eymaelodemoctataQuem pensa que só as fontes precisam gerenciar crises na relação com a mídia, está enganado. O tablóide britânico News of the World enfrenta uma crise de credibilidade, ao ser acusado pelo concorrente  The Guardian, na semana passada, de ter grampeado ilegalmente centenas de celebridades e políticos para ter acesso a informações pessoais, entre eles a modelo Ellen Mcpherson. Ao mesmo tempo suscita questionamentos sobre a ética jornalística em buscar o furo a qualquer preço.



A polícia inglesa reluta em abrir outro inquérito, porque investigou há dois anos acusações similares, quando o tablóide foi acusado de ter grampeado a família real. Isso resultou na demissão e prisão do editor da seção responsável.  Ou seja, é reincidente. A denúncia atual pode ser mais grave.  Jornalistas do News of the World, com a conivência de editores,  teriam contatado investigadores privados para apurar dados sigilosos (históricos fiscais, seguro social, extratos bancários, contas telefônicas) de até 3 mil pessoas. As gravações remontam a 2006.

Segundo o The Guardian, o tablóide já pagou a vitimas do esquema US$ 1,6 milhão em três acordos. Entre os grampeados estão o prefeito de Londres, Boris Johnson, o ex-vice-premiê de Tony Blair, John Prescott e os atores Jude Law e Gwyneth Paltrow e a modelo Elle Mcpherson. O News of the World é o maior jornal dominical da Inglaterra, com 3 milhões de exemplares e pertence ao grupo do magnata Rupert Murdoch, proprietário da News Corporation, uma das maiores cadeias de mídia do mundo.

A denúncia desencadeou um debate comandado pelo The Guardian  sobre a ética da imprensa inglesa, consubstanciada nas ações judiciais que o News enfrenta ou irá responder sobre os limites da invasão de privacidade.  Editores atuais e o ex-editor Andy Coulson, atual assessor do parlamentar David Cameron, negam que soubessem das atividades ilegais dos jornalistas e que, se houve grampos ou gravações de imagens, foram feitas no interesse público. Durante o período em que Andy Coulson foi editor do News, o jornal foi acusado de usar jornalistas para grampear autoridades. Existiria até uma lista oficial de pagamentos da publicação, referentes a gravações feitas na época do editor. Até o primeiro ministro Gordon Brown teria sido bisbilhotado. O tablóide tem sido acionado na Justiça e as pessoas prejudicadas estão ganhando as ações. Rupert Murdoch e outros executivos da News Corporation preferem o silêncio sobre o caso.

Os colunistas Roy Grenslade, do The Guardian, e Andrew Neil, do Sunday Times, não relutam em assegurar que esse affair  é uma das mais significantes histórias da mídia dos tempos modernos.

“Durante minha carreira, sempre foi claramente óbvio que obter histórias de qualquer espécie, além daquelas conseguidas pelos jornalistas com os assessores de imprensa, é uma tarefa perfeitamente lícita e correta. A Inglaterra expôs a virtude da liberdade de expressão, mas isso permanece quase como uma sociedade secreta. Esta relação tem uma longa história, que remonta pelo menos aos tempos medievais, quando foi aceito que informação era poder, e que deveria ser privilégio daqueles que estivessem no topo da sociedade”.

O autor chega a comparar a cultura do segredo, cultivada por nobres, políticos e a sociedade inglesa, com outros países, principalmente EUA, onde os jornalistas teriam mais acesso às informações reservadas das autoridades. E que a ânsia dos jornalistas ingleses por informações escandalosas é fruto dessa cultura. A ponto de a prática de obter detalhes criminais com os nomes de proprietários de carros, por exemplo, ter se tornado tão comum, que a editora do  The Sun, Rebekah Wade candidamente admitiu ter pago policiais pelas informações, quando apareceu em 2003 em um Comitê na Câmara dos Comuns. Rebekah, agora editora do News refutou, na semana passada, na Câmara dos Comuns, que gravações telefônicas fosse prática comum no jornal.  

O articulista do The Guardian questiona se violar a lei justificaria o furo do jornalista, até mesmo quando fosse de interesse público. Por isso ele coloca em dúvida a seriedade da redação do News of the World nesse episódio. Os repórteres pagavam valores elevados para obter informações e o editor não sabia?  Ao admitir isso, estaríamos caminhando num perigoso campo minado, diz o colunista.

O editor do Financial Times, Lionel Barber, diz que as revelações sobre os grampos telefônicos do News levantam “sérias questões sobre a prática do jornalismo e o interesse público”.  Os dirigentes do jornal continuam justificando que o deslize foi uma operação isolada, de um jornalista. Mas, diz Lionel, a versão que a News International secretamente pagou pelo menos 700 mil libras para obter dados de uma vítima, é preocupante.  “Como o The Guardian certamente observou, a imprensa não pode achar trivial o acesso a dados ou informações pessoais, seja com câmaras  CCTV, em gravações médicas, identidade ou celulares.  Existe uma lei que deve ser obedecida”.

O colunista do Financial alerta que, mesmo admitindo a aplicação da lei, o público vai custar a entender que todas as novas organizações estão caminhando para operações ilegais numa complicada invasão de privacidade. As investigações sobre essa nova descoberta de gravações ilegais devem prosseguir nos próximos dias, quando o Comitê de Cultura da Câmara dos Comuns examinar a denúncia. Até lá, convêm lembrar o que disse o colunista do The Guardian, sobre Andy Coulson:  a última coisa que um assessor de relações públicas (assessor de imprensa) precisa é ele se tornar a história. As explicações dadas até agora, tanto pela publicação, quanto pelo assessor, não convenceram nem os colegas, nem a opinião pública. Afinal, como alguém pode receber 100 mil libras na redação, por violação de segredos, e o editor não ficar sabendo?

Colaboração: João Paulo Forni                                                            

Foto da capa: Ellen Mcpherson

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