*Mauro Segura
Imagem de marca se constrói em anos. E pode se destruir em instantes. Acidentes de percurso acontecem na construção da imagem de uma marca. E então, o que fazer? As variáveis não são todas controladas, o tempo de resposta pode ser desfavorável, o impacto pode ser grande e, por vezes, irreversível. Neste painel vamos discutir o imponderável e entender se há como preveni-lo e, num caso extremo, remediá-lo.
O parágrafo acima foi o ponto inicial da nossa conversa no painel sobre Crise e Imagem de Marca, que rolou no Wave Festival no Rio de Janeiro, no último dia 5 de abril. Eu fiquei com a parte fácil: fui o moderador. A parte difícil ficou com Kiki Moretti, CEO do Grupo In Press, e Edson Giusti, sócio e presidente da Giusti Comunicação. Eles foram os debatedores. Kiki e Giusti são profissionais reconhecidos e super experientes em gestão de marca e relações públicas, já tendo participado de projetos relevantes para reerguer a imagem de diferentes empresas. Minha missão foi simples: levantar a bola e jogar algumas cascas de banana para eles responderem.
Compartilho abaixo o resumo do que aprendi nesse painel, com muitas pitadas de minha parte sobre essa questão de crise de imagem em grandes organizações.
Estamos em crise?
Nenhuma crise é pré-anunciada. Ela vem de surpresa. Ninguém se sente plenamente preparado para lidar como uma situação adversa e muito menos para afirmar assertivamente se ela se transformará em crise. Quase sempre nesses casos rola um clima de desinformação, insegurança e confusão dentro das organizações porque as pessoas não conseguem entender os desdobramentos, a gravidade e os impactos criados num cenário pré-crise. A faísca de um potencial desastre pode vir de qualquer lado, dentro ou fora da empresa.
Portanto, não é prudente ignorar os fatos, especialmente por vivermos em uma era que as notícias correm como fogo em capim seco. Para grandes organizações, é necessário que exista um acompanhamento regular de vários canais, externos e internos. Estou falando do monitoramento das mídias tradicionais, como imprensa e das vias de relacionamento da empresa com o mercado, incluindo clientes, das mídias sociais e até uma visão do que os funcionários estão conversando internamente nos canais internos de comunicação. Certamente, nem todas as empresas conseguem fazer isso, mas o monitoramento contínuo é uma das formas mais eficazes para se identificar um burburinho ou um calor surgindo em alguma parte da organização.
As primeiras 48 horas
Tal qual um ser humano quando sofre um problema inesperado e sério de saúde, as primeiras horas do tratamento possivelmente definirão as consequências e evolução da situação. Portanto, as primeiras 48 horas são fundamentais para o enfrentamento de uma possível circunstância com potencial de crise.
Muitas vezes, as empresas negligenciam determinados fatos ou sinais e não avaliam adequadamente as possíveis consequências, por isso, é indispensável que exista uma pré-disposição das organizações em investirem tempo para avaliar os casos. Uma pequena notícia num jornal, uma fofoca mal explicada numa mídia social, um risco de greve, um consumidor insatisfeito, esses são pequenos casos que podem evoluir e se transformar em problemas mais sérios.
As organizações devem ter consciência de que fatos efêmeros, porém com potencial de impacto externo, precisam ser analisados rapidamente, com profundidade, para mitigar possíveis desdobramentos negativos e que áreas da empresa estejam preparadas para lidar com tais impactos. Ou seja, não senta em cima do problema, mesmo que ele surja pequeno, num momento inicial. Quando um problema é identificado, por mais que exista insegurança das consequências daquele fato, o time de gestão de crise deve ser acionado tal qual um médico de plantão, e deve agir imediatamente. Falemos desse time, a seguir.
Comitê de gestão de crise
Eu não gosto da palavra “comitê”, mas acho que aqui o nome cai bem. Em situações de crise, as empresas criam uma espécie de comitê para gestão da crise. O que acontece se esse time não estiver previamente definido? Não precisa responder, eu responderei por você: caos!
A melhor forma de lidar com uma situação de pré-crise é a organização estar minimamente preparada para tratar desses momentos. E isso começa pela existência de um time estabelecido com essa finalidade, que será convocado no instante zero em que uma situação especial for identificada. Idealmente, todas as áreas da empresa devem estar representadas nesse grupo, afinal, crises podem ser de todas as formas e origens. Um acidente na área fabril, uma greve no transporte público que impossibilita os funcionários de chegarem ao local de trabalho ou uma ocorrência de bullying dentro da empresa que se torna pública, esses são exemplos que envolvem diversas áreas de uma organização e com potencial de perturbar a paz de qualquer empresa.
Esse grupo tem que estar plenamente institucionalizado e organizado, com líder definido, substituto do líder, porta-vozes, papéis e funções de cada membro, frequência, forma e tecnologia para suportar as reuniões (presencial, remota etc), tudo isso deve estar previamente estabelecido para que não se perca tempo no caso de uma crise real.
O líder na crise
Em princípio, o líder desse comitê de gerenciamento de crise pode ser qualquer um. Muitas empresas optam pela liderança de comunicação para coordenar esse grupo, mas não acho que isso seja tão importante. O fundamental é a capacidade de mobilização do grupo em qualquer instante durante as 24 horas do dia, e que haja um claro senso de colaboração e coordenação para que os problemas sejam discutidos de forma madura e estruturada. É necessário que o time monte o “mapa” da crise e o faça ser rapidamente conhecido e entendido por todos os níveis da organização. O líder de comunicação tem um papel importante, porque em muitas situações existe um risco real de impacto na imagem da marca e a tomada de decisão tem que levar isso em conta. Por isso é comum, nas crises de grande impacto, que a área de comunicação tome a frente da situação, pelo simples fato de que o impacto da reputação muitas vezes é maior do que o impacto financeiro.
Plano para tratar a crise
Não basta o time de gestão de crise estar definido e seus integrantes terem responsabilidades atribuídas. Tem que haver um protocolo a ser seguido e muitas vezes as empresas chamam esse protocolo de “plano de gestão de crise” ou algo nessa linha.
Esse plano, além de conter as regras de formação do comitê de crise, deve conter um conjunto mínimo de procedimentos que ajudarão no tratamento de uma ocorrência. É recomendável que estejam contidos nesse plano as possíveis vulnerabilidades, os riscos conhecidos pela empresa e as estratégias recomendadas para tratá-las, bem como mensagens-chave para os diversos públicos envolvidos. Tudo isso é possível de ser estruturado e deixado em estado dormente, até surgir o momento da ativação do plano num cenário de emergência, a qualquer momento das 24 horas do dia, inclusive nos finais de semana.
Empresas mais estruturadas não têm apenas um plano detalhado e definido, mas também treinado. E isso se obtém fazendo simulações e testes práticos, o que ajuda muito a identificar pontos de atenção e ajustes nos procedimentos contidos no plano. Nenhuma organização pode ser negligente a ponto de não ter um plano base para gestão de situações adversas com risco de crise e danos à marca. Em tempos de mídias sociais, isso se torna ainda mais crítico.
Monitoramento
É difícil imaginar a gestão de uma situação de crise sem uma ajuda externa. Estou falando de um parceiro de comunicação e relações públicas, que tenha experiência e que possa agir como consultoria, bem como um contraponto às análises feitas pela empresa no enfrentamento de um pesadelo público. A pressão e a confusão em que as empresas se metem por conta de uma instabilidade mais séria, muitas vezes causam uma miopia que corrói uma análise equilibrada do contexto, prejudicando muito a tomada de ações. Ocorre a tradicional procrastinação das decisões, na esperança de que as situações se resolvam sozinhas, ou por conta de uma avaliação tímida das consequências de uma crise.
Segundo uma pesquisa da Weber Shandwick, 85% dos consumidores formam sua opinião sobre empresas baseados em como elas reagem em situações de crise. Portanto, tais situações precisam de ação imediata e acompanhamento.
Outra questão crucial que justifica um parceiro de relações públicas é o monitoramento da crise. As agências de comunicação têm ferramentas que são fundamentais para monitorar e avaliar a evolução de uma crise. Trabalhar com KPIs e metodologias específicas é exigência básica para avaliar se a gestão da crise está sendo bem conduzida. Crises não se resolvem apenas dentro das paredes da organização; é importante colocar a cara para fora, ver o que está se passando e agir. Parceiros experientes em relações públicas são fundamentais nessa atividade.
Papel da área de marketing
Tipicamente, em qualquer organização, a área de marketing ocupa uma cadeira no time de gerenciamento de crise. É importante que ocorra o entrosamento perfeito entre as áreas de marketing e comunicação quando o bicho pega. Em várias situações, quando a imagem da empresa passa por dificuldades, será necessário reavaliar os planos de marketing, alterar estratégias e, eventualmente, até suspender as campanhas, publicidade e qualquer atividade promocional que a empresa esteja rodando durante a crise. Aqui, o time de marketing precisará se submeter às decisões do time gestor da crise, aceitando que ocorrerão eventuais impactos nos negócios e atividades de marketing em andamento.
No mundo atual, as empresas cada vez mais usam as mídias sociais e o ambiente online como base para as suas atividades de marketing e relacionamento com seus clientes. Esses são canais altamente interativos com a sociedade, portanto, ao surgir uma crise, obrigatoriamente necessitarão de monitoramento constante. É comum que canais de relacionamento com consumidores se tornem o foco de uma crise e que ações específicas sejam necessárias.
Papel dos garotos propaganda
Muitas empresas adotam a estratégia de usar garotos propaganda ou influenciadores – digitais ou não – para criar vínculo da marca com o público. Normalmente, essa estratégia é construída e coordenada pela área de marketing.
Na maioria dos casos práticos de crise, esses garotos propaganda se calam e desaparecem da mídia, enquanto que o natural seria que esses personagens assumissem seu papel de porta-voz e se posicionassem em nome da empresa. No entanto, essa não é uma decisão trivial. Tudo seria mais simples se existisse no contrato entre partes alguma cláusula determinando condições e diretrizes para momentos de crise pública, de ambos os lados. Temos que considerar que um acontecimento público negativo com um garoto propaganda pode afetar a imagem de uma marca. Ou seja, um contrato estipulando um protocolo de entendimento e ação entre as partes é interessante para ambos.
Infelizmente, o que acontece na prática é o oposto: desorientação, desconfiança e, eventualmente, quebra de contrato. Mais uma vez, antecipação e planejamento são os melhores remédios.
O porta-voz numa situação de crise
A organização precisa ter um porta-voz para dar uma cara à empresa durante momentos de crise. Isso a gente aprende em qualquer “media training”. Nas crises recentes da Toyota e da GM, os presidentes das empresas apareceram como porta-vozes. No entanto, no caso recente envolvendo JBS e BRF, as empresas optaram em usar os seus próprios funcionários como porta-vozes e não altos executivos. Apesar de distintas, as duas estratégias são válidas e podem ser aplicadas dependendo do contexto.
É desejável que a empresa sempre tenha uma “cara”. Alguém com autoridade para falar publicamente pela organização, que seja acessível e disponível, com credibilidade e credencial. Uma empresa não pode definir alguém medíocre ou despreparado para atuar como porta-voz. Nem sempre o executivo mais alto na hierarquia é o mais adequado para falar pela empresa, às vezes, o executivo carece de carisma e empatia. Porém, é altamente recomendável que esse porta-voz seja relevante, que ocupe uma posição importante e de destaque na hierarquia da empresa. Isso faz diferença. Alguém com autoridade sempre pesa num momento de crise intensa. Não basta uma cara bonita, com uma voz doce e simpática. É preciso autoridade. Por isso, encontramos muitos casos práticos de crise de imagem onde o presidente encabeçou o posicionamento da empresa perante o público.
Público interno
Uma empresa com centenas ou milhares de funcionários tem um contingente enorme de vozes que podem influenciar fortemente a opinião popular. Segundo a pesquisa Trust Barometer, realizada anualmente pela Edelman Significa, as pessoas confiam mais no que as pessoas comuns falam, como elas próprias, do que nas palavras dos CEOs e presidentes das organizações. As pessoas levam mais em conta as opiniões individuais de pessoais comuns do que os depoimentos institucionais de líderes de organizações. Esse comportamento fortalece a importância de as empresas encararem seus funcionários como eventuais canais para levarem a mensagem da empresa para o mercado num momento de dano público. Por isso, as empresas têm que desenvolver um relacionamento transparente, honesto e rápido com todo seu time de funcionários. Ao surgir uma situação crítica, o melhor é tratar logo de expor o problema internamente, se posicionando e mostrando aos funcionários o caminho que a empresa estará seguindo. A força de trabalho, se engajada adequadamente, será um canal importante para levar a mensagem externamente.
No mundo das mídias sociais, independentemente da ação da empresa durante uma crise, os funcionários serão assediados para falar sobre o que está se passando dentro da organização, tendo ou não conhecimento do que está se passando. Portanto, é melhor eles falarem com consciência. A empresa sempre deve tratar qualquer funcionário como um potencial porta-voz e defensor da marca.
Mesmo que tenhamos um planejamento primoroso, detalhado e completo para lidar com a crise, tenha em mente que ele nunca será suficiente para evitar o desastre. Situações de crise sempre têm um custo e deixam cicatrizes. Apesar disso, considere que o investimento no planejamento pré-crise é essencial. Monte o grupo de gestão de crise com os melhores profissionais da empresa, invista tempo discutindo cenários e possíveis estratégias, treine, faça simulações, mesmo torcendo para que nunca seja preciso acionar tais planos. Porém, tenha certeza de uma coisa: se você nunca passou por uma situação de crise corporativa, espere porque algum dia ela virá. E nada melhor do que estar preparado para lidar com ela.
Quer saber mais sobre crises de imagem, como monitorá-las e tratá-las? Quer conhecer casos de crises reais? Minha dica para fechar esse post é você escarafunchar o melhor site de crises de comunicação do País. Estou falando do site Comunicação e Crise, do professor João José Forni. Essa é uma fonte de consulta riquíssima, plenamente disponível, com conteúdo de valor e inúmeros casos reais. Vale muito a pena gastar bastante tempo explorando todo o site. É um MBA completo.
*Mauro Segura, Diretor de marketing e comunicação da IBM Brasil. Formado em engenharia e análise de sistemas, com pós-graduação em marketing, possui mais de 25 anos de experiência em comunicação, marketing e vendas nas áreas de tecnologia e telecomunicações.
Este artigo foi publicado originalmente no site Meio e Mensagem, em 17/04/2017.