No Brasil, se ocorresse uma pesquisa, mesmo para quem não é do ramo, sobre a pior crise corporativa de 2019, certamente a indicação recairia sobre a mineradora Vale. Nenhuma crise, por mais deletéria e mortal que tenha sido, como o incêndio no CT Ninho do Urubu, do Flamengo, em fevereiro, que matou 10 adolescentes e feriu outros três; nem mesmo a Escola Professor Raul Brasil, em Suzano-SP, que sofreu um ataque de dois alunos com arma de fogo, resultando na morte de 5 estudantes e 2 funcionários, além de ter causado ferimentos em outros, nenhum desses dois lamentáveis acontecimentos superaria a grave crise que atingiu a mineradora Vale, em janeiro de 2019.
E crise não foi o que faktou em 2019. Assistimos à continuação da crise de governança da Construtora Odebrecht, rescaldos ainda da crise da Petrobrás, a Avianca fechou as operações no Brasil, enfim, nenhuma dessas crises superou, pela quantidade de vítimas e o efeito destruidor no meio ambiente, o acidente da Vale.
O rompimento da barragem de Brumadinho-MG supera qualquer outro acidente ocorrido em 2019, no Brasil. E se coloca como das mais letais em termos de perdas de vidas, na história do País. 259 pessoas morreram, em decorrência do rompimento da barragem do Córrego do Feijão. Pouco depois do meio dia, a avalanche de lama que rompeu da barragem destruiu alojamentos, levou veículos, casas, galpões, plantações, estrada, linha férrea, ponte e diversas casas dos moradores que residiam à jusante da barragem.
As águas do rio Paraopebas foram atingidas pelo tsunami de rejeitos, tornando-se impróprias para consumo e contaminando riachos e córregos, rio abaixo. A Vale se defende, que não poderia prever uma tragédia dessa magnitude, porque os laudos da empresa TUV Sud (indiciada pelo MP no inquérito) garantiam a segurança, versão esta que o MP e a polícia colocam em dúvidas. O fato é que 13 funcionários da Vale e da TUV Sud estão indiciados por falsidade ideológica e uso de documentos falsos, sem falar em outras acusações que poderão vir. Depoimentos confirmam que havia sinais de deterioração do muro de contenção dos rejeitos, que não foram levados em conta nos laudos apresentados.
Sob qualquer ângulo que se analise essa crise, é o acidente industrial mais grave acontecido com uma empresa no Brasil, em 2019 e um dos maiores da história. A Vale perdeu valor de mercado, ficou com a reputação abalada e precisará despender bilhões de reais para indenizar centenas de pessoas atingidas de forma direta ou indireta pelo rompimento. Não vai ser uma crise simples de terminar, por causa da quantidade de fatos e pessoas envolvidos. Até hoje, quase um ano depois, a cidade de Brumadinho e arredores vivem em função do acidente. Muitas pessoas perderam tudo e até agora só receberam uma espécie de mesada entregue pela Vale, independentemente das indenizações.
A mineradora adiantou a cada família que perdeu parentes R$ 100 mil e a partir de R$ 50 mil para quem teve o próprio imóvel atingido, prometendo não considerar esse valor para descontar em futuras indenizações. Em 2019, acordo entre a Vale e MPT acertou o pagamento de R$ 700 mil para cada familiar (pai, mãe, cônjuge ou filho) de vítima fatal do rompimento da barragem. Irmãos receberão R$ 150 mil por dano moral. As famílias dos empregados mortos receberão pensão mensal, até os 75 anos da vítima, bem como auxílio-creche, salário educação, etc. conforme a idade dos dependentes.
Por que a Boeing não consegue decolar o 737 MAX
A mídia internacional já adiantava, antes do fim do ano, que dificilmente uma empresa tivesse uma crise pior do que a Boeing, em 2019. Após dois acidentes com aviões da Lion Air e da Ethiopian Airlines (em 2018 e 2019), que mataram 346 pessoas, vários países começaram a proibir o voo do 737 Max da Boeing, obrigando as empresas proprietárias ou locatárias a manter os aviões em terra. O colapso veio com a proibição da FAA (Federal Aviation Administration) americana de liberar esse modelo, que até hoje continua parado. Então, as autoridades de transporte aéreo em todo o mundo também determinaram o “encosto” do avião.
Desde então, a Boeing trabalha para consertar o software de controle de voo do 737 MAX, que supostamente teve um papel importante nos acidentes. O último acidente foi em março de 2019, na Etiópia, mas a crise permanece sem solução. As crises mais prejudiciais são aquelas em que você permanece preso sem uma resolução clara - pense na Malaysia Airlines quando as notícias da TV a cabo cobriram o voo 370 desaparecido por meses a fio. A Boeing encontra-se em uma situação semelhante, pois não está claro quando seus aviões 737 Max poderão receber a luz verde para voar novamente. E, se voarem, como o mercado reagirá?
Enquanto isso, a mídia escreve histórias da barra lateral sobre o histórico de reclamações de qualidade nas instalações que produzem o 737 Max e se os passageiros confiam no avião quando ele retornar. Empregados da empresa vazaram informações de que a Boeing sabia dos problemas no avião, mas, pela pressa em colocá-lo no mercado, confiou em que os treinamentos corrigiriam eventuais falhas. Além disso, a empresa demorou em reconhecer que os acidentes, a começar pelo primeiro, em novembro de 2018, haviam sido causados por uma falha do equipamento. Nem os pilotos consertaram, nem a empresa resolveu.
O desgaste reputacional da Boeing – que afetou o valor de mercado da empresa, até porque os prejuízos são incalculáveis - não foi superado por outra empresa em 2019, embora muitas tenham enfrentado crises corporativas graves. O desastre da Boeing não é só econômico e empresarial, é um fracasso de PR. A Boeing permitiu que outras pessoas contassem a história sobre o que poderia estar acontecendo com seus aviões e, com isso, acabou perdendo confiança e credibilidade. A empresa parece estar se esquivando, em vez de reconhecer, seu papel nessa situação devastadora. Pouco fica se sabendo sobre o que acontecerá.
As duas cias aéreas que enfrentaram desastres com o 737 MAX - Ethiopean Airlines e Lion Air - são duas empresas que também experimentaram o pior momento de uma corporação entre 2018 e 2019. Houve uma série de crises durante o ano em vários países, principalmente atentados fatais, que vitimaram dezenas de pessoas. Muitos deles, difícil de prever, pela forma inusitada e sorrateira com que os “lobos solitários” atacam. A Boeing tem uma marca forte, mas, mesmo corporações sólidas como a gigante americana, com sede num país capitalista que valoriza a livre iniciativa, a qualidade e a criatividade, podem levar anos para se recuperar de uma crise dessa magnitude.
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