Os clientes hoje assumiram um poder incomparável com o existente no passado. As reclamações não ficam restritas ao balcão ou a um simples telefonema. Tomaram uma dimensão global, podendo se transformar em crises graves para as organizações. Ao virar uma crise, se a resposta ao cliente não for bem administrada, acaba sendo uma ameaça séria à reputação, o ativo mais precioso das empresas.
Entrevista de João José Forni à revista Venda Mais – Edição agosto 2014.
Por Francine Pereira
Qual é o impacto das reclamações na internet têm nas empresas atualmente?
A internet mudou a forma de os clientes se relacionarem com as empresas. Diferentemente do que acontecia no passado, em que as reclamações ficavam restritas à relação cliente x empresa, a rede mundial expôs a empresa de uma forma pública, bastante ameaçadora à sua reputação. No passado, os clientes recorriam à mídia tradicional. Cartas, telefonemas chegavam aos jornais ou às rádios, ou, mais raramente, à TV com queixas dos clientes, mas a exposição negativa ficava restrita àquela audiência.
Hoje, as reclamações tomam uma dimensão global, podendo se transformar em crise. Ao virar uma crise, se a resposta ao cliente não for bem administrada, acaba sendo uma ameaça séria à reputação, fatal à organização. A capacidade da internet de disseminar as queixas e reclamações expõe a empresa de uma forma extremamente deletéria. Um cliente insatisfeito tem o poder de multiplicar com muita facilidade uma queixa e, em alguns casos, transformar o fato num grande escândalo.
Para essa queixa se transformar num viral nas redes sociais, o caminho é muito rápido. Se tiver imagem impactante, piora, porque em poucos minutos a internet tem o poder de disseminá-la e realmente transformar uma pendência que poderia ser resolvida de forma amigável, numa tremenda crise. Basta um empregado insatisfeito vazar uma imagem negativa da empresa, para o estrago começar a ser feito.
De que maneira as empresas devem se preparar para lidar com as reclamações na internet?
Hoje não basta ter um SAC no site ou uma seção de “contatos”, nem mesmo por telefone. Estamos falando de serviços que funcionem, porque a maioria dos SACs ou “contatos”, pelo menos no Brasil, são lentos na resposta e não dão retorno no tempo e com a qualidade exigidos pelo cliente. No mundo da interconectividade, da velocidade da informação, lentidão significa não atender às demandas do cliente pelo menos em 24 horas. Com muita rapidez, porque ele quer presteza, efetividade e agilidade nas respostas. Recente pesquisa constatou que a expectativa de 30% dos clientes que reclamam na internet é receber a resposta em 30 minutos. Outros 30% esperam que a resposta chegue em 24 horas.
As empresas devem ter equipes muito bem treinadas em atendimento, além de um monitoramento da internet e das redes sociais. Hoje, não há como a empresa estar presente nas redes, sem monitoramento. Mas não adianta monitorar, contratar empresas para fazer esse trabalho, e não ter equipes treinadas e preparadas para dar respostas rápidas e apresentar soluções.
A palavra de ordem hoje no relacionamento com o cliente é “escutar, escutar, escutar”. O cliente quer ser ouvido e, mais do que isso, ter a queixa entendida e solucionada. Não soluções paliativas. Talvez seja essa a maior falha das empresas brasileiras hoje. Em alguns sites o cliente sequer acha um telefone ou email para reclamações nos primeiros contatos com o site; ou sequer o telefone da empresa; precisa ficar procurando, o que o deixa irritado e cada vez mais propenso a falar mal da empresa nas redes.
Em muitas empresas, não há preocupação em facilitar o contato do cliente, ao contrário, induzem-no a só contactar pela internet, quando esta muitas vezes também é falha ou lenta. O resultado é cliente insatisfeito, reverberando esse mau atendimento nas redes de relacionamento. Em resumo, ter mecanismos de controle e acompanhamento das reclamações e responder com rapidez.
Qual a importância da comunicação interna na resolução das reclamações na web?
O público interno precisa entender a importância do cliente para a empresa. Ele precisa valorizar o cliente como o elemento decisivo para produzir resultados para a organização. Erros no atendimento precisam ser disseminados na comunicação interna, inclusive com a divulgação da sanção imposta ao empregado que cometeu o erro, para que todos fiquem atentos e evitem repetir o deslize. Assim também com o empregado que atender bem, que tiver iniciativa de adotar procedimentos, até mesmo por conta própria, para facilitar ou resolver um problema relacionado com o cliente. A comunicação interna precisa disseminar esse tipo de atitude, criando uma cultura do “bom atendimento”.
Pesquisas realizadas pelo Institute for Crises Management dos EUA apontam que 80% das crises corporativas ocorrem por conta de erros e mau atendimento dentro das organizações. São as crises diretamente ligadas à gestão. Desses erros, em pelo menos 20% dos casos os empregados estão envolvidos. A comunicação interna, portanto, tem um papel decisivo na motivação, na qualificação, na disseminação da cultura do risco; o que significa transformar cada empregado num gerente de risco.
Se a empresa tem uma ameaça à reputação e aos negócios, por falhas no atendimento, a comunicação interna deve ser usada para mudar esses procedimentos. O que se percebe, pelo menos no Brasil, muitas vezes, é uma má vontade do empregado em solucionar o problema do cliente. Na hora da compra, este é tratado como rei. Depois, sente-se abandonado, como se ele pudesse ser descartável. E, naturalmente, ele vai para as redes sociais desabafar. No atual estágio da comunicação, o jornalista-cidadão tem um poder extraordinário, com mensagens, fotos do celular; qualquer cidadão, mesmo que não tenha canais de comunicação institucionalizados, pode fazer um tremendo estrago na reputação de uma grande empresa.
O que as empresas devem fazer ao serem alvos de reclamações nas redes sociais ou em sites como o Reclame Aqui?
Intervir imediatamente. A empresa não pode deixar que aquela reclamação se transforme numa marca negativa para a empresa. Pode até não ser verdade. Mas hoje, no mundo da comunicação digital, costuma-se dizer que uma mentira repetida milhares de vezes acaba se transformando numa verdade. Nas crises, as versões podem ser mais deletérias do que o próprio fato. Steven Fink, autor americano de livros sobre Crisis Management, diz que “na dura batalha entre percepção e realidade, a percepção sempre vence”. Como pode a empresa neutralizar isso? Sendo rápida e proativa na solução e na explicação sobre o fato negativo.
Ela deve cuidar do cliente num primeiro momento, procurá-lo, tentar solucionar. Se a queixa é improcedente, deve voltar à internet e às redes sociais e esclarecer que a reclamação não procedia e expor com clareza o motivo. Mas não pode deixar que uma queixa fique sem resposta.
A forma como as empresas reagem a essas queixas tem um peso extraordinário na preservação e fortalecimento da reputação da organização. Por que existem empresas que os clientes adoram? E outras que os clientes detestam? Estas, porque os clientes não tiveram ou não receberam atenção devida, quando precisaram. Principalmente nos momentos em que estavam vulneráveis e queriam uma resposta da empresa. Grande parte disso se deve ao despreparo da mão de obra. Mas isso não pode ser uma desculpa. Cada empregado representa a empresa. O cliente não quer saber se existe problema de mão de obra na empresa, se ela é desqualificada, mal treinada ou desinteressada.
As empresas podem ignorar as reclamações na internet? Por quê?
A empresa nunca pode ignorar uma reclamação na internet. Porque pode ser verdadeira, ainda que o cliente possa reclamar de coisas muito simples e que, às vezes, não são responsabilidade direta da empresa. A confiança do cliente numa empresa tem relação direta com a atenção que ela dá a suas queixas, principalmene no pós-venda. Se a reclamação do cliente não for procedente, a empresa deve esclarecer isso ao cliente e ao público. Nunca ignorar.
Todas as reclamações precisam ser respondidas? De que forma fazer essa filtragem?
Em parte essa pergunta foi respondida na questão anterior. Sim, todas as reclamações devem ser respondidas. E quando se fala em reclamação, significa também aquele desabafo nas redes sociais, na hora em que o cliente precisou da empresa ou, no momento, em que é “vítima” de um episódio negativo, como, por exemplo, no transporte público, com atrasos; na falta de empregados, quando chega ao balcão da empresa; ao não ser atendido ao telefone, quando procura o SAC; na troca de uma mercadoria, por defeito; na alteração de uma passagem; de um plano de saúde; de um plano de telefone. Tudo isso precisa ser respondido na hora. Como filtrar? Cada questão merece um tipo de resposta, mas em hipótese alguma a empresa pode ignorar a reclamação do cliente, não importa a área envolvida.
Como evitar crises geradas por reclamações na internet?
Fazendo uma boa gestão de riscos no atendimento. As crises advêm de mau atendimento ou do pós-venda mal administrado. Também têm origem em atos de gestão, como o empregado que cometeu erro, não foi detectado e o resultado aparece depois, em forma de crise. Um exemplo recente é a crise da montadora GM, nos Estados Unidos. Carros começaram a aparecer com defeito na ignição há cerca de dois anos; os motoristas procuraram as concessionárias e os empregados minimizaram o defeito, atribuindo a outros fatores que não à verdadeira causa. Faltou discernimento ao empregado para levar a queixa a sério e investigar.
Após 13 mortes em acidentes fatais com carros GM, a fiscalização americana resolveu investigar com mais profundidade e a empresa viu-se envolvida numa crise grave, já tendo demitido 15 executivos por conta desse problema, que parecia pequeno, no início, mas migrou para as redes sociais, e se tornou grave. A nova presidente da empresa assumiu em plena crise.
Como isso seria evitado? Se a GM tivesse levado a sério as queixas dos clientes. Provavelmente se os escalões superiores tivessem sido avisados. O que não significa também que não haveria crise. Às vezes os canais de comunicação interna são tão obstruídos ou burocráticos que o empregado não consegue levar adiante uma queixa desse tipo. E a direção nem chega a saber. Quando se dá conta, o probleminha se transformou numa crise com dimensões internacionais. E de consequências imprevisíveis.
Quais seriam os passos recomendados para lidar com uma crise de imagem na internet gerada a partir de uma reclamação ou crítica?
A primeira coisa é ter um comando firme, disposto a realmente fazer uma boa gestão da crise. Não minimizar o problema em momento algum. Não há boa gestão de crise de imagem sem o envolvimento do “board” da organização. Levar a sério, investigar, analisar todas as possibilidades. Não economizar, porque a economia de hoje, pode representar gastos vultosos depois, caso se comprove a culpa da empresa. A empresa deve assumir o comando da crise e não deixar a mídia ou as redes sociais comandarem a crise.
O que é assumir o comando? Investigar e explicar à opinião pública o que aconteceu, sempre proativamente, com rapidez. Desculpar-se com os clientes e assumir a culpa. A pior coisa numa crise é a empresa tentar fugir da responsabilidade e minimizá-la, tentar jogar a culpa em terceiros; ou perder a confiança do cliente, o que significa, por extensão, perder também a confiança do mercado.
Escolher um bom porta-voz, treinado, que possa dar uma explicação convincente à imprensa. Ter crises é normal na vida das organizações. Assumir a crise é diferente, quando há alguma parcela de culpa. Em geral, as empresas escorregam, tentam fugir. Elas tergiversam e não gostam de assumir a culpa. Nesses casos, a reputação não resiste. Acaba arranhada. Reputação arranhada significa perda de clientes, perda de negócios, prejuízo. A primeira coisa que um bom executivo deve preservar é o core business da organização, mesmo nos momentos mais negativos. O pouco caso com as reclamações dos clientes pode, a longo prazo, bater lá no core business da organização.
João José Forni, jornalista, Consultor de Comunicação, autor do livro "Gestão de Crises e Comunicação – O que gestores e profissionais de Comunicação precisam saber para enfrentar crises corporativas". Editor do site www.comunicacaoecrise.com.