"As Minas estão concentradas nas mãos de poucos. E os Gerais — o povo — ficam com a dor e a exclusão”. (Padre Geraldo Barbosa, de Mariana).
Completa hoje um ano o maior desastre ambiental do país. O rompimento da barragem do Fundão, na unidade de Germano da Mineradora Samarco, em Mariana-MG, deixou 19 mortos e 200 feridos, soterrou vilarejos, poluiu nascentes e riachos, dizimou plantações e a criação de pequenos agricultores que residiam próximos ao local. Sem falar na contaminação da bacia do Rio Doce, uma das maiores do país, que banha cerca de 30 municípios, ao longo do curso do rio, de Minas Gerais ao Espírito Santo. O vilarejo de Bento Rodrigues foi varrido do mapa. O local de 317 anos, com alguns prédios históricos, foi totalmente destruído, com a lama soterrando igreja, escola e residências. O cenário após o deslizamento é de desolação.
Essa crise, uma das maiores que uma empresa brasileira enfrentou, é grave sobre todos os aspectos. Além de deixar vários mortos, o rompimento dos rejeitos da barragem cobriram uma vasta extensão de terras e acabaram indo para o leito do rio Doce, chegando até o mar. O estrago feito na flora e na fauna da região é incalculável e fala-se em cerca de 20 anos para que possa se perceber algum sinal de recuperação do rio e das áreas degradadas. O trabalho de recuperação mal começou, um ano depois. O rio continua proibido para pesca e em 14 dos 17 pontos analisados a água é imprópria para consumo até de animais.
Passado um ano, a Organização SOS Mata Atlântica constatou que a água do Rio Gualaxo do Norte, que passa por Bento Rodrigues, continua totalmente comprometida. E ele deságua na nascente do Rio Doce, na cidade de Barra Longa-MG. O índice de oxigênio nesse local é zero, ou seja nenhuma vida tem condições de sobreviver ali, por isso os peixes acabaram. A "turbidez" do rio Doce, unidade que mostra o grau de poluição da água, é 10 vezes o permitido. Melhorou, em relação a dezembro de 2015. Mas está longe de representar um alívio. Em alguns locais do rio o índice de turbidez está 50 vezes acima do permitido.
Segundo relatório da Polícia Federal, subsidiado por órgãos técnicos, 98 espécies de peixe morreram por causa do deslizamento da lama nos rios da região, muitas dessas espécies estão em extinção. Até os pássaros que se alimentam na foz do Rio Doce, no Oceano Atlântico, também morreram por causa da poluição do rio que ocasionou a falta de alimento. Para a PF, trata-se de um dos maiores crimes ecológicos do mundo. A esperança é a Fundação Renova, entidade criada pela Samarco, com pessoas da sociedade civil e órgãos ambientais, para coordenar os trabalhos de recuperação da bacia do rio Doce.
Desde o início desta crise, tanto a Samarco, quanto os controladores – as multinacionais Vale e BHP - e as próprias autoridades do governo conduziram os trabalhos de contenção da tragédia de forma muito lenta e sem a transparência devida. Logo após o deslizamento, o presidente da Samarco, Ricardo Vescovi, gravou um vídeo explicando o que aconteceu, mas ressalvando que não tinha condições, na época, de adiantar nada, porque as causas ainda seriam apuradas. O presidente, apesar de ter se empenhado para amenizar o grave acidente, foi afastado em meados de 2015 para cuidar da defesa, diante das inúmeras ações movidas contra a diretoria da empresa.
O governo federal e o de Minas Gerais – este com uma parcela de culpa pela tragédia, pela omissão dos órgãos do meio ambiente na fiscalização, demoraram a perceber a extensão da tragédia. A presidente Dilma só compareceu ao local uma semana depois. A s controladoras Vale e a australiana BHP, uma das maiores mineradoras do mundo, de certa forma procuraram não ser protagonistas dessa tragédia, esquivando-se de aparecer no início, só aparecendo por pressão do MP, das autoridades e da imprensa.
Ninguém foi punido até agora. 22 pessoas foram indiciadas, sendo 21 por homicídio qualificado com dolo eventual, entre eles os membros do Conselho de Administração das duas controladoras. Mas elas têm um longo prazo para defesa, até responderem por alguma responsabilidade no acidente.
Durante o ano, a Samarco tentou amenizar a crise pagando a manutenção dos cerca de 200 a 300 moradores dos vilarejos atingidos pela tragédia e fornecendo hospedagem ou moradia àqueles que aceitaram os acordos propostos. Mesmo assim, foi um período em que houve muitas queixas dos moradores e dos parentes dos mortos (um morador ainda continua desaparecido). Uma verdadeira batalha jurídica foi travada até agora entre o Ministério Público de Minas Gerais, Secretaria do Meio Ambiente de Minas Gerais, mais o Ibama e outros órgãos ambientais, contra a direção da Samarco, incluindo as controladoras.
Pouco se avançou neste primeiro ano da tragédia em soluções definitivas para o estrago que a empresa ocasionou na vida de milhares de pessoas e ao meio ambiente. De um lado, o MP alega falhas graves tanto na prevenção da tragédia quanto na mitigação da crise. A cada nova descoberta de omissões ou erros, a empresa se defende com evasivas. Estamos muito longe da verdade, porque não houve transparência na apuração e a dimensão dessa crise é tão grande que não permite uma análise simplista das responsabilidades.
Essa crise terá um custo muito elevado para a Samarco e as controladoras. O fundo criado pela Fundação Renova deverá ter recursos da ordem de R$ 20 bilhões para constituir uma reserva com vistas a recuperação da região atingida. O passivo financeiro por conta de multas e compensações aos moradores atingidos pela tragédia pode atingir bilhões de reais. A empresa faz pressão para recomeçar a operar.
O MP e demais órgãos alegam que ainda faltam ações de contenção de rejeitos que precisam ser feitas antes de iniciar a operação. Ainda não há vida no rio Doce, atingido de maneira fulminante pela poluição. A bacia do rio doce ainda agoniza. Há uma grande insegurança das populações quanto à qualidade da água dos rios da região e quanto aos efeitos do deslizamento em decorrência das chuvas. Enquanto isso, pescadores e comerciantes calculam os prejuízos.
Analisado sob o foco da gestão de crises, o acidente da Samarco aponta para erros de gestão, falta de transparência, crime grave contra o meio ambiente, alteração do projeto sem autorização, tudo isso combinado com a falta de fiscalização dos órgãos públicos e dos controladores. Mas ela resulta também da combinação letal, responsável por inúmeras tragédias todos os dias pelo mundo: a ganância do empresário combinada com a omissão dos órgãos fiscalizadores, principalmente o Estado.Também há lentidão nas ações de mitigação da crise, o que inclui a omissão dos conselhos de administração, entre outros.
A economia local se ressente da crise da Samarco, porque a Mineradora era a principal fonte de receita de Mariana e uma dos maiores empregadores da região. Passado um ano, muitas perguntas ainda estão sem resposta por parte da empresa. Sempre que acusada por algum órgão público ou pelos desabrigados, a empresa tergiversa. Para os moradores de Bento Rodrigues que sobreviveram, um 5 de novembro que jamais vai ser esquecido.
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