A queda do Boeing 737, voo PS752, da Ukraine Airlines, em Teerã, na última 4a feira, quando decolava, no momento em que o Irã atacava bases americanas no Iraque, agravou um cenário da aviação, que não consegue se livrar da crise, principalmente nos últimos dois anos. O voo Teerã-Kiev tinha acabado de decolar do aeroporto iraniano. Após atingir cerca de 2.400 metros, aparentemente o avião pega fogo, tenta uma inflexão para a esquerda, numa tentativa de voltar, mas logo em seguida explode e cai em pedaços.
A terrível coincidência
A queda do Boeing 737 800 no Irã ocorre num momento extremamente delicado para a fabricante e a própria aviação. O grave acidente, que matou na hora 176 pessoas, ainda está envolto num grande mistério, cuja causa se divide entre duas hipóteses: falha técnica do avião, logo após a decolagem, sem esquecer que a Ukraine Airlines assegurou ser um aparelho novo, revisado na semana passada. Não se falou até agora em erros dos pilotos, apontados pela empresa como bastante experientes.
Outra hipótese, mais plausível, o avião ter sido atingido erradamente por um míssil de defesa do Irã, no momento em que este país atacava bases americanas no Iraque. Alguns órgãos da imprensa americana e canadense divulgaram amplamente a versão do míssil, até mesmo com imagens. Segundo o jornal americano The New York Times, essas imagens foram confirmadas por especialistas. Versão essa corroborada também por algumas autoridades do Ocidente, mas que, naturalmente, o Irã nega.
Não bastasse a interminável crise com o 737 MAX, conduzida pela Boeing de forma lenta, confusa e pouco transparente, o acidente coloca em evidência a fragilidade com que um avião lotado de passageiros explode sem que o país onde ocorreu o acidente, o fabricante e a empresa aérea tenham uma explicação pelo menos coerente sobre o que ocorreu. É cedo para se saber? Pode ser, mas se recuarmos um pouco tempo e verificarmos os últimos acidentes, grande parte deles continua até hoje sem uma explicação conclusiva. Investigações são lentas, confusas e sempre sob cortinas de fumaça.
O Irã a princípio ameaçou não liberar as famosas “caixas pretas”, que armazenam os últimos dados e gravações dos voos dos aviões. Com isso, além de emperrar a investigação, ele desrespeita leis internacionais que preveem a participação do país onde ocorreu o acidente, do fabricante e o da empresa responsável pelo avião na apuração completa do desastre. Como ocorreu na investigação bastante demorada do trágico acidente com o Air France 447, em maio de 2009, no Brasil. Ele envolveu também a França e a Boeing. Neste acidente morreram 228 pessoas, sendo que as equipes levaram dois anos para localizar as caixas-pretas e apenas metade dos corpos dos passageiros pôde ser resgatada do mar, onde o avião caiu.
A Boeing e o imbróglio do 737 MAX
Até agora a Boeing não conseguiu uma explicação plausível para as quedas de dois 737 MAX, em 2018 (Lion Air) e 2019 (Ethiopian Airlines), que culminaram na morte de 346 pessoas. A Boeing foi acusada e interpelada, quando as gravações dos pilotos evidenciaram possíveis falhas no controle dos aviões. Por isso, a FAA (órgão americano de supervisão aérea) recomendou a suspensão de todos os voos do 737 MAX, desde março de 2019. Com isso, dezenas de empresas aéreas amargam prejuízo com aviões novos parados nos aeroportos, como acontece com a brasileira Gol.
Desde então, a Boeing vive enredada num cipoal de denúncias, explicações vazias e conversas vazadas, que colocam em xeque o comprometimento da empresa com a ética e a segurança. Nesta semana, vazaram comentários de empregados, liberados pela própria empresa a autoridades americanas, que mostram a forma irresponsável com que a Boeing lidava com a segurança do 737 MAX. Essa crise derrubou o CEO da empresa, Dennis Muillenburg, na véspera do Natal. Abalada naquilo que uma empresa tem de mais precioso – a confiança e credibilidade – a Boeing está sob escrutínio da FAA e dos milhares de empresas-clientes pelo mundo, principalmente aquelas que compraram e utilizavam o famigerado avião 737 MAX.
Lentidão e transparência
Assim como ocorreu no caso do acidente da Air France, dez anos depois o processo de investigação, culpa e indenizações não terminou. A Justiça francesa rejeita acusação contra a Air France e culpa pilotos pelo acidente no voo Rio-Paris. Essa disputa jurídica só aumenta a dor das famílias que perderam os entes queridos, muitas delas o principal provedor da família. Assim também com o avião da Malaysia Airlines, atingido por um míssil russo, quando sobrevoava a Ucrânia (na época em disputa bélica com a Rússia), em viagem de Amsterdam para Kuala Lumpur, em 2014. Só agora, cinco anos depois, a investigação aponta rebeldes russos como culpados pelo lançamento do míssil que abateu o avião. Enquanto isso, as famílias, maioria holandeses, continuam na briga jurídica.
Ou seja, lentidão e pouca transparência parece ser a tônica dos acidentes aéreos, principalmente aqueles que incluem complicadores, como atentado, sabotagem ou desaparecimento. As exigências para o voo e as cobranças cada vez mais draconianas, de refeições, malas, assentos, limitação de peso e número de bagagens não parecem ter acompanhado o investimento no ativo mais precioso de uma companhia aérea e de um fabricante de avião: a segurança e a transparência na relação de negócio entre empresa e clientes. Definitivamente, a aviação mundial não está voando num céu de brigadeiro.
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