Brumadinho-MG. 25/01/19. Três anos depois, a repetição da tragédia da Samarco chegou como se fosse uma lava de vulcão, arrastando e matando mais de 200 pessoas, em poucos minutos.
Passados três anos da tragédia da Mineradora Samarco, que arrasou povoados de Mariana, após o rompimento da barragem de Bento Rodrigues, deixando um mar de lama, um grande rio poluído e 19 mortos, ninguém, nem a mineradora Vale, poderia supor a repetição desse pesadelo. Mas aconteceu. E com dimensão pior do que aquela que envolveu a mineradora Samarco, principalmente pelo número de vítimas fatais.
Nesta sexta-feira, 25 de janeiro, logo depois do meio dia, a barragem de rejeitos da mina Feijão, da Mineradora Vale, se rompeu, atingindo a área administrativa da empresa e a comunidade da Vila Ferteco. Ao romper a barragem, com 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos, parecia uma gravação da tragédia anterior da Samarco. Outro mar de lama desceu a encosta, levando tudo de roldão: centenas de empregados da Vale, moradores, animais, casas, plantações e até uma ponte da via férrea. As dimensões dessa catástrofe ainda estão sendo avaliadas, mas não há dúvidas de que será uma grande tragédia humana e ambiental, com mais de 200 mortos (até sábado, dia 2 de fevereiro já se contabilizavam 121 mortos e dezenas de desaparecidos). Mesmo sem confirmação do número de mortos, Brumadinho se transforma numa das maiores tragédias humanas da história do Brasil.
Muito vai ser escrito sobre essa grave crise que novamente atinge a mineradora Vale. Ela é sócia (50%) da mineradora Samarco, junto com a britânica BHP, e responsável, portanto, por grande parte do passivo do desastre de Mariana, em 2015. Lá, além o rompimento da barragem causou 19 mortes e poluiu toda a flora e fauna no leito do rio Doce, até o Espírito Santo.
Desta vez, mais do que em 2015, a empresa tem procurado cumprir todos os procedimentos recomendados em crises dessa dimensão. Imediatamente após a tragédia, a Vale divulgou Nota (veja abaixo) e o presidente gravou um vídeo, lamentando o triste acontecimento. E mergulhou na gestão da crise.
Em seguida, o presidente deu uma coletiva de imprensa, onde respondeu a todas as perguntas, esquivando-se daquilo que não podia responder, por não saber ainda o que aconteceu. Mas não se escondeu, deslocando-se imediatamente para o local da tragédia. O governo federal, por sua vez, também diferentemente do que aconteceu em 2015, se fez presente por meio de vários ministros que se deslocaram para participar do Comitê de Crise; e o presidente da República foi verificar in loco a tragédia, no dia seguinte.
Moradores de Brumadinho, maioria das pessoas que moravam no trajeto do mar de lama e conseguiram escapar com vida, reclamam que não houve qualquer alerta com relação ao rompimento da barragem. Muitos conseguiram fazer os primeiros socorros a parentes e vizinhos. Havia pousadas no caminho da lama que foram soterradas, bem como os bombeiros acharam um ônibus da Vale soterrado na lama, com vítimas fatais.
O que faz a Vale
Um grande contingente de empregados da Vale foi deslocado para o local do rompimento, onde foi montado três locais para atendimento das pessoas atingidas pelo acidente. Além disso, colocou ambulâncias e helicóptero à disposição, coordenando os trabalhos de apoio aos parentes dos empregados. No dia seguinte à tragédia, a Vale calculava que mais de 200 empregados estariam no prédio da administração ou no caminho da lama que desceu a encosta, o que leva a supor um grande número de vítimas, talvez um dos maiores acidentes corporativos na área da mineração no mundo.
Ainda é cedo para especular o que aconteceu. A própria empresa e as autoridades estão sem saber uma resposta, porque a barragem que desabou estava há três anos desativada e teria passado por vistoria em setembro de 2018, conforme laudo apresentado. “A barragem passava por inspeções de campo quinzenais, todas reportadas à ANM (Agência Nacional de Mineração) através do SIGBM (Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração)”, diz uma das Notas divulgadas pela empresa com o histórico da fiscalização dessa barragem. (Veja abaixo, com o histórico das vistorias).
O que aconteceu em Brumadinho ainda está sendo apurado. Mas sob qualquer aspecto que analisemos essa crise, pela dimensão humana, é uma tragédia semelhante a que atingiu o Rio de Janeiro, em janeiro de 2011, no pior desastre natural do país: 918 mortes, 166 desaparecidos, sete mil pessoas desabrigadas, em temporais e grande enxurrada que causaram desabamentos de encostas, destruindo casas e arrasando diversas regiões do estado.
O Brasil começa mal 2019. Como diz o embaixador Rubens Ricupero, a tragédia de Mariana, o incêndio do Museu Nacional e agora esta tragédia de Brumadinho são extremamente deletérios para a imagem do País no exterior. Não deveria ter acontecido, é o que dizem as autoridades e a opinião pública. Para as pessoas atingidas, com a morte de parentes ou a perda de tudo o que possuíam, convém ouvir o que disse uma mãe que conseguiu salvar uma filha, mas não sabe o que aconteceu com a outra, nem com demais parentes, no meio do caos em que se transformou sua casa e seu sítio: “Eu perdi tudo, estou sem saber o que fazer, eles não vão conseguir me devolver tudo que eu perdi, nunca mais. Acabou.”
Notas divulgadas pela Vale
1ª Nota
25/01/19
Vale informa sobre rompimento de barragem em Brumadinho, Minas Gerais
A Vale informa que ocorreu, no início da tarde de hoje, o rompimento de uma barragem na Mina Feijão, em Brumadinho (MG). As primeira informações indicam que os rejeitos atingiram a área administrativa da companhia e parte da comunidade da Vila Ferteco. Ainda não há confirmação se há feridos no local. A Vale acionou o Corpo de Bombeiros e ativou o seu Plano de Atendimento a Emergências para Barragens.
A prioridade total da Vale, neste momento, é preservar e proteger a vida de empregados e de integrantes da comunidade.
A companhia vai continuar fornecendo informações assim que confirmadas.
4ª Nota
25/01/2019
Esclarecimentos sobre a Barragem I da Mina de Córrego do Feijão
A Barragem I da Mina Córrego do Feijão tinha como finalidade a disposição de rejeitos provenientes da produção e ficava situada em Brumadinho (MG). A mesma estava inativa (não recebia rejeitos), não tinha a presença de lago e não existia nenhum outro tipo de atividade operacional em andamento. No momento, encontrava-se em desenvolvimento o projeto de descomissionamento da mesma.
A barragem foi construída em 1976, pela Ferteco Mineração (adquirida pela Vale em 27 de Abril de 2001), pelo método de alteamento a montante. A altura da barragem era de 86 metros, o comprimento da crista de 720 metros. Os rejeitos dispostos ocupavam uma área de 249,5 mil m2 e o volume disposto era de 11,7 milhões de m3.
A Barragem I possuía Declarações de Condição de Estabilidade emitidas pela empresa TUV SUD do Brasil, empresa internacional especializada em Geotecnia. As Declarações de Condição de Estabilidade foram emitidas em 13/06/18 e em 26/09/18, referentes aos processos de Revisão Periódica de Segurança de Barragens e Inspeção Regular de Segurança de Barragens, respectivamente, conforme determina a portaria DNPM 70.389/2017. A barragem possuía Fator de Segurança de acordo com as boas práticas mundiais e acima da referência da Norma Brasileira. Ambas as declarações de estabilidade mencionadas atestam a segurança física e hidráulica da barragem.
A Barragem passava por inspeções de campo quinzenais, todas reportadas à ANM (Agência Nacional de Mineração) através do SIGBM (Sistema Integrado de Gestão de Segurança de Barragens de Mineração). Sendo que a última inspeção cadastrada no sistema da ANM foi executada em 21/12/18. Adicionalmente, a mesma passou por inspeções em 08/01/19 e 22/01/19, com registro no sistema de monitoramento da Vale. O cadastramento da inspeção na ANM, conforme legislação, deve ser executado até o final da quinzena seguinte. Todas estas inspeções não detectaram nenhuma alteração no estado de conservação da estrutura.
A Barragem possuía 94 piezômetros e 41 INAs (Indicador de Nível D´Água) para seu monitoramento. As informações dos instrumentos eram coletadas periodicamente e todos os seus dados analisados pelos geotécnicos responsáveis pela barragem. Dos 94 piezômetros, 46 eram automatizados.
A Barragem possuía PAEBM (Plano de Ações Emergenciais de Barragem de Mineração), conforme determina portaria DNPM 70.389/2017. O mesmo foi protocolado nas Defesas Civis Federal, Estadual e Municipal, entre os meses de junho e setembro de 2018. O PAEBM foi construído com base em um estudo de ruptura hipotética, que definiu a mancha de inundação. Além disso, a barragem possuía sistema de vídeo monitoramento, sistema de alerta através de sirenes (todas testadas) e cadastramento da população à jusante. Também foi realizado o simulado externo de emergência em 16/06/2018, sob coordenação das Defesas Civis, com o total apoio da Vale, e o treinamento interno com os funcionários em 23/10/18.
Diante de todos os pontos descritos acima, estamos ainda buscando respostas para o ocorrido.
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