Stanford Univsersity formaturaO presidente de Universidade de Stanford, na Califórnia, Marc Tessier-Lavigne, renunciou ao cargo depois que uma longa investigação, conduzida pelo jornal da universidade, produzido por estudantes, colocando dúvidas sobre a forma como foi conduzida uma pesquisa científica, liderada pelo cientista. Revisão independente desse trabalho encontrou falhas significativas em estudos que ele supervisionou há décadas, com uma “frequência incomum” de manipulação de dados.

A denúncia gerada a partir das publicações do jornal interno da Universidade foi exposta com detalhes num denso artigo da revista The Nation, de 28 de julho último. E, naturalmente, repercutiu nos principais jornais americanos e de outros países, como no The New York Times e no britânico The Guardian. (Veja artigos completos)*.

O proeminente neurocientista anunciou que deixará agora em agosto o cargo na Universidade de Stanford, certamente por não suportar a pressão proveniente das revelações das reportagens. Resignado, ele disse que deixará o cargo porque espera um debate contínuo sobre sua capacidade de liderar a universidade. “Nunca enviei um artigo científico sem acreditar firmemente que os dados estavam corretos e apresentados com precisão”, disse ele em comunicado. Mas ele acrescentou que deveria ter sido mais diligente em buscar correções em relação ao seu trabalho.

Uma profunda investigação criticou sua supervisão e gerenciamento de laboratório, embora o tenha livrado da acusação de manipulação de dados. Após as primeiras reportagens colocando dúvidas sobre as publicações científicas do dirigente, uma longa investigação, sempre sob a pressão que normalmente as publicações internas sofrem, concluiu que o presidente, como cientista, não agiu de acordo com a ética, o profissionalismo e o cuidado que um cientista deveria ter na pesquisa científica e na publicação.

Os estudantes que fizeram a denúncia reconhecem que o dirigente é um notável neurocientista. Ele publicou mais de 220 artigos, principalmente sobre a causa e o tratamento de doenças cerebrais degenerativas. Mas isso não lhe dá o direito de forjar qualquer tipo de dado científico, principalmente por se tratar de uma universidade de referência internacional.

A revisão, conduzida por um painel externo de cientistas, refutou a alegação mais séria envolvendo o trabalho do dirigente Tessier-Lavigne. Um importante estudo de Alzheimer de 2009 foi objeto de uma investigação, que encontrou dados falsificados e que o presidente da Stanford tinha encoberto. 

Imediatamente após a publicação do artigo levantando dúvidas sobre as pesquisas do dirigente, a universidade anunciou a própria investigação. Os levantamentos acabaram dando razão às conclusões dos estudantes. Stanford concluiu que “Tessier-Lavigne falhou em corrigir erros de forma decisiva e direta no registro científico”, o que acabou levando ao seu afastamento. Tessier-Lavigne agora terá que se retratar ou emitir longas correções para cinco artigos amplamente citados. 

O relatório

Stanford campusO relatório de 89 páginas do painel de Stanford, baseado em mais de 50 entrevistas e uma revisão de mais de 50.000 documentos, concluiu que os membros dos laboratórios do Dr. Tessier-Lavigne teriam se envolvido em manipulação inadequada de dados de pesquisa ou práticas científicas deficientes, resultando em falhas significativas em cinco papéis que listaram o Dr. Tessier-Lavigne como o autor principal.

As alegações de má conduta sobre o trabalho foram ao ar pela primeira vez no PubPeer, um site onde membros da comunidade científica podem discutir trabalhos de pesquisa, afirmou o relatório final do painel. E daí migrou para outras publicações. 

O autor do artigo da revista Nation, Itzel Luna, perguntou a um dos principais repórteres do jornal interno da Universidade: ‘Reportar para um jornal escolar pode ser muito diferente de um meio de comunicação tradicional. Você poderia me explicar como foi avisado sobre esta história envolvendo o principal executivo da universidade e como você e seus editores escolheram abordar a cobertura devido à sua posição única como estudante?”

Segundo os autores da reportagem, “O que começamos é, na verdade, o que qualquer um poderia ter começado em 2015 - se eles realmente investigassem. Começamos com esses rumores em fóruns on-line de que as pessoas estavam olhando para esses dados publicados e dizendo: 'humm, isso parece ter sido unido para mostrar algo que não estava originalmente lá'. O autor trabalhou com analistas forenses profissionais para divulgar a primeira história e transformá-la de boato em relatório. Como se tratava de uma denúncia grave, certamente os autores quiseram se cercar do apoio jurídico para evitar possíveis ações futuras. 

“Trabalhar em um jornal estudantil, a rigor, pode parecer apenas cumprir a tarefa de escrever uma reportagem, por mais desinteressante que seja. É até frustrante", assegura o jornalista iniciante. “Obviamente, você está certo em dizer que, como jornal estudantil, está em uma posição diferente de outras organizações de notícias. Isso significa que, a princípio, as pessoas não atenderão suas ligações porque você não tem essa credibilidade sedimentada. Tivemos que começar com o que era efetivamente uma investigação de código aberto, começando com coisas que já eram públicas e ocultas à vista de todos. Tivemos que estabelecer essa credibilidade do nada, em vez de ser uma organização de notícias em que as pessoas confiam automaticamente.”

É raro um jornal interno de uma escola, não importa se em uma das mais credenciadas universidades do mundo, abordar temas constrangedores para essa unidade de ensino e os dirigentes. Em geral, os jornais são controlados por um professor-coordenador do curso de Jornalismo. Com são feitos dentro do campus, pelos alunos da área da comunicação, com a estrutura da universidade, obviamente nenhuma gestão, a princípio, apoiaria o jornal dos estudantes circulando com uma verdadeira ‘bomba’ para a reputação do reitor ou principal dirigente. Com respingos na reputação da própria universidade.

Marc Tessier-Lavigne contratou Steven Neal, que é o presidente emérito da Cooley, um dos três principais escritórios de advocacia do mercado. Ele enviou uma série de cartas realmente agressivas solicitando retratações, tentando bloquear a publicação de artigos futuros, detalhando a participação de Tessier-Lavigne em suposta fraude. Obviamente, essa não é uma posição divertida de se estar, onde o reitor da universidade entra na pauta diretamente depois do trabalho que você está fazendo. Ele também postou algumas mensagens públicas, uma das quais foi enviada a todos os professores e funcionários, criticando a reportagem de Theo Baker, do jornal interno The Stanford Daily, como “incrivelmente ultrajante” e “repleta de falsidades”.

A íntegra da entrevista concedida pelo autor do artigo, que desencadeou esse caso emblemático, consta na reportagem da revista The Nation,  de 28 de julho de 2023, com link no rodapé deste post.

Como aconteceu a denúncia                                

Stanford University reitor demitido jul 2023Em entrevista, o repórter Theo Baker, que ajudou a expor a manipulação de dados científicos em trabalhos de pesquisa sobre o CEO de Stanford, disse: “Observei meus colegas trabalharem diligentemente para relatar uma cobertura tão intensa e impactante que questionava diretamente a liderança da universidade.” Theo Baker trabalhou por meses para produzir um artigo em novembro de 2022 expondo que Tessier-Lavigne estava sendo investigado por má conduta científica depois que imagens manipuladas foram encontradas em uma pesquisa científica da qual ele era o principal autor.

Maiores detalhes dessa incrível história, mais pela forma como ela veio a público, do que pelo ineditismo, o leitor pode encontrar nos três principais artigos linkados no rodapé desta reportagem.

A própria comunidade científica ressalva em parte a conduta do dirigente. Segundo o New York Times, Dr. Matthew Schrag, professor assistente de neurologia na Vanderbilt University, que em fevereiro sinalizou problemas com o estudo de Alzheimer de 2009, disse que a publicação do estudo ilustrou como as revistas científicas às vezes dão a pesquisadores proeminentes o benefício da dúvida enquanto avaliam seus estudos. Falando por si mesmo e não pela universidade Vanderbilt, disse que a renúncia do Dr. Tessier-Lavigne fazia sentido, assim como sua permanência no corpo docente. Ele observou que muitas das descobertas do Dr. Tessier-Lavigne foram validadas e ajudaram a desvendar mistérios críticos da neurociência.

“Tenho alguns sentimentos confusos sobre a pressão que ele está sofrendo, porque acho que é extremamente improvável que ele tenha sido o principal culpado aqui”, disse o Dr. Schrag. “Acho que ele tinha a responsabilidade de fazer mais provavelmente do que fez, mas isso também não significa que ele não estava tentando fazer a coisa certa”, ressalta o entrevistado ao NYT. 

De qualquer forma, por se tratar não apenas de uma universidade de ponta, mas de pesquisas que despertam o interesse científico no mundo todo, a saída do presidente da Stanford virou notícia no meio acadêmico internacional.

Essa renúncia ocorre semanas depois que o The Northwestern Daily - o jornal administrado pelos alunos da Northwestern University - publicou uma investigação sobre trote dentro do time de futebol da escola, resultando na demissão do treinador principal. À medida que as notícias locais continuam diminuindo, fica claro que o jornalismo estudantil torne-se mais crítico do que nunca, garantindo que a liderança da universidade não permaneça sem controle. 

O que estamos vendo é extremamente salutar para a sociedade, uma vez que os cursos de jornalismo podem realmente mostrar que reportagens bem feitas, apuradas com isenção e rigor profissional, de qualquer tipo, feitas numa aula-laboratório podem, sim, resultar em um valioso ‘furo’ jornalístico, apurando e revelando informações que passaram ao largo da grande imprensa. Num momento crucial para o futuro do jornalismo, em que a imprensa de modo geral enfrenta a concorrência das publicações on line, de blogs, influencers e das redes sociais. 

Fotos: Divulgação; David Madison (via The Nation); Dan Honda/AP (Via The Guardian)

Outros artigos sobre o tema

The Nation - The resignation of Stanford's President shows the importance of student journalism

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