escola chegandoA Rádio CBN-Brasília hoje pela manhã mediou um debate que teve origem no questionamento feito por pais de alunos de uma escola pública, que não autorizou um aluno de 12 anos voltar para casa sozinho, após as aulas, mesmo com autorização dos pais. Naturalmente os pais questionam essa decisão unilateral até porque, a partir do fim das aulas, a guarda da criança não pertence mais à escola, mas aos responsáveis. Quando se trata de creche ou dos primeiros anos do Ensino Fundamental, pelo menos até 10/11 anos, é compreensível que a escola tenha normas rígidas para liberar um aluno. Por segurança.

No fundo, a decisão dessa escola de não concordar com os pais que querem seu filho voltando sozinho, não tem nem respaldo jurídico. Presume-se deve estar enquadrada em algum regulamento interno que draconianamente preconiza: crianças de menos de 16 anos só serão liberadas acompanhadas, etc. etc. Bobagem. Como impedir, no mundo de hoje, que crianças ou adolescentes de 12 a 17 anos andem sozinhos de ônibus ou a pé, desacompanhadas. Elas viajam sozinhas até de avião, de ônibus interestadual.

A escola não pode impedir o aluno de sair sozinho ou até mesmo antecipar sua saída, se assim for necessario, desde que autorizado por escrito pelos pais. A escola não pode estar acima da Constituição, que garante o direito de ir e vir. Acabou a aula, acabou a responsabilidade da escola, pelo menos para crianças que já têm discernimento e costumam andar sozinhas, até mesmo no transporte público. Não existe lei que as proíba de andar pelas ruas. Após as aulas, o espaço da criança é público. E somente aos responsáveis cabe essa vigilância.

Na Europa, pelo menos em países como Grã-Bretanha, Escócia e França, o regulamento das escolas é rígido quanto aos horários e presenças. No Reino Unido atualmente há uma grande discussão sobre o direito que os pais teriam de retirar alunos das aulas em feriados prolongados para viagens, levando-os a faltar alguns dias na semana. Mesmo nesses casos, e em outros, os pais sao multados se os filhos faltam às aulas, sem justificativa plausível. Isso tem gerado um grande debate. Mas a responsabilidade se limita estritamente ao horário escolar. Se as aulas acabam às 16 horas, os portões são abertos e crianças de mais de 10 anos são liberadas. Se os responsáveis estão ou não na saída, isso não é um problema da escola. Eles estão livres para ficar esperando alguém ou irem para casa sozinhos, inclusive utilizando o transporte público.

Essa mania de vigilância permanente das crianças e adolescentes de menos de 18 anos, protegidos em excesso pelos pais ou responsáveis, é um “luxo” muito comum em cidades grandes brasileiras, principalmente nas capitais. No interior, as crianças se acostumam desde cedo, e a partir de certa idade, a ir à escola sozinhas. Com isso, amadurecem mais cedo. Em cidades como Rio, São Paulo, Brasília e nas capitais, de modo geral, é muito comum os filhos de classe média alta chegarem aos 18 anos sem nunca terem entrado em um ônibus urbano.

O debate na CBN não obteve consenso sobre como as escolas e os pais deveriam se conduzir para não haver divergência. O Sindicato das Escolas Particulares defende que se os pais autorizam a escola a liberar o aluno acima de 12 anos, ao final das aulas, para voltar sozinho para casa, a escola está resguardada e não vê problema para isso. Já outros participantes da entrevista avocaram até o Estatuto da Criança e do Adolescente para criticar a tentativa do pai e o avanço nas relações entre escolas e alunos. Defendem a necessidade de as escolas impedirem os alunos de saírem por conta própria.

Entretanto, do ponto de vista legal, os pais que desejam que seus filhos aprendam desde cedo a encontrar o caminho de casa sozinhos têm todo o direito de fazê-lo. Até porque a nossa Constituição garante. Não importa se o regulamento da escola preconiza algo diferente. Ele não pode estar acima da Constituição. É compreensível que as escolas queiram se resguardar da responsabilidade. Vários casos de crises graves que atingiram escolas decorreram de descuidos na saída ou entrada dos alunos, principalmente crianças de menos de 10 anos. Mas se os pais autorizaram que após as aulas o filho de 12 anos ou mais volte sozinho para casa, provavelmente eles assumem que o filho é responsável e tem maturidade para tanto; e a escola está respaldada de qualquer ação judicial, no caso de acontecer algum imprevisto.

Essa mania de o Estado querer regular a vida pessoal do cidadão tem limites. Há três anos, surgiu no Congresso Nacional uma discussão inapropriada e inoportuna sobre o direito dos pais poderem dar uma palmada nos filhos, quando pequenos, e uma Comissão do Congresso começou a discutir o tema para proibir os pais de baterem nos filhos. Ora, a criação dos filhos é uma atribuição indelegável dos pais, a não ser se estes forem incapazes (pelos mais diferentes motivos), doentes, ou vivam em extrema pobreza. Nesse caso, o Juiz atribuirá alguém para ser o tutor. E o Congresso não tem nada que se meter no íntimo dos lares, discutindo um tema que não deveria ser de sua atribuição.

No caso das aulas, o aluno pode até mapear antes, para saber onde pega o ônibus, onde desembarca; primeiro para um destino; depois para outro. E em algumas capitais já existem aplicativos, que as pessoas podem acompanhar pelo celular, mostrando o exato horário de parada dos ônibus naquele ponto.

Que o mundo está perigoso, não há dúvida. Mas, se quisermos ter filhos capazes de enfrentar os problemas, as contrariedades, as dificuldades diárias e até as vaidades deixemos que eles aprendam, caminhando sozinhos. Querer tomar conta de tudo sempre, pode até causar constrangimento à criança e prejudicar sua autoafirmação  No caso do aluno, ele tem o direito até mesmo de sair mais cedo, para acompanhar algum evento especial ou emergência que ocorra na família. E se os pais o autorizaram a sair sozinho, quando acabam as aulas, a escola está coberta juridicamente e não deve entrar nessa polêmica por causa do regulamento interno. Por que não levar esse assunto para o Conselho Escolar e discutir abertamente com os pais?

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