentar todos os dados e provas possíveis em cada caso. Quando é apenas a palavra de uma fonte anônima, sem qualquer comprovação, é um problema a mais, e publicar ou não, vai depender do grau de responsabilidade do jornalista. 

“Já vimos casos de reputações destruídas pela mídia e anos depois o jornalista confessar que errou, sem que houvesse nenhuma punição. Isso também não é aceitável numa democracia”, diz Eliana de Araujo.

Outro aspecto importante sobre a origem dos petardos. “Se você não responde adequadamente a uma acusação séria levantada por um veículo pequeno, no futuro algum veículo de peso pode resgatar essa informação – em outro contexto que justifique a pesquisa - e dar outra conotação com graves prejuízos”, adverte um assessor de comunicação do governo.  

Portanto, hoje a reação deve ser dada pela gravidade do que se comenta, e não pelo poder de fogo de quem faz o comentário. Jornal envelhecia no dia seguinte. Na  internet, a notícia é escrita em diamante, é para sempre, admite. Do mesmo modo, no passado, o prazo para resposta, para arrumar uma versão podia levar dias. Até semanas. Hoje, com a velocidade da informação, não há mais essa possibilidade. A Internet e as redes sociais mudaram o curso do tempo.

E por que esse interesse permanente da mídia pela vida das pessoas públicas? No Brasil, segundo assessor ligado à Secom, o governo federal está hoje mais transparente, isso gera mais informação, pressão. A presença e o interesse da sociedade nos projetos gera cobrança, e isso é bom.

É sintomático que nos períodos de regime fechado, como aconteceu no Brasil a partir de 1964 e até o início da década de 80, os escândalos e denúncias saíram de cena, a não ser casos isolados. A amplitude da divulgação também é fruto das democracias liberais, em que o confronto político se exacerba, com mais atores participando do processo, além do valor que a reputação passa a adquirir num ambiente de plena abertura política.

Tudo isso somado, com a visibilidade dos meios de comunicação, podemos dizer que hoje não há reputação que resista por muito tempo, se estiver trincada.

 "Muitas decisões de afastamento de autoridades são consequência do clima político e não por comprovação de culpa. A comunicação tem o papel de dar transparência, dar acesso e informar a posição da organização e dos dirigentes e a imprensa deve apurar e dar as diferentes versões. Mas o julgamento é dos tribunais, dos órgãos fiscalizadores e, claro, da sociedade", diz Jorge Duarte.

A produção da notícia

No entendimento de Marcone Gonçalves, “as denúncias da imprensa estão, quase sempre, muito perto da verdade, pois elas não são feitas pela imprensa – um canal de denúncias – mas por grupos e pessoas.

Como em comunicação importa mais o que as pessoas entendem do que aquilo que elas querem dizer, ele admite não haver uma regra uniforme de ação. “Há um conjunto de fatores a considerar: a sequência da agenda do assessorado, as informações disponíveis, quem alimenta as denúncias, a estratégia de comunicação junto a uma rede de apoio e uma análise muito cuidadosa da imagem dele por meio de uma auditoria, um recurso que pouquíssimos profissionais são capazes de oferecer”.

Nessa hora, sobressai o profissionalismo de uma assessoria. Se o assessor entende estar lá para concordar com tudo que o assessorado pensa, não vai ajudar muito. Assessor competente conhece a missão e diz claramente o que deve ser feito de forma isenta. Embora a decisão final caiba sempre ao assessorado, a assessoria pode ou não concordar com essa postura. Se não concordar, deve dizer. E trabalhar para o assessorado seguir o melhor caminho.

Na prática, não é fácil agir assim. Existem inúmeros interesses nas indicações para cargos em Brasília. Em muitos casos, os assessorados, não confiando nos profissionais que o rodeiam, contratam empresas de comunicação do mercado. Ajuda? Em muitos casos, sim. Mas nenhuma empresa, e tampouco o melhor profissional do mercado, tem o condão de fazer milagres.

Se as notícias negativas são inconsistentes, uma boa assessoria consegue amenizar e até neutralizar. Desde que atue com transparência e rapidez. Assim como mentira de um lado não se sustenta por muito tempo, com os meios atuais, não há reportagens inconsistentes que resistam.

Se a denúncia procede, como tem acontecido em alguns casos ocorridos recentemente, a única saída é esclarecer o que for possível, com toda a transparência. 60% dos interlocutores acreditam que as fontes mentem numa situação de crise. Porta-vozes de crise, portanto, já começam com um índice alto de desconfiança.

A premissa seria: ao explicar uma crise, o interlocutor está omitindo alguma coisa. Isso toma uma dimensão maior, quando a denúncia é grave. Mas em todos os casos vale o conselho do jornalista Dick Morris, autor de “El Nuevo Tempo”, “Não há como ganhar, na cobertura de um escândalo. A única maneira de sair vivo é falar a verdade, aguentar o tranco e avançar”.

Com vasta experiência na imprensa dos EUA, Morris lembra que, quando ela abre um escândalo, tem munição guardada para os próximos dias. Os editores fatiam a matéria, pedaço a pedaço, para a cada dia ter uma nova revelação. De nada adianta querer suturar o escândalo com uma negação reativa, pois virão outras logo depois, desmoralizando a defesa. E outros veículos entram com fatos novos, para desmentir. Naturalmente, fala-se aqui de casos mal explicados, aqueles em que “o passado me condena”.

Para Morris, a chave é não mentir. O dano de mentir é mortal. “Uma mentira leva à outra, e o que era uma incomodidade passa a ser obstrução criminal à Justiça.” A força de um escândalo é a sua importância política. As pessoas perdoam muito mais aqueles fatos sem relação com o ato de governar. E ir acompanhando a reação do público. “Se os eleitores se mostram verdadeiramente escandalizados com o que se diz que ele fez, é melhor que não tenha feito. Roubar dinheiro quase sempre não se perdoa.”

A era das redes sociais

Hoje, o grande desafio das áreas de comunicação é a rapidez e agilidade das informações. Com o jornalismo online e as redes sociais, as áreas precisam estar sempre em prontidão, as intervenções devem ser cada vez mais rápidas para poder reverter o quadro de crise que às vezes pipoca em segundos, e demora cerca de meia hora, uma hora. Um vídeo de um freelancer ou uma foto enviada pelo celular pode causar tanto estrago quanto uma divulgação em telejornal de circulação nacional.

“Se você não estiver preparado para neutralizar esses bombardeios, o tema pode virar uma crise. Se você for eficiente, acaba ali mesmo. Para isso é preciso ter autonomia, iniciativa e coragem também”, conclui um experiente assessor.

Quando se trata de reputação, a resposta não comporta rodeios e espera. É preciso ser ágil, rápido e claro. Prática um tanto quanto incompatível com os governos. Por natureza, eles são burocráticos, hierarquizados e medrosos. O que representa um grande risco para quem trabalha com reputação.

A defesa da reputação não combina com meias-palavras. Tem que ser definitiva. Se analisarmos os casos mais recentes de implosão de reputações em Brasília, veremos respostas, na maior parte das vezes, evasivas, inconsistentes e demoradas. Uma receita, portanto, de como não conduzir uma crise de reputação.

Relação de tapas e beijos

A crítica de que a imprensa tem predisposição contra governos de modo geral, ou de que parte da imprensa não simpatiza com o atual grupo detentor do poder no Brasil, não encontra respaldo na maioria dos assessores. Mesma coisa se ouvia em governos anteriores. Quem está no poder, não gosta de ser criticado. Tem mania de perseguição e acha que sempre está com a razão.

O problema seria mais de competência e de “folha corrida” do que de ideologia. “Não vejo pré-disposição, nem preconceito, nem a tentativa da esquerda ou da direita dominarem o universo. O que ocorre é uma incapacidade dos profissionais – por razões materiais, de formação e de mercado -  de tratar as pautas de forma mais aprofundada”, garante um coordenador de comunicação, em Brasília.

“Isso exigiria, por parte das assessorias, uma capacidade de resposta mais profissional do que a oferecida hoje. Por isso, as assessorias trabalham sem ter a menor noção do que faz um fato se tornar notícia e como ela é produzida pela mídia, um critério elementar para atuação minimamente segura”, diz ele.

“Hoje, vivemos uma situação em que repórteres apuram informações que não conseguem entender junto a fontes desqualificadas (inclusive em pesquisas rasteiras pela internet) a fim de elaborar matérias que serão consumidas por pessoas com grande dificuldade de leitura. É um processo de orkutização da mídia que resulta em cobertura ideológica de assuntos policiais, em cobertura policial de assuntos políticos e, caso mais grave, de extrema economia de jornalismo no caso do jornalismo econômico”, afirma outro.

Para Inácio Muzzi, “Em qualquer área de cobertura da imprensa, o negativo é prioritário. O positivo deve ser a regra e, portanto, não é notícia. Faz parte do exercício do poder a observância do comportamento moral admitido como aceitável pela opinião pública. A reputação moral e profissional é produto corrente nas campanhas eleitorais e, portanto, é pauta obrigatória da imprensa que cobre a política”.

Experientes profissionais, que transitaram por várias repartições públicas em Brasília, dizem que “em geral, os esclarecimentos não mudam a versão inicial das denúncias. Ouvir o outro lado, em geral, é apenas o cumprimento de um requisito formal, não uma ação em busca do genuíno esclarecimento por parte do repórter. Por isso, a resposta raramente modifica o lead de uma matéria, já previamente concebida. No máximo, ela será publicada em um “box” ou inserida no pé do texto, mostrando o “outro lado”.

Para Eliana de Araujo, essa predisposição para pautas negativas, quando se trata de autoridades públicas, é uma prerrogativa da mídia, em geral, brasileira ou não. Os governos são sempre vistos com desconfiança, exceto por alguns veículos engajados politicamente em que a orientação é bastante clara”.  

O maniqueísmo histórico da imprensa é um consenso entre os assessores. Admitem haver, em geral, uma predisposição contra governos, por parte da mídia. Muitas críticas feitas contra Lula, hoje repetidas em relação à Dilma, foram feitas contra FHC (especialmente após a desvalorização cambial de 1988, que afetou pessoalmente os jornalistas, como membros da classe). O viés varia entre veículos e entre profissionais dentro dos veículos. 

Essa predisposição da imprensa em relação aos governos, no Brasil, teria até raízes históricas, asseguram. Durante a Ditadura Militar, havia um alinhamento da mídia - ou dos jornalistas - contra o regime, e valia tudo para se obter o desgaste do “inimigo”. No fim da década de 80, o quadro começava a mudar, quando surgiu o caso Collor. Voltou-se à luta de todos contra o “mal maior”.

Collor representava aquilo que os jornalistas sempre condenaram. E, reconheçam ou não os profissionais da área, houve um alinhamento de grande parte da categoria com a candidatura Lula, na ocasião. Isso fez com que uma nova geração de jornalistas, formada longe do maniqueísmo da luta contra a ditadura, voltasse a ser bafejada por outro tipo de maniqueísmo, para nunca mais dele sair.  

Mas, além da questão temporal, uma certa postura niilista e cínica sempre esteve no DNA da profissão, que aceita como naturais essas expressões: “Se o cachorro morde o homem, não é notícia, mas se o homem morde o cachorro, é notícia”; “notícia é aquilo que se quer esconder, o resto é armazém de secos e molhados”, ou “o resto é propaganda”. De resto, essa é uma questão polêmica que permeia todos os Media Training de autoridades públicas em Brasília.

A surdez da mídia 

E quando as notícias negativas são improcedentes? Uma crítica recorrente à imprensa é ela se outorgar o poder de apurar, julgar e, muitas vezes, condenar. Não daria margem ao contraditório. Como diz um jornalista americano, “as denúncias saem aos gritos, mas as respostas saem aos sussurros”. Quando saem.

Quando a denúncia não procede, é preciso montar uma estratégia de informação capaz de abastecer, de imediato, diferentes canais em um tempo similar ou mais curto do que aquele das denúncias.  A capacidade  de reunir dados, segmentá-los, identificar fontes, provocar outros porta-vozes e movimentar a mídia com uma agenda adequada para a situação é crucial nesse momento. A contrainformação, pura e simples, ainda que apoiada em fatos verdadeiros, aparece apenas como um argumento falacioso.

Há um clamor generalizado das fontes públicas, principalmente, quanto à divulgação precipitada de fatos negativos. E não é exclusividade da mídia brasileira. Acusação ou suspeita, tornada pública, causa um dano difícil de reparar, a curto prazo, independentemente da veracidade da notícia. O máximo que se conseguirá, será minimizar os danos. Reputação é um ativo muito frágil. 

Para Eliana Araujo, “sempre há um grande desgaste, principalmente quando a denúncia não procede, a autoridade nega com veemência, traz documentos comprobatórios e, ainda assim, a matéria é publicada”. Neste caso, só resta à autoridade procurar reparação na Justiça. A relação nunca voltará a ser a mesma e haverá um distanciamento por um período que pode ser curto ou longo, dependendo do perfil da autoridade.

É importante, pois, toda questão relevante ser esclarecida além do veículo original da denúncia, para que fique registrada no “éter”, para pesquisas futuras de qualquer cidadão. O registro do posicionamento, não importa se publicada ou não, tem muitos aspectos positivos que vão da satisfação ao público interno, até o esfriamento da notícia. Se a matéria contém erros intencionais ou por deficiência na apuração, a correção expõe o repórter. Matéria errada ou equivocada não pode passar em branco. E serve para futuras ações judiciais, se for o caso.

A transparência nesse caso é de um valor inestimável. Quem cumpre a missão de maneira correta, não tem nada a esconder. Não há, portanto, porque evitar a exposição ou temer a publicação de qualquer fato. Relação transparente com a imprensa e atuação profissional baseada na ética e no respeito às expectativas do contribuinte ainda permanecem como o grande ativo tanto de autoridades, quanto de celebridades ou do mais humilde servidor na defesa de própria reputação.

*Jornalista, Consultor de Comunicação. Editor do site www.comunicacaoecrise.com.

Este artigo foi publicado originalmente no Anuário Brasileiro de Comunicação Corporativa 2012, editado pela Mega Brasil Comunicação.

 

 

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