Um acidente grave é o que de pior pode acontecer a uma empresa aérea. Em alguns casos, a companhia não consegue superar. O desgaste na imagem e os prejuízos são tão elevados que a empresa nunca mais volta a ser a mesma. Isso aconteceu com companhias que acabaram desaparecendo, como TWA e Pan Am, nos EUA.
Ou tiveram extremo desgaste, como a Swissair, após a queda de um MD 11 na costa do Canadá, em 1998. Ainda outras, como a Tam, Gol, Varig, Ibéria, American Airlines enfrentam passivos elevados, comprometendo o desempenho financeiro das empresas por muitos anos. Portanto, um acidente é sempre um acontecimento traumático, tanto para as famílias das pessoas envolvidas, quanto para a empresa aérea, não importa o número de vítimas.
No caso do voo AF 447, da Air France, desde os primeiros momentos a empresa tem divulgado comunicados objetivos e comedidos sobre o desaparecimento do Airbus e, depois, sobre as providências de resgate do avião e dos corpos dos passageiros. A Air France não atropelou as autoridades francesas, nem as brasileiras. Aqui no Brasil, houve algumas queixas de parentes sobre atendimento. Mas foram queixas pontuais, não representando a opinião de todos os familiares. Nesses momentos, no início sempre há alguma confusão. A ansiedade dos parentes em confirmar o acidente e a precaução das autoridades em não confirmar dados sem comprovação não caminham na mesma velocidade. O isolamento dos familiares recebeu algumas críticas, mas é uma providência que procura preservar a intimidade das famílias num momento de dor. E sabemos como a imprensa é indiscreta nessas ocasiões. Perguntas cretinas, como “O que a senhora está sentindo?”, após uma mãe perder uma filha num acidente, não são raras na boca dos jornalistas.
Todos os especialistas asseguram que a primeira coisa que se deve cuidar nas crises são as pessoas. Crises são, prioritariamente, problemas humanos e, depois, materiais. Ou seja, as empresas envolvidas em situações graves de crises não podem errar quando se trata de dar conforto, recursos e apoio às pessoas atingidas, direta ou indiretamente.
Pelo que a imprensa tem divulgado até agora, a Air France foi rápida e ágil em montar uma estrutura, tanto na França, quanto no Brasil, para receber os parentes, oferecendo transporte, acomodação e deslocando equipes de psicólogos, médicos e assistentes sociais para dar apoio às famílias. O gabinete de crise nos dois países tem funcionado corretamente. Não se medem esforços, nem recursos financeiros para atender aos familiares. As notas à imprensa obedeceram a um cronograma rigoroso, na medida em que havia alguma informação nova na descoberta e posterior resgate do avião acidentado. A Air France foi extremamente discreta nos dados, providência acertada em momento bastante delicado para inúmeros familiares e para a própria empresa. Ela também foi ágil em organizar cerimônia religiosa em homenagem aos desaparecidos. O Presidente da França e o Vice-Presidente do Brasil também demonstraram sensibilidade ao visitar parentes nos aeroportos do Rio e de Paris.
O mesmo não se pode dizer de algumas autoridades brasileiras. O Ministro da Defesa, Nelson Jobim, precipitou-se ao admitir que as peças encontradas eram do Airbus. Além disso, falando sobre o que não entende, admitiu que a mancha de óleo avistada no mar descartaria a possibilidade de o avião ter explodido. Pura bobagem, dizem agora os especialistas e os franceses. A mancha não é de querosene do avião, mas possivelmente vazada de algum navio. A Aeronáutica, passados cinco dias do acidente, não recolheu qualquer peça que comprove ser do avião. Isto é, estamos na estaca zero. Os franceses, sempre mais comedidos, criticaram a precipitação do ministro. Eric Derivery, porta-voz do Sindicato dos Pilotos da França, afirmou que os comentários do ministro, mais do que precipitados, são errados. Segundo ele, quando uma aeronave sofre explosão em pleno vôo, partes importantes da fuselagem podem ficar inteiras, contrariando as conclusões apressadas do ministro.
A emissora TV TF1, a mais importante da França, chamou o ministro Jobim de “bavard”, que em francês quer dizer “indiscreto” ou “falador”. Ou seja, falou na hora errada e do que não sabia. Outra emissora admitiu que “a França é mais prudente antes de falar”. O Ministro quase teve uma síndrome de Denise Abreu, a loquaz ex-diretora da Anac que falou bobagens quando do acidente com o avião da Gol, em 2006. Ele deu palpites até mesmo sobre a anatomia dos cadáveres, o que no mínimo é desumano e inapropriado, quando até o momento em que ela deu entrevista nenhum corpo havia sido achado. Nas crises graves, como ocorre nesse acidente, porta-vozes devem ser extremamente cautelosos.
Quando se trata de autoridade, a precaução deve ser ainda maior. Mas no Brasil ministros e diretores de origem política, alguns mais loquazes do que deveriam, correm para as câmeras e não perdem a ocasião de aparecer. Falam do que não sabem. Aparecem especialistas em aviação de todos os calibres. A mídia também é responsável, porque não faz uma triagem, colocando opiniões divergentes e simplórias no ar. Sem qualquer critério. Qualquer pessoa que passar por perto do repórter e acenar que entende de aviação, é pescado para entrevista.
Os familiares dos passageiros ficam à mercê dessas declarações desencontradas, o que aumenta o drama, principalmente quando não há notícias concretas e explicações técnicas sobre o acidente. Ministros nem deveriam dar entrevista nessa hora. Devem deixar para os técnicos. Mesmo assim, estes também falam bobagens. O porta-voz da Aeronáutica, empolgado por inúmeros microfones em Fernando de Noronha, deu descrições pormenorizadas dia 3 (quarta-feira) sobre uma peça de sete metros, apenas avistada por um dos aviões. Fez especulações junto com os jornalistas, que também opinam sobre o que não sabem. Resultado, essa peça até sexta-feira não foi recolhida e nem se sabe se pertence ao avião.
A comunicação dessa crise começou a se complicar tanto, que na sexta-feira (dia 5), Marinha e Aeronáutica emitiram um comunicado tentando unificar o discurso e evitar informações desencontradas. -A fim de evitar erros de interpretação na divulgação dos fatos relacionados às buscas da aeronave A-330 da Air France, o Comando da Marinha e o Comando da Aeronáutica decidiram que, a partir de hoje, os avistamentos na área de buscas serão divulgados apenas depois de identificados positivamente como destroços do voo AF 447.
Experiências anteriores com acidentes graves têm demonstrado que discrição e correção devem pautar o comportamento dos porta-vozes. Máxima que a Air France tem procurado seguir. Falar na hora errada ou sem embasamento técnico é um dos principais erros na gestão de crise. Além disso, a proliferação de porta-vozes quase sempre acaba em confusão. Até agora, no acidente do AF 447, o que se viu foi muita especulação e pouca informação. A mídia brasileira pelo menos deveria colaborar com a dor dos familiares e evitar a criação de factóides com base em entrevistas que servem mais para confundir do que para esclarecer.
(JJF)