Se eram previsíveis, porque não houve um sistema de monitoramento eficiente, que permitisse evacuar e salvar as pessoas que foram encurraladas pelo fogo? Houve treinamento com a população, para saber o que fazer, no caso de desastres naturais, principalmente por se tratar de uma ilha? O paraíso de férias e diversões do Havaí enfrenta uma tragédia infernal, literalmente. Uma das maiores catástrofes naturais dos Estados Unidos.
Até o dia 17 de agosto, já se resgistravam 111 pessoas mortas pela tragédia, mas as autoridades especulam que centenas de outras estejam desaparecidas, porque o rescaldo do incêndio ainda não acabou. Muitos moradores, para se salvar, tiveram que se refugiar no mar. E nem nessa fuga se sabe quantas não retornaram. Foram 2.200 residências e prédios públicos destruídos pelo fogo. As autoridades calculam que os prejuízos pelos incêndios podem chegar a US$ 5 bilhões. O que levará anos para reparar. As cenas que aparecem em vídeos no site do New York Times parecem de um filme catástrofe. Impressionante.
Pode-se antecipar que as falhas de gestão de riscos são evidentes. Falta de sirenes e água ampliou destruição no Havaí, que ainda sofre com lentidão do resgate e chegada de ajuda. Segundo os bombeiros locais, o combate às chamas foi dificultado por desabastecimento dos hidrantes e despressurização da água. Num lugar rodeado de água salgada, onde os moradores foram buscar refúgio.
Segundo reportagem do The New York Times, “Milhares de pessoas foram deslocadas devido aos incêndios. A parte mais atingida é a cidade histórica de Lahaina, um destino popular para turistas, onde viviam 12 mil pessoas. Para o governador do Havaí, Josh Green, este é “o maior desastre natural da história do estado”. As autoridades disseram que não sabem ao certo quantas pessoas estão desaparecidas neste momento e que nenhum dos incêndios está 100% contido.”
Plantas invasoras agravaram incêndios de Maui
Em artigo publicado em 13/08/23, “How invasive Plantas caused the Maui fires to rage“, o jornal The New York Times, atribui a um tipo de vegetação, que se espalhou sobre determinadas ilhas, como uma das causas responsável pelos incêndios.
“Uma série de alterações na flora de plantações nativas no Havaí permitiu que gramíneas não nativas altamente inflamáveis se espalhassem em terras ociosas, fornecendo combustível para grandes incêndios”
Falha na gestão de riscos
Essa é, por enquanto, uma tentativa de saber como um incêndio daquelas proporções se tornou realidade e não pôde ser contido a tempo de salvar dezenas de pessoas. As sirenes funcionaram? Já se sabe que houve uma grande falha do acionamento das sirenes de alarme. O que deixou centenas de pessoas encurraladas entre o fogo e a estrada, não permitindo que se aproximassem da cidade. As sirenes não funcionaram e a população não estava preparada para um demanda tão grande.
Como a população do Havai, particularmente da ilha de Mauí, poderia imaginar que o aquecimento solar e as mudanças climáticas fossem causar uma tragédia naquele paraíso, nas dimensões atuais?
“Os investigadores ainda estão procurando pistas sobre o que iniciou a catátrofe, em Mauí, que se tornou o incêndio florestal mais mortal nos Estados Unidos em mais de um século. Mas, à medida que o planeta esquenta, fica claro que mesmo um lugar tropical como o Havaí, conhecido por suas florestas tropicais e colinas verdejantes, é cada vez mais suscetível a incêndios florestais.”, diz o artigo do NYT.
“As ilhas há muito têm trechos áridos de campos de lava e pastagens mais secas, com chuvas variando de um lado da ilha para o outro. Mas, nos últimos anos, o estado também viu quedas de longo prazo na precipitação média anual, cobertura de nuvens mais finas e seca induzida pelo aumento das temperaturas. Aproveitando os dados que mostram um pico neste século na atividade destrutiva de incêndios no Havaí, especialistas em mitigar os riscos de incêndios florestais já vinham alertando há anos sobre a crescente vulnerabilidade de Maui”, dizem.
A pergunta do jornal Washington Post “Why Hawaii’s wildfires are so devasting – and predictable” (Por que os incêndios de Havaí são tão devastadores e previsíveis) tem sentido. Mas as respostas são várias.
“A devastação ecológica do Havaí ao longo do tempo deixou para trás gramíneas não nativas que servem como combustível para as chamas. Alguns especialistas dizem que as ilhas ainda precisam se preparar totalmente.”
“Depois que os ventos de um furacão de 2018 ajudaram a alimentar os incêndios florestais no Havaí, os pesquisadores se debruçaram sobre a literatura científica em busca de exemplos de desastres semelhantes. Encontraram apenas dois. Agora, incêndios florestais provocados por ventos ligados a um furacão incendiaram comunidades havaianas pela segunda vez em cinco anos”, diz o jornal americano.
O artigo do The New York Times também mostra como os incêndios não foram surpresa. “Em 2020, por exemplo, um plano de mitigação de risco preparado para Maui County disse que a área de West Maui – onde Lahaina, a cidade devastada pelo incêndio na semana passada, está localizada – tinha a maior probabilidade anual de incêndios florestais de todas as comunidades do condado.”
“O documento listava West Maui como tendo uma probabilidade “altamente provável”, ou mais de 90% de chance, de incêndios florestais a cada ano, em média. Meia dúzia de outras comunidades de Maui foram classificadas abaixo, em algo entre 10% e menos de 90%." Convém perguntar: algo foi feito para que a população ficasse alerta no verão?
Segundo o NYT, “Depois que West Maui foi atingido em 2018 por uma rodada anterior de incêndios que destruiu 21 casas, Clay Trauernicht, um dos mais proeminentes especialistas em incêndios florestais do Havaí, alertou em uma carta ao Maui News que a ilha estava enfrentando um perigo que tinha potencial para fazer algo. “Os combustíveis – toda aquela grama – é a única coisa que podemos mudar diretamente para reduzir o risco de incêndio”, escreveu ele.
“Avançando para 2023, o Sr. Trauernicht, especialista em ciência e gerenciamento de incêndios florestais na Universidade do Havaí, em Manoa, disse que o incêndio mortal de Maui mostrou claramente como gramíneas não nativas - muitas delas em antigas terras de plantação que foram deixadas substancialmente não administradas por grandes proprietários de terras corporativos - poderia fazer com que um incêndio, a princípio controlável, aumentasse de tamanho.”
Em Lahaina, grande parte da qual foi destruída durante o incêndio da semana passada, gramíneas invasoras cobrem as encostas acima da cidade, crescendo até os limites das áreas residenciais.
Risco potencial de novos incêndios
Segundo Scott Dance e Kate Selig, autores do artigo do Washington Post, “Cientistas e ativistas de incêndios florestais dizem que uma confluência de fatores aumenta os riscos de incêndio no estado de Aloha e pode desencadear mais desastres se não forem tomadas medidas urgentes. Os fatores incluem a disseminação de gramíneas não nativas inflamáveis em campos agrícolas abandonados e falha no manejo da vegetação e proteção das comunidades contra o fogo. Além disso, as mudanças no clima estão alimentando furacões mais fortes e podem estar contribuindo para condições mais secas no Havaí.”
No The New York Times, para Simon Romero e Serge F. Kovaleski, “Os temores sobre os riscos dessas gramíneas aumentaram desde que as plantações começaram a declinar na década de 1990, marcando o fim de um modelo agrícola que atraiu trabalhadores imigrantes de todo o mundo, moldando o Havaí por quase 200 anos. Como o turismo eclipsou as plantações em importância, o afastamento das plantações de cana-de-açúcar e abacaxi permitiu que as pastagens tropicais crescessem sem cuidados, reforçando o que os especialistas em incêndio chamam de ciclo “fogo-capim”.”
“As fortes chuvas que caem nas ilhas havaianas podem fazer com que gramíneas não nativas cresçam em alguns casos até quinze centímetros por dia. Então chega a estação seca e as ervas queimam. Além disso, depois que os incêndios devastam certas áreas, as gramíneas não nativas brotam e se espalham rapidamente, deslocando as plantas nativas menos adaptadas aos incêndios florestais, tornando o ciclo mais destrutivo.”
Ainda segundo a reportagem do NYT, “Existem maneiras pelas quais as autoridades podem limitar esse ciclo destrutivo, enfatizam os especialistas em incêndios tropicais. Elas incluem a construção de aceiros, introdução de vegetação mais resistente ao fogo e permitir que o gado mantenha o capim em um nível manejável.”
“Durante anos, Trauernicht e outros especialistas pediram tais medidas para mitigar os riscos de incêndios florestais no Havaí. E em 2021, no próprio relatório de prevenção de incêndios florestais do condado de Maui observou que “as gramíneas servem como isca e rapidamente acostam à beira da estrada”, ao mesmo tempo em que pedem a “redução da vida vegetal alienígena”. Tudo isso numa demonstração de que a tragédia era prevista, mas as recomendações de risco não foram seguidas.
“A necessidade de esforços de mitigação de incêndios florestais mais assertivos tem sido uma questão de debate há anos no Havaí; nas ilhas, conter a propagação de plantas invasoras pode ser caro e logisticamente complexo.”
Outros fatores
Ainda segundo o The New York Times, “Há também fatores humanos em um local onde atividades como fogueiras, fogos de artifício e faíscas de veículos motorizados já respondem pela maioria das ignições de incêndio. A aguda escassez de moradias no Havaí, refletida em uma grande população de sem-teto que costuma cozinhar fora, aumenta os riscos de mais ignições, dizem os pesquisadores.
“O plano de mitigação de riscos preparado para o condado de Maui em 2020 por Jamie Caplan Consulting, uma empresa com sede em Massachusetts especializada em mitigação de riscos naturais, também alertou que o aquecimento constante das temperaturas estava afetando a vulnerabilidade do Havaí. “Os incêndios florestais podem se tornar mais frequentes no futuro, à medida que as condições de seca se tornam mais frequentes e mais intensas com as mudanças climáticas”, continuou.”
Já no Washington Post, Elizabeth Pickett, co-diretora executiva da Hawaii Wildfire Management Organization, disse que, “embora os incêndios desta semana tenham pegado muitos desprevenidos, eles não deveriam ter sido uma surpresa, dadas todas essas condições. Apesar de sua associação com florestas tropicais e cachoeiras, o Havaí é um lugar que queima e está se tornando cada vez pior.” “Nem todos nos ajustamos, mas é previsível”, disse Pickett.
Atualizado em 16/08/23.
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