Letterman, sem perder o humor e a ironia, mas circunspecto, revelou no programa que admitiu os relacionamentos em um tribunal de Nova York e denunciou a extorsão de US 2 milhões. Ele reconheceu que errou, fez coisas ruins e simulou aceitar a chantagem para facilitar a prisão, entregando um cheque falso ao chantagista. Ao tentar descontar o cheque, o chantagista foi preso. O acusado vive com uma das mulheres que teria se relacionado com Letterman.
Quando se retratou ao vivo, o público continuava rindo, porque pensava que era brincadeira. Demorou para a ficha cair. Após a revelação, o programa continuou como se nada tivesse acontecido. No dia seguinte, o apresentador pediu desculpas a sua família, pelo constrangimento. Três dias depois, a CBS retirou do seu site as imagens da retratação do âncora. Conseguiu também retirar do You Tube, alegando direitos autorais.
Extorsão dentro de casa
O apresentador recebeu um pacote em casa com uma carta que dizia “eu sei que você faz coisas terríveis, terríveis, e eu posso provar”. Ele, então, marcou encontro com o chantagista, junto com o advogado e simulou ter aceito a proposta, entregando um cheque de US$ 2 milhões.
O acusado da extorsão, Robert Joel Halderman, produtor da CBS, a mesma rede que exibe o Late Show, foi preso no mesmo dia. Segundo o New York Times, ele enfrentava problemas na vida pessoal e por isso apelou para o golpe. A rede CBS distribuiu nota afirmando que o funcionário foi suspenso até sair o resultado das investigações.
O programa Late Show é líder de audiência no horário e Letterman projetou-se pela fina ironia e pela forma como entrevista personagens do mundo artístico e político, entre eles o presidente Obama, Bil Clinton e uma diversidade de personalidades, que vai de políticos famosos a astros de Hollywood.
Por mais que o apresentador tenha minimizado a ameaça, a confissão pública de que se envolveu com funcionárias desgastou a imagem de Letterman. Surgiram boatos de que ele teria tentado realmente negociar com Robert Halderman. Artigos em jornais e blogs questionam sua sinceridade. Até mesmo os patrocinadores do programa discutiam na semana passada até que ponto anunciar no Late Show seria negativo para os produtos.
Mesmo assim, pela sinceridade e o capital de credibilidade de Letterman, o público compreendeu. A audiência do programa aumentou. O pedido de desculpas do apresentador não foi positivo apenas para levantar a audiência. Muitos críticos louvaram seu fairplay. Ken Tucker, da revista “Entertainment Weekly”, disse que foi “um momento incrível da televisão... que nos lembrou como ele é inestimável”. “É a hora de aqueles que pedem a sua cabeça se acalmarem e deixarem o homem fazer o seu trabalho, o trabalho que ele faz como ninguém. E ninguém nunca fará tão bem novamente”, escreveu Tucker.
Como agir em caso de chantagem?
A extorsão contra pessoas famosas, políticos e empresas não é novidade. Organizações como Pepsi-Cola, TV Globo, Johnson & Johnson e Nestlé já foram vítimas de chantagem. A extorsão geralmente envolve contaminação de produtos ou sequestro de executivos.
No Brasil, um caso recente é do padre Julio Lancelotti, que trabalhava com jovens infratores e moradores de rua, em São Paulo. Em 2007, ele denunciou ameaça de um dos jovens com quem trabalhou, que cobrou até R$ 50 mil para não denunciá-lo por assédio sexual.
No início, o jovem pedia dinheiro. Posteriormente, teria se transformado em extorsão. A versão foi bastante controvertida na época e o advogado do acusado afirmou à imprensa que o padre adiantou dinheiro para o jovem por muitos anos e que não houve chantagem. De qualquer modo, o episódio desgastou a imagem do religioso e atingiu, por tabela, a própria Igreja católica.
O jogador Ronaldo Nazário também foi vítima de chantagem por travestis, com quem teria saído. Eles cobraram R$ 50 mil para ficarem calados e não revelar que o jogador tinha feito programa com eles. O jogador, corretamente, denunciou a extorsão à polícia, que prendeu os acusados.
TV Globo
Em 2006, foi a vez da TV Globo. O repórter Guilherme Portanova e o auxiliar técnico Alexandre Coelho Calado foram sequestrados por bandidos, ligados à facção criminosa PCC, que exigiu a divulgação na TV de uma mensagem contida num DVD. A emissora resolveu colocar a mensagem no ar, de madrugada, para preservar a vida dos funcionários. A decisão foi bastante difícil. A TV Globo foi assessorada por uma empresa americana, especializada em gestão e crise.
Ceder à chantagem, nesse caso, é uma medida extrema, mas tem que ser tomada imediatamente e não dá muita margem à negociação, principalmente porque a empresa está lidando com marginais, que não têm limites para conseguir o que querem.
Chantagem on line
Há dois meses, o site de relacionamentos Twitter foi alvo de um ataque de hackers, que forçou a página sair do ar. A chantagem on line é o último bastião das quadrilhas que querem dinheiro. Segundo a Agência Globo, “Os criminosos lançam um ataque que consiste em fazer com que o site seja visitado por inúmeros computadores, previamente infectados com softwares maliciosos. Em seguida, exigem dinheiro para encerrar o ataque”.
As empresas estão muito relutantes em falar sobre essas ameaças, por isso é muito difícil obter informações. Mas sabemos que a chantagem para colocar fim a esses ataques existe, explica Francois Paget, pesquisador da empresa de programas de segurança McAfee. Nesse caso, é importante também denunciar as quadrilhas e avisar os internautas sobre o ataque.
Os especialistas em gestão de crise recomendam que em casos de extorsão, a melhor saída é denunciar imediatamente. A imprensa, a polícia e a sociedade devem saber quando uma empresa ou autoridade pública sofrem chantagem. A divulgação de certa forma constrange os chantagistas. Eles não querem publicidade. Os exemplos de empresas ou pessoas que cederam à extorsão nos primeiro momentos não mostram resultados positivos. A transparência, nesses casos, é o melhor remédio. Os clientes e consumidores entendem o dilema de uma organização vítima de chantagem. Tornam-se solidários e, quando bem explicado, até mesmo ajudam a organização e a polícia a descobrir os criminosos.