Se existe um tema bastante polêmico, quando se trata de gestão de crises, é o entendimento de que a crise pode ser uma “oportunidade”. Muitos especialistas discordam desse princípio, alegando que não é preciso esperar uma crise para a empresa fazer os ajustes e correções ou descobrir novas oportunidades, sendo preferível que isso seja feito em momentos e cenários positivos. A crise certamente implicará uma sacudida na empresa. Mas a que preço? Associa-se também esse mantra ao ideograma chinês para a palavra crise. O mesmo ideograma que representa a crise, também significaria oportunidade.
Polêmicas à parte, há alguns autores que apontam o gerenciamento de problemas (issues management), que podem se transformar em crises, como uma oportunidade para as organizações. Aí sim. Detectada a ameaça, seria ali a oportunidade para dar uma virada no cenário e aproveitar essa situação para fazer correções e se fortalecer, antes que a verdadeira tempestade chegue. Essas ações, é importante dizer, não têm o condão de evitar a crise. Mas, se ela chegasse, a organização estaria preparada para enfrentá-la, saindo mais forte.
Melissa Agnes, especialista em gestão de crises, no Canadá, autora do livro Crisis Ready, diz que o aparecimento de ameaças ou da crise propriamente dita é uma “oportunidade de desenvolver relacionamentos muito sólidos com os stakeholders, criar confiança e credibilidade da marca no mercado e fortalecer a cultura, a produtividade e a lucratividade da empresa.”
Especificamente quanto à crise do Facebook, a especialista diz que infelizmente para o Facebook, a crise da Cambridge Analytica, que a rede está gerenciando agora, é o resultado direto de um problema mal administrado por anos. Isso não apenas significa para a organização desafios de impacto severo que agora ela tem que enfrentar para continuar a trajetória de sucesso, mas toda essa situação é uma grande oportunidade perdida para o líder de mídia social.
Oportunidade perdida pelo Facebook
Segundo Melissa Agnes, durante anos, o público em geral tem vivido, na maior parte, sob a ilusão de que os sites de mídia social gratuitos são de fato “gratuitos” e que eles tinham controle sobre os dados dos usuários, sobre todas as informações que compartilham e as ações que realizam com esses dados. “É fácil clicar em "aceitar" sem realmente ler as longas políticas de privacidade e termos de uso que exigem nosso “aceite” antes de aderir a essas plataformas, e é ainda mais fácil não tomar conhecimento das alterações feitas nessas políticas ao longo dos anos. Também é fácil falar sobre Facebook, Twitter, Gmail, Instagram ou Snapchat sem questionar o que está acontecendo no fim do processo.
Quantos usuários realmente pressionaram o Facebook para ser transparente com a política de privacidade, desde que rede foi criada? Segundo Melissa, “o Facebook estava bem ciente dessa realidade - assim como o Google, o Twitter e todas as outras redes de mídia social e aplicativos que são líderes nesse momento. E certamente pode ser tranquilo conduzir negócios em um ambiente de desconhecimento que lhe permita evitar conversas impactantes e voar em céu de brigadeiro, enquanto arrecadam bilhões de dólares de receita ano após ano."
No entanto, diz a especialista, parte do princípio de estar pronto para a crise significa você estar altamente sintonizado com os riscos que afetam a organização, e que você tenha uma cultura que procura mitigar esses riscos de forma proativa, a ponto de transformá-los em oportunidades que fortalecem a confiança e a credibilidade dos stakeholders em sua marca. Ou seja, a resiliência nos períodos de crise acaba sendo uma qualidade valorizada pelos clientes e empregados.
Aparentemente, diz a articulista, “o Facebook está sendo perseguido pelo Congresso americano e enfrentando ações coletivas por sua falha em gerir eficazmente esta questão ao longo dos anos. Uma questão que era responsabilidade e dever deles administrar, como Zuckerberg percebe abertamente. Eles também estão perdendo a confiança de sua comunidade, que sente - por direito ou não - que foi enganada e manipulada durante todo esse tempo.”
Com as regulamentações sobre privacidade e proteção de dados, e o mal-entendido geral tanto do público quanto dos legisladores em relação à coleta e uso de dados pelo Facebook (e outras plataformas), essa era uma questão que – mais cedo ou mais tarde - viria à tona e levaria a maior rede social se ver enredada numa teia de desmentidos e denúncias que a colocam sob um rigoroso escrutínio das autoridades e dos usuários. É cedo para saber até que ponto a rede irá se recuperar da chamuscada provocada por essa crise. Que só não foi maior pela pronta intervenção do CEO da rede.
Uma crise até certo ponto previsível
Para Melissa Agnes, “essa crise era previsível. Inevitável, até mesmo, e uma questão de "quando". E não de "se". Nesse caso, quando você permite que numa perspectiva clara de crise, o risco não foi levado em conta, deveria ter sido previsto e levado a sério, não apenas você colocou sua empresa em sério risco, mas também acabou perdendo algumas oportunidades importantes.
Segundo Agnes, “por exemplo, o que aconteceria se Zuckerberg tivesse avaliado esse provável cenário de alto risco e usado conscientemente, não apenas para atenuar todo o fiasco da Cambridge Analytica - que era altamente viável - mas posicionasse o Facebook como líder no fornecimento de acesso fácil aos usuários para ter uma melhor controle sobre seus dados? Em outras palavras, tomar de forma proativa, sem interferir na forma atual, as ações que eles estariam comprometidos a realizar de qualquer maneira.” Essa seria uma forma de dar um recado para o público: não se preocupe, nós estamos cuidando de sua privacidade e de manter a rede comprometida com a segurança.
Tudo isso, feito de forma estratégica e transparente - em vez de se esconder por trás das políticas de uso que eles sabiam que não eram lidas, o que significa que o risco de as pessoas sentirem uma sensação de fraude e violação era inevitável - essa mentalidade e abordagem não teriam prejudicado o sucesso de seu modelo de negócios, ao mesmo tempo em que aumentaria a confiança e a boa vontade dos stakeholders na plataforma, em vez de a marca sofrer com a perda de confiança e credibilidade que eles estão experimentando agora.
Para entender a crise
O Facebook enfrenta a maior crise de sua história, após a divulgação do escândalo da Cambridge Analytica (CA), em meados do mês de março. Os jornais The Guardian e The New York Times divulgaram que a empresa de marketing político comprou os dados de mais de 50 milhões de usuários que um professor universitário havia coletado em um "quiz"* acadêmico, e usou as informações para influenciar os resultados da eleição que elegeram Donald Trump e resultaram na saída do Reino Unido da União Europeia. Fala-se até em vazamento de dados de 80 milhões de usuários.
Essa crise de imagem do Facebook foi parcialmente responsável pela perda de US$ 58 bilhões em valor de mercado da companhia em apenas uma semana. Após o depoimento do CEO do Facebook, Mark Zuckerberg no Congresso americano, a gigante da Internet recuperou parcialmente o valor de mercado.
Uma das medidas globais anunciadas por Zuckerberg para atenuar a perda no valor da empresa foi a criação de uma página que centraliza as configurações de controle de segurança e privacidade do usuário.
Atualmente, as opções de personalização do tratamento de dados estão divididas em dezenas de abas diferentes. No Brasil, o Facebook anunciou a quebra da parceria de dois anos com o Serasa Experian, que auxiliava a plataforma na segmentação de usuários por renda.
*Quiz: um teste de conhecimento; questionário; um briefing com perguntas, dado a estudantes.
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