No fim de semana, a imprensa divulgou várias matérias com especialistas, unânimes em assegurar que a contratação do único consórcio, que se apresentou para a licitação, foi precipitada e arriscada. Pelo menos duas das empresas já tiveram problemas em outros concursos. Os interesses políticos para realização do Enem se sobrepuseram aos quesitos de segurança e confiabilidade.
Manuais de crise recomendam que uma boa gestão de riscos evita a maioria dos erros que podem desaguar numa crise. Para isso, operações complexas, como a realização do Enem, devem ser precedidas de profunda avaliação de todas as vulnerabilidades. Certamente o MEC considerou o risco de vazamento: o mais grave que poderia acontecer. Ou deixou isso por conta do consórcio contratado. Afinal, no contrato o consórcio era responsável pela segurança e inviolabilidade das provas.
Entretanto, numa operação desse porte, quem contrata não pode ficar à mercê das empresas contratadas. Não se terceiriza credibilidade. O Enem é instituição do MEC. Quando a crise chega, todos são envolvidos no tsunami, como está acontecendo. É correto abrir sindicância, apurar o que houve, prender os suspeitos, mas o arranhão na imagem atinge a todos. O maior perdedor desse imbróglio é o MEC e a própria instituição do Enem, programa que foi escolhido como critério de seleção por 24 universidades federais. Uma prova cobiçada, portanto, por quadrilhas e espertalhões. Tudo que foi construído nos últimos anos para dar credibilidade ao certame pode ir água abaixo.
Os riscos da operação
Quais os fatores de risco que não foram avaliados na preparação do Enem? Primeiro, a experiência e o cacife das empresas contratadas. Informa-se que a Consultec, líder do consórcio, não tinha qualquer experiência em processos seletivos nacionais e não teria como arcar com a garantia contratual de 5% do valor da licitação ou com eventual prejuízo de R$ 30 milhões, se for considerada culpada. O MEC literalmente ficou nas mãos dessas empresas para realizar o Enem. Não esquecer que o contrato foi de R$ 116 milhões. Essa empresa também responde a processo por violação de provas no vestibular da UFBA.
O MEC foi alertado por especialistas, integrantes do comitê de governança, que havia risco nessa operação pelo número de candidatos e extensão territorial. Um certame desses é difícil de fiscalizar e controlar. Havia divergências também quanto ao conteúdo das questões, à abordagem pedagógica e aos critérios de correção das provas. Essas observações foram consideradas pelo MEC?
Somado a esses questionamentos, aconteceram problemas na inscrição, a greve dos Correios prejudicou a entrega dos cartões e, por fim, houve divergências na indicação dos locais da prova. Candidatos se deslocariam até 330 quilômetros da própria residência. Em entrevista, porta-voz do INEP desdenhou esse problema, perguntando o que seriam 6 mil pedidos de troca, para 4,5 milhões de inscritos? Para resolver essa demanda, o MEC tentou utilizar cartas, com os Correios em greve, torpedos e chamadas telefônicas para residências. Enfim, problemas sérios de logística antecederam o exame. Todos sinais de risco iminente de crise.
Teria faltado planejamento para considerar todos esses percalços? A revelação de que funcionários das empresas teriam guardado provas na residência mostra também como houve amadorismo no controle da segurança. Excesso de confiança ou inexperiência? Sempre que o interesse político, como parece ter acontecido nesse caso, se sobrepõe ao técnico abre-se a porta para a crise. Uma seleção dessa natureza não pode ter qualquer resquício de dúvida. Lida-se com interesses de milhões de pessoas no país todo. Misturar esses interesses com projetos políticos pode custar caro, tanto para a imagem de quem está envolvido quanto para os cofres públicos.
Pelo visto, quem vai pagar essa conta são os contribuintes. As empresas não têm cacife econômico-financeiro para bancar um novo certame, se consideradas culpadas. Os seguranças indiciados por terem surrupiado provas foram selecionados e contratados pelo consórcio para proteger o sigilo das provas. Autênticas raposas cuidando do galinheiro. E foram gastos R$ 2 milhões só com segurança. É outro prejuízo que cairá nos ombros do contribuinte.
Mas os estudantes também são perdedores. Passam a suspeitar de uma seleção que vinha se firmando nos últimos anos como alternativa ao famigerado vestibular. O MEC vai ter que reconstruir o prestígio do Enem, desta feita levando em conta os riscos de uma operação complexa e com múltiplos interesses em jogo. Esquecer o viés político e profissionalizar a realização do certame é a tarefa mais urgente. Se não ouviu, o MEC agora terá que ouvir melhor os reitores das universidades e outros especialistas e se precaver para não colocar o exame na mão de amadores. Foi um risco que o MEC não calculou e agora terá uma conta bem alta para pagar.
Desdobramentos da crise
Em 08/10, o Correio Braziliense publicou a reportagem Haddad emparedado por um vazamento, em que analisa o desgaste na imagem pública do ministro da educação por conta do vazamento da prova do Enem.