"Robert Kennedy acreditava que a mudança começa com as ações de uma única pessoa, e se pessoas suficientes se juntarem, elas podem mudar o curso da história." (Jason Clare)
Cada geração vive acontecimentos que a marcam para sempre. Quem não lembra de 11 de setembro de 2001, o momento assistido ao vivo, pela TV, em que o World Trade Center se dissolve como se fosse um prédio implodido? A geração que era adolescente ou adulto na década de 1960 jamais esquecerá o dia do assassinato do presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, em 1963. Como de seu irmão, Robert (Bobby) Kennedy, quase 5 anos depois, na manhã de 6 de junho de 1968. 50 anos atrás.
Por que o assassinato de um político nos EUA impactava tanto um país sul-americano, com todas as diferenças culturais que nos marcam? Porque, bem diferente dos dias atuais, os EUA pós-guerra de certa forma simbolizavam o guardião da paz mundial contra o ameaçador império soviético. Não esquecer que na década de 1960 o mundo era dividido pela Guerra Fria em Ocidente (o bem) e Oriente (o mal). Essa era a imagem. Uma agressão aos EUA era de certo modo um atentado a toda a América, ao mundo livre. Bobby morreu na manhã de 6 de junho de 1968, pouco depois de ter vencido as primárias da Califórnia, pela indicação como candidato democrata a presidente. Depois de discursar, na noite de 5 de junho, ele foi atravessar a cozinha do Ambassador Hotel, em Los Angeles, para cumprimentar empregados e admiradores. E foi atingido por vários tiros disparados quase à queima roupa pelo imigrante Sirhan Bichara Sirhan, que cumpre prisão perpétua em Los Angeles. Bobby era pai de 10 filhos, sendo que o 11º nasceu pouco depois de sua morte. Os EUA tiveram que enfrentar novamente o pesadelo de um político assassinado, pouco tempo depois da morte do líder negro Martin Luther King.
Para entender a importância da chamada “dinastia dos Kennedy” para os Estados Unidos e o mundo, principalmente a América Latina, especialmente a figura de Bobby Kennedy, vale ver o documentário em 4 capítulos, recém lançado pela Netflix, “Bobby Kennedy for President”.
Um político precoce
O jovem Bobby Kennedy começou na política ao coordenar a campanha vitoriosa do seu irmão à presidência, no início dos anos 60, numa batalha contra Richard Nixon. John Kennedy ganhou a eleição por margem apertada, mais pelo charme de ser jovem, católico, rico e com a imagem de vencedor. A partir daí, ao desempenhar o cargo de Procurador-Geral do governo do irmão, semelhante ao cargo de Ministro da Justiça no Brasil, Robert Kennedy se transformou no conselheiro preferencial do presidente. Principalmente nas crises que surgiram no governo democrata de John Kennedy: guerra fria e as relações complicadas com a União Soviética, a construção do Muro de Berlim, a crise dos mísseis em Cuba, a Guerra do Vietnã, batalhas pelos direitos civis dos negros, a morte de Luther King e tantas outras.
O assassinato de Robert Kennedy chocou os EUA e o mundo não apenas porque repetiu a tragédia do seu irmão, cinco anos depois. Mas também porque o jovem Kennedy era a esperança de resgatar tudo que foi aparentemente perdido com a morte do irmão, que tinha uma aprovação de 70% do povo americano, quando foi assassinado. O crescimento do prestígio do jovem político de 42 anos deu uma nesga de esperança à América, assolada por crises políticas, raciais e religiosas. A viagem de trem, da Califórnia a Washington, com o corpo de Robert Kennedy, se transformou num dos espetáculos mais emocionantes que os americanos já presenciaram para homenagear uma figura pública morta. Milhares de pessoas se postavam nas estações ferroviárias ou à beira dos trilhos para saudar a passagem do trem, acenando com lenços, flores ou as mãos.
O membro do Parlamento britânico Jason Clare, representante de uma região da Austrália, resumiu muito bem quem era Bobby Kennedy, em artigo publicado no jornal The Guardian, de Londres, no dia 5.
O mundo que Bobby Kennedy esperava ainda não está aqui
“A maioria dos políticos tem um herói político. Alguém que eles admiram. Alguém que eles gostariam que fosse tão bons quanto. O meu morreu há 50 anos esta semana. Assassinado em uma cozinha em um hotel californiano.
“Seu pai o chamava de nanico. Seus inimigos o chamavam de implacável. Seu irmão o chamava de Black Robert. Nós o conhecemos como Bobby.
“Quando morreu, o mesmo aconteceu com o sonho de Camelot, de outro Kennedy na Casa Branca. Mas Bobby não era apenas outro Kennedy. Ele era diferente do seu famoso irmão.
“Para começar, ele era mais baixo. Mas ele também era mais duro. Jack escreveu um livro sobre coragem política. Bobby tinha em espadas. Ele mexeu com todo mundo, desde Jimmy Hoffa (o controvertido líder do sindicato dos caminhoneiros, nascido no Brasil) até a máfia, passando por segregacionistas brancos.
“Ele também tinha uma bússola moral mais clara do que seu irmão mais velho. Quando o mundo estava à beira da guerra nuclear por 13 dias, em outubro de 1962, foi Bobby quem convenceu seu irmão a não bombardear Cuba. Com as memórias de Pearl Harbor ainda frescas, ele disse ao JFK que a América não lançou ataques furtivos. O presidente seguiu seu conselho e provavelmente evitou uma guerra nuclear. Foi também Bobby quem o instou a atuar em direitos civis.
“Quando seu irmão morreu, Bobby poderia ter sumido, para nunca mais ser visto. Mas ele não fez isso. Em vez disso, ele usou sua fama e seu nome para iluminar as partes mais negras da América. Sobre pobreza e preconceito. Sobre as crianças que morrem de fome no país mais rico do mundo. Sobre a situação dos trabalhadores agrícolas migrantes que escolheram, mas não compartilharam da recompensa nacional e no que ele chamou de "desgraça nacional" - a desesperada privação sofrida pelos nativos americanos.
“Numa época em que os Estados Unidos se desintegravam durante uma guerra, estava perdendo no Vietnã e americanos negros e brancos brigavam nas ruas em casa, Bobby Kennedy também tentou reunir as pessoas. Se você ainda não viu, assista o discurso que ele fez em Indianápolis na noite em que Martin Luther King morreu. Nenhum outro homem branco poderia ter feito esse discurso. Naquela noite, incêndios queimaram em mais de 60 cidades por toda a América, mas Indianápolis estava quieta.
“Como qualquer político, ele cometeu erros. Um grande problema foi a decisão que ele tomou quando ele era procurador-geral para gravar o telefone de Martin Luther King. Ele também admitiu que a guerra que ele tentou terminar no Vietnã, ele também ajudou a começar.
“E, como a maioria dos políticos, ele era ambicioso - mas era ambicioso com um propósito.
“Na África do Sul, em 1966, nas profundezas do apartheid, ele disse a um grupo de estudantes universitários: “Cada vez que um homem defende um ideal, ou age para melhorar o bem dos outros, ou se opõe à injustiça, ele envia um pequena ondulação de esperança”.
“Isso basicamente resume Bobby Kennedy. Ele acreditava que a mudança começa com as ações de uma única pessoa e que, se pessoas suficientes fazem a mesma coisa, elas podem mudar o curso da história.
“O mundo que ele esperava ainda não está aqui. O apartheid desapareceu, mas a pobreza e o preconceito ainda estão aqui. A divisão entre ricos e pobres e negros e brancos ainda existe - e não apenas na América. Isso não significa que ele estava errado. Significa apenas que precisamos nos esforçar mais. “Nunca saberemos o que teria acontecido se Bobby Kennedy não tivesse passado pela cozinha há 50 anos, se teria ganho a indicação democrata, se teria se tornado presidente ou se teria sido bom.
“Mas sei que precisamos de mais pessoas como Bobby Kennedy. Não apenas na política. Em toda parte. Mais pessoas tentando nos unir. Mais pessoas dispostas a agir para melhorar a vida dos outros. Mais pessoas procurando o que Lord Tennyson chamou de “um mundo mais novo”. Mais pequenas ondulações de esperança."
Tradução: JJF
Fotos: Andrew Sacks/Getty Images; Revista Time e Bettmann Archive.
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