Ministerio da PrevidenciaO desvio bilionário de recursos dos aposentados, por descontos não autorizados nos salários, geridos por sindicatos, entidades associativas de aposentados, e até funcionários públicos ligados ao Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), é um dos maiores escândalos financeiros na área pública do país, nos últimos anos. O assalto aos salários dos aposentados evidencia a dificuldade dos órgãos públicos em geral, de fazerem uma gestão correta dos recursos públicos. Essa fraude escancara também a inépcia dos gestores em usar mecanismos de controle, que impedissem que organizações criminosas utilizassem métodos excusos para ingressar no sistema de pagamentos do INSS.

O escândalo do INSS é o tipo de crise que, pela quantidade dos envolvidos -- funcionários públicos, “laranjas”, empresas de fachada, por meio de sindicatos e entidades (algumas fantasmas) que facilitaram a fraude, ainda não pôde ser dimensionado, na sua totalidade. Quanto mais se aprofundam as investigações, essa crise se torna maior. Tanto em valores desviados e nos beneficiários da fraude, quanto no número das aposentados prejudicados, vítimas da quadrilha.

A dimensão dos desvios no salário dos aposentados é tão grande que o governo até agora não conseguiu confirmar o montante real dos valores fraudados. Nem como vai ressarcir os valores descontados das contas das vítimas da fraude. Presume o Ministério da Previdência que em cinco anos os desvios tenham chegado a R$ 6,3 bilhões. Valor esse que é apenas uma projeção que envolve uma população de quatro milhões de aposentados.

Operação da PF

A deflagração da Operação Sem Desconto (1), em 23 de abril, trouxe a público o esquema de fraudes bilionárias nas contas dos aposentados do INSS. A apuração conjunta da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União desencadeou uma crise no governo, que culminou na demissão do ex-presidente do instituto e, em seguida, do ministro da Previdência Social, Carlos Lupi. A oposição aproveitou essa crise para colocar o governo Lula nas cordas, diante de um fato negativo de grande apelo popular. Foi o suficiente para, na Câmara dos Deputados, 185 parlamentares assinarem requerimento para instituir uma Comissão Parlamentar de Inquérito-CPI para apurar o envolvimento de entidades sindicais nessa fraude. Ao mesmo tempo, políticos da oposição não pouparam críticas ao governo Lula pela fraude, utilizando as redes sociais, principalmente, porque foi a partir de 2023 que se multiplicaram os descontos irregulares na folha de pagamento dos aposentados.

Nem a PF, nem a CGU dão como terminada a operação de devassa nessa prática, que vem ocorrendo há quase seis anos. O ex-ministro da Previdência Social, Carlos Lupi foi informado em junho de 2023 sobre as fraudes. E não ficou claro que providências ele tomou, porque as suas alegações não foram objetivas a respeito dos desvios. O fato é que a cada dia, fatos novos aparecem, ao se descobrir mais associações e servidores públicos envolvidos, num cipoal de malfeitos que surpreende até quem está acostumado a apurar fraudes. Até funerárias apareceram na investigação da PF. Valores, repassados entre 2022 e 2024, algo em torno de R$ 36 milhões, serviriam para custear o enterro de 8.713 pessoas, 19 associados mortos por dia. Apenas para dar um exemplo.

Resposta do governo

O governo promete devolver os valores sacados, sem necessidade de recurso, no menor prazo possível. Uma verdadeira operação de guerra está sendo montada para estancar o enorme desgaste na atual gestão da previdência, não importa quando tenha começado a falcatrua. O governo está apressado em dar uma explicação aos aposentados. E a melhor resposta é anunciar uma forma sem burocracia de ressarcir os que foram lesados. Sem prejuízo do processo de apuração que precisa de uma devassa para identificar e punir os responsáveis.

Enquanto isso, a cada dia se descobre mais irregularidades, como se fossem cenas de uma série policial. A PF enquadrou 11 entidades por fraude no INSS, mas há mais 20 outras suspeitas. O fato é que 97,6% dos segurados ouvidos pela CGU e PF, durante as investigações, disseram não ter autorizado descontos em seus pagamentos; 1.273 beneficiários foram entrevistados. O cruzamento das informações, apuradas pela PF, mostram um troca-troca de vultosos recursos entre entidades fantasmas e mesmo entre pessoas envolvidas na fraude, numa verdadeira ciranda financeira com valores que deveriam estar na conta corrente dos aposentados.

A crise da comunicação

Para o jornalista e doutor em Comunicação Jorge Duarte, “mesmo em um país acostumado a escândalos com recursos públicos, o caso recente do INSS impressiona pela quantidade de pessoas afetadas, pelo volume financeiro envolvido e pela facilidade com que poderia ter sido evitado. Bastariam mecanismos básicos de controle, transparência ativa e respeito ao interesse público. O cidadão deveria saber, por óbvio, em qualquer situação e não apenas nesta que haveria desconto, por que, para quem, e ter como impedir com facilidade.”

“Esse episódio escancara uma falha estrutural: a comunicação. O Estado segue incapaz de estabelecer relações confiáveis com a população. Onde há vácuo de informação oficial, instala-se a desinformação, mina-se a confiança e florescem oportunismos. Não é só má-fé de terceiros: há omissão do Estado. Falhou a prestação do serviço, falhou a comunicação pública.” (2)

O cerco ao núcleo da fraude aumenta

Se alguém pensa que essa crise emergiu este ano, se engana. Em junho de 2024, o Tribunal de Contas da União (TCU) adotou medidas cautelares para proteger os beneficiários. Ficou determinado ao INSS que novos descontos de associações só poderiam ser feitos com assinatura eletrônica avançada e biometria, além do bloqueio automático para todos os novos descontos, tanto de empréstimos consignados, quanto de mensalidades associativas. Essas medidas determinadas pelo TCU estavam em plena vigência, uma vez que os recursos apresentados não tinham efeito suspensivo. E o que o ministério da Previdência e o INSS fizeram desde então? Muito pouco, ou nada.

Mas e os ‘criminosos’ que usaram entidades e sindicatos que serviram de incubadoras dos desvios dos valores sacados? “É importante que a gente consiga não só o bloqueio patrimonial, mas a quebra do sigilo fiscal e bancário dessas entidades e de seus dirigentes, para que seja viável o rastreio patrimonial de todo o recurso desviado”, diz Jorge Messias, Advogado-Geral da União. A AGU pediu o bloqueio de R$ 2,5 bilhões das associações para ressarcir os aposentados e pensionistas prejudicados pelos descontos indevidos. Segundo o ministro, a fraude do INSS revelou organização criminosa sofisticada, com agentes públicos e privados. Daí porque deve ser uma longa investigação.

Na pressa para amenizar os efeitos negativos na imagem e reputação do próprio governo, o INSS anunciou a devolução de R$ 292,7 milhões a aposentados entre 26 de maio e 6 de junho próximos, referentes a descontos indevidos de abril por sindicatos e associações. A devolução ocorrerá após bloqueio governamental e será depositada nas contas dos beneficiários. Não esquecer que esse valor representa apenas 4,5% do montante calculado de salários desviados para contas fantasmas.

Os culpados da fraude

Onde estavam os gestores do INSS, enquanto as quadrilhas faziam um verdadeiro festim com os recursos dos aposentados? Uma operação financeira desse tamanho não poderia acontecer, provavelmente, sem a conivência de servidores públicos com poder de decisão na estrutura do ministério. Entretanto, duas semanas antes da Operação da PF, o ex-presidente do instituto, Alessandro Stedanutto, enviou ofício ao Congresso Nacional, dizendo não haver indícios de fraude. Isso diz muito por que as associações de aposentados (muitas de fachada) encontraram facilidade para executar os atos ilícitos.

Uma pergunta que não quer calar. Será que nenhum aposentado reclamou de descontos sem autorização, no seu contracheque? Pode-se até admitir que pessoas vulneráveis, idosos e outros residindo no interior do país, sem acesso aos meios de comunicação modernos fossem enganados, sem perceberem. Mas certamente muitos aposentados devem ter questionado os descontos. Onde? No banco onde recebe. Qual o papel dos bancos, nesse caso, porque possivelmente vários aposentados devem ter recorrido ao seu gerente para reclamar. A Ouvidoria do INSS recebeu quase 5 mil reclamações e mais de 700 denúncias envolvendo descontos indevidos entre janeiro de 2024 e início de 2025. O Fórum Nacional das entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC) entrou com ação civil pública contra a União, INSS e associações e sindicatos investigados sobre os descontos. Entre os crimes que os investigados poderão responder, estão: corrupção ativa, passiva, violação de sigilo funcional, falsificação de documento, organização criminosa e lavagem de capitais.

As crises do governo

Para concluir com o cenário atual do escândalo, no governo, convém ouvir ou ler o comentário do jornalista Lauro Jardim, na Rádio CBN (3), acostumado há anos a cobrir os tropeços dos governos “No fundo está a maior confusão dentro do governo; um bate cabeça no que a gente pode chamar de “Operação Devolução”. O que não falta é indefinição em relação a esse dinheiro descontado sem autorização dos pensionistas e aposentados. Apesar disso, após muitas reuniões, 16 dias após a Operação da PF que revelou os esquemas e os desvios, o governo não sabe o que é mais importante até agora: quanto foi roubado? Estima-se em R$ 6 bilhões. Não sabe quando os lesados terão o dinheiro nas suas contas, dinheiro que foi surripiado. E não sabe de onde vai sair o dinheiro. Parte pode sair dos bens dos acusados, mas nem de longe esse valor alcança o que precisa ser devolvido aos aposentados. De onde tirar esse dinheiro todo? Ainda há divergências no governo sobre como e de onde sairá esse ressarcimento. E o governo precisa de uma resposta rápida, porque ele está sangrando; o desgaste junto à população é evidente.”

Segundo o jornalista, "essa crise está mostrando três deficiências do governo: um a crise de gestão – faltou controle interno, faltou ação para coibir esses roubos, porque o ministério sabia há dois anos, o que estava acontecendo. A segunda deficiência é política. Demorou a tirar o ministro da pasta e acabou colocando no cargo o segundo nome do ministério. E a terceira deficiência desse governo é a área de comunicação: novamente o governo não teve capacidade de reação de novo, como aconteceu na crise do PIX, e de novo tomou 7x1 da oposição.”

Ao fim e ao cabo, temos um governo diante de uma crise de dimensões incalculáveis que, não importa se começou antes de 2023, em outro governo. A fraude continuou e se agravou nos últimos dois anos. O fato é que os atuais governantes vão ter que explicá-la e administrá-la, com todos os ônus decorrentes desse esquema fraudulento que surrupiou parte dos salários dos aposentados. Em dois anos, o esquema não só não foi descoberto, ou foi abafado, como se aperfeiçoou, haja vista o volume de recursos desviados. Enfrentar o problema não se trata mais de um ato de gestão apenas, ou de polícia, é também um ato político, porque o universo das pessoas prejudicadas vai muito além dos descontos no próprio salário. É simplesmente o aparelhamento completo de uma autarquia que deveria primar pelo respeito aos direitos daqueles que passaram a vida trabalhando.

(1) A Operação Sem Desconto, deflagrada em 23 de abril de 2025, mobilizou 700 policiais federais e 80 servidores da CGU. Os órgãos cumpriram 211 mandados judiciais após identificarem irregularidades relacionadas aos descontos de mensalidades associativas aplicados sobre os benefícios previdenciários.

(2) “Caso INSS também é exemplo da crise de comunicação, Correio Braziliense, 09/05/2025.

(3) Lauro Jardim, jornalista, em comentário no “Jornal da CBN”, 09/05/2025.

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