A crise moral e ética dos costumes no país, emblemática com a prisão de empresários, políticos, lobistas e até um banqueiro chegou às escolas, às salas de aula. De certo modo, a recente pesquisa Data Folha, que aponta a corrupção como o maior problema do país, corrobora essa percepção.
Se nunca fomos modelo em educação - ela aparece sempre no topo dos grandes problemas do país - pelo menos a escola ainda era o reduto sagrado, onde as crianças e jovens colhiam uma base para construir uma carreira e tentar a realização pessoal. Com todos os defeitos de nosso sistema educacional, sob o comando de abnegados professores, o Brasil deu um pequeno salto na educação nos últimos anos. Estudantes de baixa renda também puderam completar o curso superior. O que faz um tremenda diferença no mercado de trabalho, apesar da baixa qualidade das escolas de Ensino Médio e de nossas universidades.
Ao não valorizar o professor, com salários vergonhosos, quando comparados aos de burocratas, motoristas e guarda-costas bem pagos da área pública, o país dá mostras de que a educação não é prioridade. Por isso, estamos sempre nas piores posições em ranking internacional.
Sem motivação de lado a lado, até o recinto sagrado da escola foi violado. Nos últimos anos já havia sinais de que a escola se degradava como instituição, tomada de assalto por militantes, ativistas e até pelos alunos, que não respeitam mais a direção e os professores, por acreditarem que os direitos estão só de um lado. Eles debocham, agridem os mestres de maneira acintosa e covarde, como aconteceu há três semanas, em Mogi das Cruzes (SP), quando uma professora levou vários socos de uma aluna de 16 anos, do Ensino Médio, dentro da escola. Apenas porque a professora não a deixou sair da sala, por orientação da direção. A aluna até agora não foi penalizada. Se a professora se defendesse, correria sério risco de ser presa, por agredir uma “menor”.
Os professores brasileiros gastam, em média, 20% do tempo de aula mantendo a disciplina na classe, segundo levantamento da OCDE. Imagine-se o tempo perdido nessa missão durante o ano letivo.
Mudou muito o ensino brasileiro nos últimos 50 ou 60 anos Paradoxalmente, esse processo de degradação da qualidade do ensino público, principalmente, coincidiu com o período de maior desenvolvimento do país. Junto com a qualidade, seguindo a trilha de que tudo é permitido, acabou também o respeito pelos superiores, aquele que ainda vemos nas escolas do Reino Unido, da Alemanha e de outros países com tradição na educação, por exemplo, onde os alunos da escola pública só podem chegar atrasados duas vezes por ano. Na terceira, perdem a disputada vaga da escola, com qualidade de ensino melhor do que as escolas privadas; e gratuita. Nessas escolas, os problemas de disciplina são considerados delitos graves, podendo chegar, dependendo da falta, da suspensão até o indiciamento policial.
Aqui, ao contrário, os alunos ocupam as escolas, como em S. Paulo, e não deixam professores, empregados, pais e alunos entrar. Impedem, em pleno ano letivo, os colegas que não aderiram ao movimento ter aulas. Não importa discutir aqui se a decisão do governo de S. Paulo de fechar algumas escolas e transferir alunos é correta ou não. Essa é outra discussão. Possivelmente mal explicada e mal negociada.
Pelo menos seis escolas estão invadidas pelo MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. O que eles têm a ver com educação? Nada, até porque a maioria deles não estuda. É apenas aproveitar a ocasião para explorá-la politicamente e destastar o governo estadual. E os alunos que ficaram sem as aulas? O MTST está preocupado com eles? Absolutamente não.
O que preocupa e choca é a condescendência do Estado em não tomar providências para evitar e coibir esse tipo de abuso. A Justiça também parece ter tomado partido nessa guerra ideológica, com o respaldo do Sindicato dos Professores, de que, não importa a tendência ideológica, vale tudo para certos grupos conseguirem os objetivos, ainda que atropelem o direito de ir e vir das pessoas e dos trabalhadores. Ainda que destruam o patrimônio público. Tudo seria permitido sob o mantra de uma “democracia participativa" ou da "pseudoliberdade de se expressar”.
Esse mesmo grupo de alunos, sentindo-se emponderado pela leniência do Estado e da Justiça em coibir os abusos, foram para as ruas, interromper o trânsito numa das mais movimentadas avenidas de S. Paulo nos últimos dias. Se a polícia tentar desobstruir a rua, certamente o entrevero será mais um pretexto para radicalizar o movimento. E as milhares de pessoas que ficaram retidas no trânsito, como acontece todos os dias no país? Quem as defende?
Como não foram tomadas ações para mitigar e resolver essa crise, os atos só podiam piorar. As ocupações foram crescendo, radicalizadas e nesta terça-feira uma das escolas ocupadas, em Osasco, apareceu completamente destruída: móveis, computadores, documentos tudo destruído e depredado. Sem falar na biblioteca, com livros rasgados, queimados, fruto de um princípio de incêndio. Essa escola destruída é o símbolo negativo do descaso da autointitulada “pátria educadora” (mera peça de marketing) à educação. É o retrato triste e vergonhoso de um sistema que está em decadência.
Quando vemos esses protestos radicais de professores e alunos no nosso país, com a complacência de governantes, da polícia, de sindicatos e políticos que gostam de aparecer para apoiar, convém olhar para outras nações onde a educação é prioridade, para saber como são resolvidas as querelas ideológicas, políticas e econômicas. Não há notícia de escolas de ponta nos Estados Unidos, Reino Unido ou França ocupadas ou destruídas por alunos. Nem Reitorias invadidas. É algo inimaginável. Quando muito as lutas políticas que envolvem estudantes vão para as ruas. Os prédios das escolas, como nas históricos instalações de Oxford, Cambridge, Edinburgh, Yale, Stanford, Harvard, apenas para citar os mais famosos, são sagrados. Como se fossem templos do saber, intocáveis, cultuados e admirados.
Não temos o terrorismo que invade escolas em países da África para matar estudantes cristãos. Não temos psicopatas, como nos Estados Unidos e outros países, para cometer atentados contra alunos e professores. Mas estamos caminhando para outro tipo de terror, o dos alunos que não querem estudar, a ponto de os professores precisarem pedir licença para dar aulas; ou, no limite, precisar usar arma, como nos EUA, ou ainda contratar guarda-costas para poder se proteger se forem corrigir os alunos ou avaliá-los.
Como dizia o tribuno e escritor Marco Túlio Cícero (106 a.C. - 43 a.C.), defensor da ética, da decência e da cidadania da Roma antiga e das instituições políticas, como o Senado Romano, irritado e decepcionado diante dos ataques de Catilina, que pretendia dar um golpe na mais alta corte política: O Tempora! O Mores!*
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A polêmica das escolas - Rogério Gentile
Publicado no jornal Folha de S. Paulo - 03/12/15
SÃO PAULO - A polêmica reorganização das escolas de São Paulo, promovida pelo governo Geraldo Alckmin, é melhor do que parece, mas pior do que poderia ser.
A rede estadual paulista perdeu 2 milhões de alunos desde 1998 (hoje são 3,8 milhões) em razão da diminuição da taxa de natalidade, da municipalização do 1º ao 5º ano e da migração de alunos para a rede privada.
Neste contexto, não faz sentido algum manter a mesma quantidade de prédios em funcionamento (5.147), desperdiçando recursos que poderiam ser mais bem empregados –na própria educação, inclusive.
Não custa lembrar aos que reclamam da lógica "mercantil e empresarial" que o país está afundado numa recessão que tende a ser uma das mais longas da sua história.
O problema é que o governo resolveu promover a reorganização de modo açodado e atabalhoado. A despeito de afetar originalmente mil escolas e movimentar mais de 1 milhão de alunos, anunciou o projeto no fim de setembro sem grandes esclarecimentos e com a intenção de implantá-lo já no início de 2016. O bom senso recomendaria começá-lo só em 2017 (tanto que o Estado foi obrigado a reduzir a meta para 311 mil alunos).
A pressa e a falta de transparência sobre o que acontecerá com os prédios desocupados e o recurso economizado geraram insegurança em pais e alunos, criaram muitas dúvidas na sociedade e deram margem para a instrumentalização ideológica e corporativa do debate.
Movimentos de moradia que dizem ter como objetivo maior lutar contra o capitalismo e o Estado, partidos de esquerda e o sindicato dos professores, resistente a tudo que não signifique menos trabalho e salário maior, acabaram estimulando a ocupação de escolas –há hoje 191 em curso.
O resultado é um grande descrédito sobre o projeto de reorganização escolar e uma confusão numa rede de ensino que há décadas não é conhecida pela qualidade.
Foto: Escola Estadual Coronel Antônio Paiva de Sampaio, em Osasco, destruída por vândalos em 30/11/15. (Secretaria de Educação - Divulgação).
O que fazer com a educação pública? 3 lições para as escolas de São Paulo
*Oh tempos, Oh costumes!