O estigma que existe em torno do suicídio impede especialmente que os jovens busquem ajuda e apoio de que precisam”  . (Stephen Habgood*)

suicidios fotoO progresso e as novas tecnologias, principalmente o advento da Internet e das comunicações quase instantâneas, além de um mundo em que o poder econômico e o consumismo são endeusados, cobram um preço muito alto, principalmente dos jovens. A geração atual, a começar pelos chamados "millennials" e a geração "z", ao mesmo tempo em que se deixam seduzir pelos apelos da modernidade, se tornam vítimas de doenças mentais que estão levando cada vez mais jovens para tratamento psicológicos, depressão, ansiedade e, no limite, até ao suicídio.

Os casos de suicídio, especialmente entre os jovens, são preocupantes, não poupando países desenvolvidos ou pobres, demonstrando que não se trata de um fenômeno restrito às classes com maior poder econômico. É um fenômeno que, no passado, estava associado a alguns países da Ásia e Europa, com tradição na cobrança por resultados e desempenho, como Coreia do Sul, Japão, China e países nórdicos.

Hoje, o aumento no número de suicídios começa a tomar ares de uma crise mundial, preocupando autoridades de saúde pública em vários países, não importa o regime político ou a região. Segundo o Dr. Clay Routledge**, em artigo publicado no New York Times, no dia 23 de junho, "Muitas pessoas argumentam que esta é uma crise de cuidados de saúde mental, que as pessoas não estão recebendo os serviços de que necessitam. A solução proposta é melhores terapias, antidepressivos mais eficazes e maior acesso ao tratamento. Essa avaliação pode estar correta. No entanto, a taxa de suicídio aumentou mesmo quando mais pessoas procuram tratamento para depressão e ansiedade, e mesmo quando o tratamento para essas condições se tornou mais amplamente disponível. Uma explicação adicional parece ser necessária."

A crise que leva ao suicídio é existencial, difícil de gerenciar, fruto de frustrações, doenças, problemas amorosos, dívidas ou crises pessoais ou familiares. Mas pode até ter um componente econômico, como aconteceu em alguns países da Europa, após 2008, como EUA, Itália, Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda e Romênia. Na Grécia, o índice de suicídios aumentou 20% no auge da crise econômica. Ela não é uma crise que tenha facilidade de ser detectada e tratada. Na maioria dos casos, ela é contida e, por isso, difícil de receber tratamento.

O Reino Unido há muito tem constatado um crescimento preocupante no índice de suicídios entre jovens. É a principal causa de morte desse público, mas a forma como os suicídios são registrados pode mascarar o número real em até 30-50%, enquanto se perpetua o estigma, não se falando claramente e nem se atacando o problema, como devia ser, dizem especialistas britânicos.

Em Londres, por exemplo, o número de suicídios ultrapassou a marca registrada em todo o resto da Inglaterra e País de Gales, no período de três anos, levando a alertas de que os jovens, ao viverem na capital, enfrentam condições e pressões que se assemelham às de uma "panela de pressão”, segundo o jornal The Guardian. O índice entre idosos também é alto.

Na Inglaterra e País de Gales, mortes por suicídio aumentaram 24% no último ano. Entre jovens de 10 a 19 anos, esse índice cresceu em 107%, entre os anos 2013-14 e 2015-16. As autoridades atribuem esse crescimento, entre outros fatores, à pressão sobre os jovens para um desempenho melhor nas escolas e universidades, estimulada pelos próprios professores e pais, pressionados por um mercado competitivo, exigente e desafiador. Como também à chegada de refugiados, que emigram sem deixar os problemas familiares para trás e sofrem as consequências de discriminação, pobreza e dificuldade de se inserir na sociedade.

"Os suicídios entre crianças e jovens atingem o pico no início da temporada de exames. Essa crise emerge, aumentando os temores de que a pressão para obter bons resultados esteja prejudicando a saúde mental dos jovens. Às vezes, os exames são a gota d'água que levam alguém com menos de 25 anos a suicidar-se, de acordo com investigação. Embora especialistas apontem que as causas do suicídio são sempre complexas, eles disseram que os problemas acadêmicos podem ter um papel significativo", segundo Denis Campbell, editor de política de saúde do The Guardian.

Números divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística (ONS) britânico mostram que o número de suicídios registrados em Londres aumentou 48% no período de três anos. A capital britânica é uma das cidades que mais atrai jovens de todo o mundo, principalmente para trabalhar e estudar. A maioria deles fica na cidade, longe da família, sem amigos, sem a companhia de parentes e, muitas vezes, em situação financeira muito difícil.

"As pessoas são muito mais pressionadas aqui do que em outras partes do Reino Unido. Os pais são menos capazes de priorizar dificuldades porque eles estão sob um forte estresse. Esse estresse passa de uma geração para outra, de modo que o dano é permanente”, diz Maxim de Sauma, o diretor da Central que abriga 600 jovens, em Londres.

Nos EUA crescimento de 30%

Suicídio é a 10ª causa de morte nos Estados Unidos, de modo geral, mas na faixa de idade entre 10 e 34 anos, é a segunda causa, só ficando abaixo de ferimentos não intencionais. Até os homicídios (19.362) são em menor número do que os suicídios (44.965) por ano, nos EUA. A mostra de que há uma tendência de crescimento das taxas de suicídio nos EUA ficam evidentes na amostragem de 1999 a 2016, quando o índice subiu de 10,5 para 13.4 por 100 mil habitantes (Em 2017 está em 14.3). Recente estudo divulgado aponta que desde 1999 o número de suicídios aumentou 30%, nos EUA, com ênfase em 25 estados. Das 44,9 mil mortes, 77% eram de homens. Segundo estudo federal, esse crescimento foi impulsionado por doença mental, abuso de substâncias, dificuldades financeiras e problemas de relacionamento.  E as ocorrências se deram na maioria dos grupos étnicos e etários. Esses números, portanto, apontam claramente para uma crise - mas de que tipo?

Gary Barker, colunista do site Slate, tenta responder, em artigo publicado esta semana, no site, por que muito mais homens morrem por suicídio nos EUA: "Ser um homem nos EUA e em todo o mundo, muitas vezes, significa aprender a suprimir nossa experiência emocional, tanto que, como homens, muitas vezes falta até a linguagem para expressar ou compreender nossas emoções."

Há casos bem específicos. Um segmento atingido pela crise dos suicídios, nos EUA, é o de militares americanos que prestaram serviços em guerras, nos últimos anos. O suicídio é a segunda causa de morte desses veteranos. O risco de suicídio entre os veteranos militares dos EUA manteve-se no mesmo nível elevado, apesar dos esforços nos últimos anos para resolver a crise. Todos os veteranos são afetados pela crise, que começa com depressão, dificuldade de se adaptar a uma nova vida, mesmo que nunca tenham servido em uma zona de combate.

Segundo o Dr. Clay Routledge, "Como um cientista comportamental que estuda as necessidades psicológicas básicas, incluindo a necessidade de significado, estou convencido de que a crise suicida de nossa nação é, em parte, uma crise de falta de sentido. A abordagem completa exigirá uma compreensão de como as mudanças recentes na sociedade americana - mudanças na direção de um maior desapego e um sentimento mais fraco de pertencer - estão aumentando o risco de desespero existencial."

Suicídios de celebridades podem agravar o problema

Casos recentes de grande repercussão de suicídio em colégios e universidades, bem como a morte de celebridades como atores de cinema, e, recentemente, o chef e apresentador Anthony Boudain e a designer Kate Spade - ambos no auge de suas vidas profissionais -, além de ídolos da música, evidenciam a importância em falar sobre o tema e diminuir o estigma em torno dos problemas com a saúde mental.

Os números em nível mundial também são alarmantes: a cada 40 segundos uma pessoa morre por suicídio no mundo. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida por ano no mundo. Poderia se admitir que grande parte desses suicídios poderiam ser evitados com um trabalho melhor de assistência e de monitoramento dos problemas mentais, sobretudo a jovens e adolescentes.

Entre os países mais adiantados economicamente, com índices elevados, acima de 15 por 100.000 habitantes, destacam-se, pela ordem, Bélgica, Rússia, Japão, Uruguai, Áustria, Finlândia, França, Suécia e Suíça.

Brasil entrou em alerta por causa de estudantes

Suicidios no brasilNo Brasil, acontecem em média 11 mil suicídios por anos, de acordo com levantamento do Sistema de Informação sobre Mortalidade. Para se ter ideia da gravidade, significam quase 1.000 suicídios por mês. E esse número, no Brasil, pode estar subnotificado. O país não se inclui entre os de maior taxa relativa de suicídios (5,7 por 100 mil, em 2016; 6.3 por 100 mil em 2017, entre as mais baixas de países em desenvolvimento) mas é o oitavo em números absolutos. De 2011 para 2015, os óbitos pularam de 10.490 para 11.736 (mais 12%). Foram 32 casos por dia.

Os números dos últimos anos pelo menos devem acender um sinal amarelo. O suicídio aumentou gradativamente no Brasil entre 2000 e 2016: foi de 6.780 por ano, para 11.736, uma alta de 73% nesse período. Teria alguma coisa a ver com a crise econømica? As maiores taxas de crescimento foram registradas entre jovens e idosos, do acordo com o Ministério da Saúde. Há mais suicídios entre os homens do que entre as mulheres, quando se analisam os casos fatais: 79%. O suicídio é a segunda causa de morte no planeta entre jovens de 15 a 29 anos — a primeira é a violência e a segunda causa são os acidentes de trânsito. No Brasil, os três estados onde o índice de suicídios aumentou acima da média nacional foram Roraima, Piauí e Rio Grande do Sul. É importante saber que cada vez mais, o suicídio está sendo tratado com um problema de saúde mental e saúde pública.

A divulgação de suicídios de jovens estudantes de um colégio de ensino médio, em, São Paulo e no Rio, também levantou a questão sobre os motivos que estariam levando adolescentes de classe média alta a tirar a própria vida, no Brasil. Em abril, num intervalo de 12 dias, dois alunos do ensino médio do Colégio Bandeirantes se suicidaram em casa. Entre uma e outra morte, um estudante do Colégio Agostiniano São José fez a mesma coisa. As duas escolas, privadas, ficam na cidade de São Paulo. Constatou-se também um aumento em casos de suicídios de alunos dos cursos de medicina. O estresse do fim do curso, principalmente, estaria levando os alunos a esse ato extremo.

Segundo reportagem da revista Veja, nos últimos cinco anos, a incidência de suicídios entre jovens de 12 a 25 anos teve um salto de quase 40%. Nas outras faixas etárias, o índice caiu. No Brasil, o suicídio é a quarta maior causa de morte entre homens e mulheres de 15 a 29 anos. "Tristeza, isolamento e irritabilidade podem ser sinais para que os pais percebam se há algo errado. Os jovens são mais suscetíveis tanto por aspectos biológicos quanto pelos novos desafios impostos nessa fase da vida", dizem os especialistas.

Alguns países têm índices alarmantes

 No ranking mundial, que leva em conta a taxa de suicídios por 100 mil habitantes, os países com índices mais altos, segundo ranking publicado pela World Population Review são Sri Lanka (35.3), Lithuania (32.7), Guyana (29), Coreia do Sul (28.3), Mongolia (28.3), Kasaquistão (27.5), Suriname (26.6), Belarus (22.8),  Guiné Equatorial (22.6) e Polônia (22.3). O Brasil tem uma taxa de 6.3 por 100 mil habitantes (tabela de 2016), um índice baixo para os padrões internacionais.

Psiquiatras, psicólogos, médicos e professores vivem se debruçando sobre as causas dos suicídios, tentando identificar se existe um fio comum que levaria pessoas extremamente vulneráveis psicologicamente ou pressionadas por algum trauma pessoal a cometer suicídio. Preveni-los é uma necessidade e obrigação do poder público. Mas parentes, colegas e amigos dos jovens podem ter um papel fundamental para evitar que as tragédias continuem acontecendo. A sensação que temos depois de um suicídio é que alguém falhou na hora em que a pessoa estava precisando, seja a família, o professor, o médico, o psicólogo, o amigo, ou qualquer pessoa que tivesse percebido crises ou problemas de ansiedade naquela criatura. Quando alguém se mata, nós todos perdemos, porque, se não há nada mais precioso na Terra do que a vida, o ato de atentar contra ela é muito forte e significa que fomos derrotados nesse momento. A falha seria de todas as pessoas que poderiam estar perto de quem está prestes a cometer um ato de desespero; mas às vezes não perceberam que ela enfrentava um drama, uma crise grave, para chegar a esse gesto.

Não é possível saber o que está por trás de cada uma dessas histórias, uma vez que o suicídio é multicausal, ou seja, não há um único fator ou culpado. Mas especialistas apontam que, em grande parte dos casos, há um histórico de transtornos mentais, diagnosticados ou não: depressão, ansiedade, esquizofrenia, bipolaridade, borderline (de comportamento impulsivo e compulsivo), entre outros. E como fazer, quando, na Grã-Bretanha, estudo apontou que 54% dos indivíduos que se suicidaram não tinham sido diagnosticados com problemas mentais?

A crise dos adolescentes

Adolescentes cujos pais são distantes (no relacionamento) e raramente interessados em como se sentem têm pensamentos suicidas muito maiores do que aqueles com mais atenção dos pais, de acordo com um estudo divulgado em dezembro de 2017, na França. Este estudo revela que as crianças entre as idades de 12 e 17 anos são significativamente mais propensas a pensar em suicídio ou a fazer uma tentativa se seus pais não mostram afeição suficiente por eles, segundo artigo publicado na revista La Presse, de Paris.

"As crianças precisam saber que alguém está lá para elas e, infelizmente, muitas delas não sentem esse apoio, o que é um grande problema", disse Keith King, professor da Universidade de Toronto. Cincinnati, co-autor deste trabalho, apresentado na conferência anual da American Public Health Association, em Atlanta. Os adolescentes são mais sensíveis aos pais aos 12 e 13 anos, disseram os pesquisadores, que conduziram uma nova análise dos resultados de uma pesquisa nacional sobre uso de drogas e saúde.

Nessas idades, aqueles cujos pais nunca ou raramente disseram a seus filhos que eles têm orgulho deles eram cinco vezes mais propensos a pensamentos suicidas e quase sete vezes mais propensos a tentar o suicídio.

Esse parece ser o problema que está por trás de muitas tentativas de suicídio registradas na Europa. Quando as autoridades começaram a pesquisar as causas do aumento de suicídio de adolescentes em Londres, a psicoterapeuta de adolescentes Valentina Levi disse: "As pessoas são muito mais pressionadas aqui do que em outras partes do Reino Unido. Os pais são menos capazes de priorizar dificuldades porque eles estão sob um forte estresse (ou ausentes). Esse estresse passa de uma geração para outra, de modo que o dano é permanente. "

A profissional disse que tinha sido "inundada" com casos de saúde mental durante o ano passado e ela estava preocupada com os trabalhadores da linha de frente ou superiores, que só foram capazes de ver um pequeno número de jovens em risco.

Para Stephen Habgood*, “o estigma que existe em torno do suicídio impede especialmente que os jovens busquem a ajuda e o apoio de que precisam. Mas muitos suicídios são evitáveis e remover o estigma em torno do suicídio é fundamental para reduzir o número de pessoas que tiram a própria vida. A nossa linha de apoio recebe milhares de chamadas por mês de jovens que estão aflitos, juntamente com pais e cuidadores que não têm ideia de como lidar com uma criança suicida. É hora de levarmos o suicídio a sério. Sendo honestos sobre o número de pessoas que acabam com a própria vida, poderemos manter muito mais jovens vivos.”

*Stephen Habgood é diretor da instituição de caridade Papyrus, dedicada a prevenir o suicídio de jovens.

**Clay Routledge é professor de psicologia na North Dakota State University e autor do livro “Supernatural: Death, Meaning, and the Power of the Invisible World.”

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Suicídios têm aumentado. Isto é uma crise existencial?***

Por Dr. Clay Routledge, cientista de comportamento.**

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças recentemente divulgaram novas estatísticas surpreendentes sobre o aumento das mortes por suicídio nos Estados Unidos, que aumentaram 25% desde 1999 na maioria dos grupos étnicos e etários. Esses números apontam claramente para uma crise - mas de que tipo?

Muitos argumentam que esta é uma crise de cuidados de saúde mental, que as pessoas não estão recebendo os serviços de que necessitam. A solução proposta é melhores terapias, antidepressivos mais eficazes e maior acesso ao tratamento.

Essa avaliação pode estar correta. No entanto, a taxa de suicídio aumentou mesmo quando mais pessoas procuram tratamento para depressão e ansiedade, e mesmo quando o tratamento para essas condições se tornou mais amplamente disponível. Uma explicação adicional parece ser necessária.

Como um cientista comportamental que estuda as necessidades psicológicas básicas, incluindo a necessidade de significado, estou convencido de que a crise suicida de nossa nação é, em parte, uma crise de falta de sentido. A abordagem completa exigirá uma compreensão de como as mudanças recentes na sociedade americana - mudanças na direção de um maior desapego e um sentimento mais fraco de pertencer - estão aumentando o risco de desespero existencial.

Como outros organismos, os seres humanos estão no jogo de sobrevivência e reprodução. Temos uma forte orientação para viver - isto é, para evitar a morte. No entanto, o mecanismo neurológico que nos ajudou a sobreviver também nos tornou distintamente ruminativos. Nossa capacidade de refletir sobre nós mesmos, pensar sobre o passado e o futuro e se envolver em pensamentos abstratos nos deu acesso a algumas verdades desconfortáveis: sabemos que todos nós e com quem nos preocupamos envelheceremos, ficaremos mais frágeis e morreremos. Nós reconhecemos que a vida é incerta. Nós entendemos que dor e tristeza são parte do nosso destino. Qual é o sentido disso tudo?

A fim de manter a ansiedade existencial à distância, devemos encontrar e manter as percepções de nossas vidas como significativas. Somos uma espécie que se esforça não apenas pela sobrevivência, mas também pelo significado. Nós queremos vidas que importam. É quando as pessoas não conseguem manter o significado  que elas se tornam mais vulneráveis psicologicamente.

Estudos empíricos confirmam isso. Uma falta sentida de significado na vida de uma pessoa tem sido associada ao abuso de álcool e drogas, depressão, ansiedade e - sim - suicídio. E quando as pessoas experimentam perdas, estresse ou trauma, são aquelas que acreditam que suas vidas têm um propósito, que são as mais capazes de lidar e recuperar-se da angústia.

Como encontramos significado e propósito em nossas vidas? Existem muitos caminhos, mas a literatura psicológica sugere que relacionamentos próximos com outras pessoas são nosso maior recurso existencial. Independentemente da classe social, idade, sexo, religião ou nacionalidade, as pessoas relatam que as experiências de vida que elas consideram mais significativas geralmente envolvem os entes queridos.

Criticamente, os estudos indicam que não é suficiente simplesmente estar por perto ou até gostar de outras pessoas. Precisamos nos sentir valorizados por eles, sentir que estamos fazendo contribuições importantes para um mundo que importa. Isso ajuda a explicar por que as pessoas podem se sentir sozinhas e sem sentido, mesmo que sejam regularmente cercadas por outras pessoas que as tratam bem: encontros sociais simplesmente prazerosos ou agradáveis não são suficientes para afastar o desespero.

Tudo isso nos leva à paisagem social em mudança da América. Para lamentar o declínio da vizinhança, o encolhimento da família e o papel decrescente da religião podem soar como a reclamação de um velho excêntrico. No entanto, do ponto de vista da ciência psicológica, essas mudanças, independentemente do que você pensa sobre elas, representam sérias ameaças a uma vida de significado.

Considere-se que os americanos de hoje, comparados com os das gerações passadas, têm menos probabilidade de conhecer e interagir com seus vizinhos, acreditar que as pessoas são geralmente confiáveis e sentir que têm indivíduos em quem podem confiar. Esse é um desenvolvimento preocupante de uma perspectiva existencial.  Estudos têm mostrado que quanto mais as pessoas sentem um forte senso de pertencimento, mais elas percebem a vida como significativa. Outros estudos mostraram que pessoas solitárias consideram a vida menos significativa do que aquelas que se sentem fortemente ligadas aos outros.

Algo semelhante está em jogo no tamanho decrescente da família. Os americanos hoje estão esperando mais tempo para casar e ter filhos, e estão tendo menos filhos. Este pode ser um estado de coisas desejável para muitas pessoas (embora as evidências sugiram que as mulheres americanas estão tendo menos filhos do que querem). No entanto, os pesquisadores descobriram que os adultos com crianças são mais focados em questões de significado do que os adultos que não têm filhos, e que os pais experimentam uma maior sensação de significado quando estão envolvidos em atividades que envolvem cuidar de crianças.

Quanto à religião, que por muito tempo forneceu o andaime institucional e social para uma vida de significado, também está em declínio acentuado. Os americanos hoje em dia, especialmente os jovens, têm menos probabilidade de se identificar com uma fé religiosa, frequentar a igreja ou se engajar em outras práticas religiosas. Mas, como minha pesquisa mostrou, o senso de significância fornecido pela religião não é tão facilmente replicado em contextos não religiosos: quando os americanos abandonam as casas tradicionais de culto, eles procuram cada vez mais por experiências religiosas alternativas (incluindo aquelas envolvendo fantasmas ou alienígenas espaciais). para se sentirem parte de algo maior e mais significativo do que suas breves vidas mortais.

Há até razão para pensar que a crise existencial americana pode estar contribuindo para nossas divisões políticas rancorosas. Estudos mostram que, quando apresentadas a ideias existencialmente ameaçadoras (como lembranças de sua mortalidade), as pessoas respondem com um viés crescente em relação à sua própria visão de mundo, particularmente se não estão encontrando sentido em suas vidas através de outras fontes. Desta forma, nossa cultura política fragmentada pode ser alimentada não apenas por desacordo ideológico, mas também por uma busca desesperada, comum a todas as almas perdidas, para encontrar significado em qualquer lugar que pudermos.

Tradução: João José Forni

**Clay Routledge é professor de psicologia na North Dakota State University, Fargo, Dakota do Norte, EUA e autor do livro “Supernatural: Death, Meaning, and the Power of the Invisible World.”

***Artigo publicado no jornal The New York Times, de 23/06/18.

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