crise escolas rio grande do sul* Rosângela Florczak

Dois grandes colégios particulares do Rio Grande do Sul foram diretamente envolvidos na repercussão de uma atividade que ganhou o apelido de "Se nada der certo", neste início do mês de junho. Os fatos difundidos como rastilho de pólvora na Internet e na imprensa, serviram, entretanto, como lição para todas as instituições de educação. Foram dias de aprendizado intenso sobre uma sociedade cada vez menos tolerante com as incoerências institucionais; sobre as novas relações comunicacionais e, sobretudo, sobre gerenciamento de crises de imagem e reputação.

É inegável que as escolas envolvidas – uma em Novo Hamburgo e outra em Porto Alegre –, construíram, ao longo de muitas décadas de trabalho, a reputação de instituições sérias que formaram milhares de jovens a partir de uma relação de confiança com as famílias e com as comunidades nas quais estão inseridas. Tudo parecia ir muito bem até que a atividade realizada pelos alunos terceiranistas, em uma delas no início deste ano e em outra há dois anos, tornou-se assunto nacional, questionando a integridade, a ética e a coerência de ambas.

As equipes pedagógicas e administrativas se depararam com muitas perguntas e nenhuma resposta.

Na semana que deveria ter como principal desafio, a organização das belas e animadas festas juninas, foi preciso parar. A rotina de normalidade das escolas foi totalmente interrompida e deu lugar a um turbilhão com jeito de caos, marcado pela incerteza. As equipes pedagógicas e administrativas se depararam com muitas perguntas e nenhuma resposta. Por que a nossa escola, se essa festa acontece em instituições educacionais de todo o Brasil? Quem começou tudo isso? Onde erramos? Por que ninguém proibiu essa festa? Por que as pessoas que nem mesmo nos conhecem expressam tanta raiva em seus comentários nas mídias sociais? Os adolescentes erraram, mas são muito jovens e estão aprendendo a viver, não podem errar? Qual o sistema eficaz para evitar que situações como essa aconteçam novamente?

Os questionamentos que se desdobraram em muitos outros, deixaram evidente que as escolas precisam aprender sobre as novas lógicas relacionais desse mundo em transformação que está sob nossos olhos. Aprender que as causas sociais como a valorização do trabalho e do trabalhador, a igualdade de gêneros, o respeito efetivo às diferenças, entre tantas outras, consolidaram a conquista de espaço na sociedade e hoje devem ter tanta importância nos currículos quanto os conteúdos de física, português e matemática. Preparar cidadãos para um mundo melhor implica em levar a discussão desses temas para o cotidiano da escola. Não basta mais a palestra esporádica. É preciso que, transversalmente, se discutam os avanços e os desafios da vida em sociedade, diariamente.

Há, também, outra dimensão do mundo contemporâneo a ser compreendida pelas escolas. A comunicação mudou. Não há mais o conforto de emissão inquestionável de mensagens de uma fonte socialmente legitimada para muitos receptores quase passivos. Não chegamos a aldeia global e voltamos para a Torre de Babel. São tempos de polifonia. Muitos falam para muitos. Se a escola quiser continuar sendo protagonista do diálogo social, precisa “conversar” com todos, em um diálogo dialógico, ou seja, uma troca que não necessariamente chegará a um consenso ou à imposição de uma versão.

As pessoas encontraram meios para manifestar, democraticamente, o que pensam. Com as mídias sociais disponíveis e acessíveis, a parcela da população conectada que tomou a palavra, gostou de expressar-se e não a devolverá. O que antes era a comunicação boca a boca, hoje está midiatizado. Essa lógica inclui os que esbravejam e espalham a destruição por meio de palavras. Os chamados haters, que se caraterizam pelo extremismo e exacerbação em suas manifestações, assustam as instituições que nem sempre conseguem compreender a razão de tanto ódio. É a concretização do que Dominique Wolton (2006 e 2010) chama de negociação entre lógicas e interesses distintos. Isso é comunicar hoje. É, portanto, preciso esquecer em definitivo os tempos em que a autoridade do emissor da mensagem garantia sua aceitação e que era possível chegar aos consensos.

Todas as organizações, por melhores que sejam, em algum momento, viverão crises severas.

Por fim, as escolas, como todas as organizações públicas, privadas e do terceiro setor, devem incluir em seu sistema de gestão, os procedimentos básicos para o gerenciamento de eventos que possam arranhar ou, até mesmo, destruir a imagem e a reputação construídas com trabalho série e dedicado. Monitorar os riscos intrínsecos ao tipo de atividade que se oferece para a sociedade; ter estratégias definidas para prestar satisfação do que faz e de como faz para aqueles interlocutores que têm vínculos estabelecidos com a organização, como funcionários, fornecedores, parceiros e clientes; ter estratégias claras e rápidas para prestar contas à sociedade; avaliar os fatos que geraram os eventos indesejados e evitar que aconteçam novamente; atender a todos que se sentiram prejudicados e se reerguer melhor com os aprendizados frutos da experiência negativa para seguir em frente.

De todos os aprendizados, é importante perceber que o que chamamos de eventos críticos ou crises, são momentos duros, difíceis e marcados pelo sofrimento de todos os envolvidos. No caso das escolas, sofrem os estudantes, os professores, as famílias e toda a comunidade educativa. O anseio de tomar uma medida que freie o ciclo do acontecimento é vão. Apenas a discussão e a prevenção podem amenizar as consequências de uma crise em qualquer tipo de empresa e organização. E já é mais do que hora de consolidar um sistema preventivo eficaz, uma vez que, como afirma João José Forni – especialista no tema – todas as organizações, por melhores que sejam, em algum momento, viverão crises severas. É tempo de aprender e se preparar.

*Professora da ESPM-Sul, em Porto Alegre; sócia da Engaje! Comunicação Inteligente e MC Consultores Associados.

Foto: alunas se vestem de vendedora de loja de cosméticos, e repercussão nas redes sociais.

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