Quando em 2017 a economia brasileira conseguiu crescer 1%, registrando o primeiro avanço, após dois anos de queda, uma onda de esperança varreu o País. 2018 seria o ano da redenção, ano de eleição e da virada do Brasil para um caminho virtuoso, depois de aproximadamente três anos patinando e enredado em crises políticas, econômicas e éticas. Analistas econômicos apostavam num crescimento pequeno, mas sustentável. E numa redução do desemprego.
Mas não foi o que aconteceu. O ano chegou e não houve um mês de descanso, principalmente pelas tempestades políticas, que, de uma forma ou outra, acabaram contaminando o cenário econômico. O País chegou ao fim de maio com aparência de cansado, arrastando-se numa série de denúncias e de soluções paliativas para seus graves problemas. Em vez dos empresários e dos empregados serem protagonistas do noticiário, infelizmente foram o Supremo Tribunal Federal, o Ministério Público e a Polícia Federal que tomaram conta da pauta. Governo e população devem estar fazendo as contas de quantos dias faltam para este ano acabar.
Para complicar, as suspeitas e acusações contra o presidente da República, que culminaram em apurações e constrangimentos a pessoas próximas, e denúncias do Ministério Público, rejeitadas pelo Congresso, ajudaram a sepultar a aprovação de reformas decisivas para resolver o maior problema econômico herdado pelo governo Temer: o déficit fiscal. A redução desse déficit bilionário tinha na pauta como condição sine qua non a aprovação da reforma da Previdência, da reforma trabalhista e da privatização de empresas estatais, como a Eletrobras. A não ser pela capenga reforma trabalhista, a agenda econômica e política no Congresso perdeu o timing e a força. E, não por coincidência, o crescimento da economia não correspondeu ao que se esperava e o desemprego não parou de crescer.
Não bastasse a indefinição quanto aos caminhos do Brasil para 2019, devido ao incerto quadro político, nas eleições para presidente, os caminhoneiros resolveram dar uma contribuição para sepultar as esperanças de um ano que já era complicado, apesar de o país registrar, como há bastante tempo não acontecia, uma inflação baixa e controlada e taxa de juros em espiral descendente.
A greve dos caminhoneiros, que parou o Brasil nos últimos dias de maio, ressuscitou fantasmas, como desabastecimento, locaute de empresários, controle e aumento de preços, inabilidade do governo de lidar com a crise, pressão de grupos de interesse, como a redução do preço dos combustíveis e do frete, na base do decreto, combinados com a violência de grupos organizados, que transformaram as estradas brasileiras e o transporte rodoviário num autêntico caos.
A dependência histórica e equivocada do Brasil do transporte rodoviário e a demora, bem como a fraqueza do governo em negociar com a categoria, teriam levado a esse triste desenlace que colocou o Planalto em xeque e tornou os brasileiros reféns de uma categoria de trabalhadores. Foi preciso apelar para o decreto de "Garantia da Lei e da Ordem", em todo o País, com a intervenção do Exército, para que se garantisse abastecimento de combustível e de gêneros alimentícios para setores-chave do País, como aeroportos, hospitais e órgãos de segurança. Ou seja, uma tentativa de conter o caos instalado pela paralisação dos caminhoneiros. Foi o tempero que faltava para transformar esse primeiro semestre um dos piores momentos do governo Temer, que completou dois anos em maio com a mais baixa avaliação de um governante na presidência.
Tudo que se falar ou se comentar sobre esta crise mais recente, vai bater na incapacidade de o governo resolver as crises, pela fraqueza política e a vulnerabilidade do presidente. Acossado por denúncias, depende do Congresso para aprovar qualquer coisa. A opção pela força ou pela caneta, como aconteceu com a decretação de intervenção no Rio de Janeiro, e a GLO na greve dos caminhoneiros, se por um lado, meio a fórceps, ajuda a mitigar a crise, não é suficiente para resolver a crise de segurança que ameaça o País. Expõe o Exército a situações para as quais não foi treinado, como, por exemplo, a incursão em favelas do Rio de Janeiro, dominadas pelo tráfico, e que vivem uma crise permanente, com tiroteios, disputas de território e assassinatos.
A crise é maior do que o governo
A imprensa, principalmente os colunistas políticos e econômicos, não têm poupado críticas ao governo. “Incompetência, fraqueza, ignorância e despreparo. Pode haver palavras mais duras, mas nenhuma expressão mais suave, para explicar os erros cometidos pelo governo, sob responsabilidade do presidente Michel Temer, em reação à crise no transporte rodoviário. É enorme a lista de barbaridades: piso para o frete, subsídio bilionário a transportadores, tentativa de regular preços nas bombas, fiscalização anacrônica, desordem no Orçamento da União, aumento de custos para os setores produtivos, ampliação da incerteza econômica e, naturalmente, riscos novos para a Petrobrás, ainda em recuperação dos estragos causados pela gestão petista”, inicia o jornalista Rolf Kuntz a coluna semanal no jornal O Estado de S. Paulo.
“Há uma fúria, uma revolta, um ressentimento na sociedade brasileira. É um ódio contra as autoridades, à forma de gerir. A gente tem a sensação de que tudo que está por aí é inflamável. Basta uma faísca para o abalo da normalidade democrática. O discurso anticorrupção traz um risco muito grande”, diz o jornalista e professor Eugênio Bucci, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo. O alerta tem a ver com o perigo que a democracia passa numa época de convulsão e desânimo, onde cada um quer tirar proveito da fragilidade do governo e sugerir aventuras na busca de uma saída.
Para complicar, o legado nefasto da operação caminhoneiros chegou: dólar nas alturas, Bolsa caindo, gêneros de primeira necessidade, combustível, gás, tarifas e passagens, numa onda de aumentos. Parece que voltamos a 2014, 2015, quando ninguém apostava um tostão numa saída honrosa para Dilma. Além disso, os candidatos que apareceram cobiçando a Presidência não empolgam nem trazem luz para essa nebulosidade. A população não sabe em quem votar. Até as pesquisas enlouqueceram, porque cada dia há um pré-candidato que desiste e outro que aparece. Há um desânimo generalizado, que nem a TV Globo, os gritos de Galvão ou a milionária grana dos patrocinadores da Copa conseguem dissipar, para que a população passe a pensar na Copa do Mundo e esqueça a crise. Como se preocupar com o "dedinho" de Neymar, se em casa há vários desempregados; contas atrasadas; crianças doentes e insegurança até para sair de casa?
Com 14 milhões de brasileiros procurando emprego, a economia se arrastando e os caminhoneiros querendo incendiar o país, quem se preocupa com Copa do Mundo? Quem protestava apoiando – equivocadamente – os caminhoneiros, não tinha uma pauta específica. Protestaram por propostas que, a rigor, já foram “arquivadas”, como a privatização da Eletrobras ou a reforma da Previdência. Não faltaram os que pediram a volta dos militares ao poder. Como se isso fosse a solução. Há sete meses do fim do ano, a população se agarrou a um pedaço de isopor para tentar se salvar até dezembro. O problema é que as ondas e os ventos parecem cada vez mais fortes, com grande perigo de nos afundar. E a indicação do próximo capitão do navio parece cada vez mais nebulosa e incerta.
Outros artigos sobre o tema
Nadando pelado na terra do "wishful thinking"
Um governo sem rumo e sem autoridade
Uma faísca pode abalar a democracia