"Todas as empresas de transporte do mundo sabem o risco de ter um acidente grave. É um risco permanente e previsto. Mas não sabem onde e quando ocorrerá. Essa incógnita faz muitas vezes vítimas também nas empresas, que erram muito e não estão preparadas para entrevistas, atendimento psicológico aos sobreviventes ou aos parentes das vítimas e outras providências". A declaração é de João José Forni, em entrevista sobre a gestão da crise do acidente com o voo AF 447.
Entrevista sobre o gerenciamento da crise do acidente com avião da Air France do voo AF 447, em 31 de maio de 2009, concedida por João José Forni, para subsidiar trabalho universitário, em setembro de 2010.
Nesse momento de crise, as autoridades brasileiras, como Anac, Aeronáutica e Ministério da Defesa, trabalharam corretamente?
Eu fiz uma análise dessa crise logo após o acidente. Nas primeiras horas todas as empresas aéreas cometem erros. Alguns mais graves do que outros. No caso das autoridades brasileiras, pela experiência adquirida nos dois mais graves acidentes anteriores (Gol, em 2006 e Tam, em 2008), foram evitados procedimentos equivocados, como naquela ocasião. Entretanto, apesar da Aeronáutica ter ficado em silêncio nos primeiros momentos, o Ministro da Defesa e a Anac sempre teimam em dar entrevistas nessas ocasiões, como se fossem os donos da situação. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, errou, ou pelo menos se precipitou em anunciar que a Aeronáutica havia descoberto destroços do avião, quando ele ainda não tinha certeza disso. Poderiam ser pedaços de embarcações. Criou uma expectativa nos parentes das vítimas, sem necessidade.
A Aeronáutica, após entrevistas tumultuadas nos primeiros momentos, acertou, quando se articulou com a Marinha brasileira para haver um único porta-voz. Nos primeiros momentos havia muita gente falando sobre o acidente, além da empresa aérea. Esse é um procedimento não recomendado, nas crises graves.
A Air France teve problemas iniciais, por não ter uma estrutura adequada no Brasil. Esse também é um problema das empresas aéreas estrangeiras. O acidente aéreo tem uma peculiaridade que, se facilita a prevenção da crise, de um lado, pode prejudicar por outro. Todas as empresas de transporte do mundo sabem o risco de ter um acidente grave. É um risco permanente e previsto. Mas não sabem onde e quando ocorrerá. Essa incógnita faz muitas vezes vítimas também nas empresas, que erram muito e não estão preparadas para entrevistas, atendimento psicológico a sobreviventes, parentes das vítimas e outras providências. Além disso, por não ter estrutura nos locais onde o avião cai – até por ser um dado totalmente imprevisível – as empresas aéreas demoram muito tempo para montar uma estrutura adequada para dar explicações rápidas à imprensa e aos familiares das vítimas.
Você acha que a divulgação de notícias feita pelas fontes envolvidas foi eficiente? Por quê? Caso contrário, houve críticas?
Em parte já respondi na pergunta anterior. Houve críticas sim, num primeiro momento, à Air France, por concentrar informações em Paris e dar pouca assistência aos parentes. Como esse acidente teve uma característica peculiar, de ter acontecido em alto mar, longe da costa, ele não possibilitou um acompanhamento mais próximo. De certo modo isso facilitou o trabalho dos porta-vozes, que muitas vezes é prejudicado pelo tumulto que se cria em torno do local da queda.
Houve alguma notícia publicada sobre o caso que chamou sua atenção? Por quê?
Como mencionado, a entrevista do ministro da Defesa, precipitada, foi o maior erro. As autoridades sempre cometem esses erros, quando querem aparecer mais para a mídia do que o próprio fato. No acidente da Gol, em 2006, foram diretores da Anac e o presidente da Infraero que se precipitaram em dar entrevistas intempestivas e descontextualizadas, fato que contribuiu, depois, para derrubar uma diretora da Anac. A imprensa também comete erros, fazendo especulações, ouvindo “especialistas” que ficam apenas fazendo conjecturas sobre o que poderia ter acontecido. Muitas vezes isso não serve para esclarecer, mas muito mais para tumultuar a versão sobre o acidente.
Quais foram as possíveis falhas (ou equívocos) e acertos deste caso?
No princípio, havia muita informação desencontrada. Os parentes reclamam até agora que a empresa Air France não foi transparente. Mesmo com as dificuldades de encontrar respostas para o acidente, as empresas são meio arrogantes nas crises. Acham que não devem satisfação aos clientes e à opinião pública. Ela se sente vítima também. Mas há que se considerar que as maiores vítimas são os passageiros e os parentes. Eles precisam de assistência, aquilo que os americanos dizem que se deve ter nesses momentos: “simpaty” e “compassion”, palavras que a rigor não têm uma tradução efetiva para o português. É um sentimento de pena, mas agregado ao de querer ajudar. De sentir-se na obrigação de ajudar. Talvez no primeiro momento tenha faltado isso aos franceses.
Quanto às autoridades brasileiras, foram descompassos de várias fontes falando no início. Quando o ministério da Defesa percebeu isso, e foi rápido, concentrou as informações num único porta-voz, que passou a ser o representante da Aeronáutica. Foi quando melhorou a comunicação e o atendimento.
5- Você acha que a mídia confunde o papel da Anac e da Aeronáutica dentro do cenário aéreo? Elas já possuem uma imagem consolidada? E como a imagem delas pode ser rapidamente destruída? Essa confusão fica clara na cobertura da imprensa?
Não tenho dúvidas de que a mídia nunca entendeu o papel de vários intervenientes nesse processo: Anac – Agência Nacional da Aviação, Comando da Aeronáutica e seus vários departamentos que cuidam do tráfego aéreo e Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária-Infraero. Talvez só saiba o que a empresa aérea representa. Isso começou no acidente da Gol, em 2006. Na época, em artigo no meu site www.comunicacaoecrise.com, chamei a confusão propiciada pelas notícias desencontradas de “o apagão da mídia”.
Eles ouviam fontes desqualificadas e desautorizadas. Informações divergentes. Ajudou a causar mais confusão na cabeça de parentes, autoridades e opinião pública. Contribuiu muito para isso, no caso do acidente da Gol, o vácuo de poder que havia no ministério da Defesa. O Waldir Pires, Ministro da Defesa, estava rifado, ou seja, deveria sair, mas o presidente da República relutava e deu no que deu. Um apagão geral.
No caso da Air France foi diferente. Com os erros do passado, melhorou a divisão de atribuições. A Anac falou menos. A Infraero só informava o que lhe competia realmente. E a Aeronáutica assumiu, com a Marinha, o comando das operações. Foi um acidente atípico, como disse, por não ter sido em terra. A mídia não sabe que a Anac é a agência que regulamenta e fiscaliza. Não sabe que a Infraero comanda o aeroporto e a rigor não tem nada a ver com o acidente. Só se for por falha de equipamento ou instalações de sua responsabilidade. E a Aeronáutica sim, deve investigar as causas, dar apoio, resgatar mortos, etc.
Qual foi sua avaliação de como as coisas transcorreram no caso?
No caso da Air France creio que houve uma melhora significativa. Os deslizes que aconteceram não comprometeram o atendimento. Os parentes sempre reclamaram de que houve demora na confirmação dos mortos. Essa talvez seja a parte mais dolorosa e difícil para a empresa aérea. O perigo de errar é grande. Não pode se precipitar. A dificuldade da língua, a distância, tudo contribuiu para que a Air France demorasse nas confirmações, o que gerou críticas. Não há como confirmar as vítimas fatais, se não houver absoluta certeza e se os parentes ainda não foram avisados. Mesmo agora, passado um ano do acidente, por não ter acertado todas as indenizações e por não ter achado a caixa-preta nem ter uma explicação plausível para o acidente, a empresa vem sofrendo críticas. Mas no geral correu bem.