O título deste artigo, reproduzindo um adágio popular, pode ser lido como uma máxima de gestão de crises, quando se trata de liderança. Mas também cabe como uma luva no episódio do naufrágio do iate Bayesian, do magnata britânico Mike Lynch, na Sicília, na semana passada. O iate de R$ 250 milhões era um dos mais caros e modernos do mundo.
O veleiro de bandeira britânica tinha 56 metros, pesava 473 toneladas e foi construído pelo estaleiro Perini Navi em Viareggio, na Itália, para realizar viagens de luxo. 12 passageiros e 10 tripulantes estavam a bordo nessa viagem. Entre eles, a família do magnata Mike Lynch (esposa e filha de 18 anos) do ramo da tecnologia, que organizou o cruzeiro, por vários países, com convidados especiais, comemorando a absolvição dele num processo, envolvendo a empresa Autonomy, que ele fundou e acabou vendida.
Lynch, que já foi elogiado pela imprensa do Reino Unido como o “Bill Gates da Grã-Bretanha”, foi o fundador da Autonomy, uma empresa de software que ele vendeu para a Hewlett Packard-HP por US$ 11,7 bilhões em 2011. A HP e os promotores dos EUA acusaram Lynch de usar técnicas de engenharia financeira para inflar artificialmente o valor de sua empresa. O que eles chamaram de “graves impropriedades contábeis”. O que gerou demissões na HP e um um longo processo contra a diretoria da empresa Autonomy, dirigida pelo magnata.
No lugar errado, numa noite improvável
O naufrágio ocorreu na madrugada de segunda-feira, dia 19. O luxuoso barco foi ancorado num lugar meio separado de outras embarcações, que não foram atingidas pela ventania. Pela natureza da tempestade e o tipo da embarcação naufragada, essa tragédia improvável poderia ser até o enredo de uma série de TV, tal o grau de improbabilidade desse acidente acontecer com aquela embarcação. Segundo o fabricante do barco, ele era ‘inafundável’, ou seja, havia instrumentos suficientes para evitar naufrágios. O que, no caso, se trata de um evento excepcional que poderia ser atribuído ao que, em gestão de crises, se chama “erro humano”. As autoridades italianas estão investigando o que pode ter causado a tragédia, mas já chegaram a algumas conclusões.
Não é apenas na Itália que o acidente está sob escrutínio. Segundo a Sky News, "um porta-voz do Marine Accident Investigation Branch (MAIB) do Reino Unido disse: "O MAIB está investigando o naufrágio do grande iate registrado no Reino Unido, Bayesian, na costa norte da Sicília em 19 de agosto de 2024. "Não seria apropriado para o MAIB comentar mais, enquanto a investigação estiver em andamento."
A Sky News também contatou investigadores italianos, a guarda costeira da Itália e o capitão do iate, James Cutfield, para comentários. Mas já há um consenso de que faltou gerenciamento de risco no naufrágio do iate; seguir as normas para tornados, como aconteceu. "Há toda uma série de operações que destacam uma cadeia de eventos negativos que foram administrados erradamente a bordo", disse o CEO, Giovanni Constatino, da fabricante do iate.
Ele dá uma pista para explicar essa tragédia. "A causa do naufrágio do super iate, na Sicília? A tripulação deveria estar em estado de "gerenciamento de alerta", o que significa que todos a bordo tinham que estar no salão principal, ponto de reunião, em vez de suas cabines. Ninguém deveria estar no convés, enquanto o capitão, James Cutfield, deveria estar lá dentro com os motores para gerenciar o navio", concluiu. "O naufrágio deve ter sido causado por “erro humano”, diz chefe do construtor de barcos. "Ele não poderia ter afundado a menos que uma escotilha estivesse aberta."
O naufrágio do iate seria um “cisne negro”?*
O improvável naufrágio do iate, conforme os construtores prometiam, resultou de uma tempestade raríssima, no litoral da Sicília, e acabou levantando dúvidas sobre prováveis falha da tripulação, não apenas nas medidas de segurança e prevenção, antes da tempestade, prevista como extremamente severa, mas até pelo local onde o iate ficou ancorado. Teria acontecido um tornado totalmente improvável, naquele local, o que caracterizaria um “cisne negro”*, na acepção do ensaísta e matemático libanês-americano Nassim Taleb? Pouco provável, quando ficamos sabendo que o Comandante do iate não fez o dever de casa. Não seria um 'cisne negro', porque houve vários erros por parte da tripulação, que deveria em primeiro lugar cuidar da segurança dos passageiros. E não o fez. Embora essa ressalva de que seria uma crise mal conduzida, Matteu Schanck, especialista marítmo, disse à agência Reuters, que o naufrágio foi causado por uma tromba d'água, ocorrência rara na região, e que seria sim um "evento cisne negro".
O comandante do veleiro Bayesian foi interrogado durante mais de duas horas pelo Ministério Público da Sicília. O neozelandês James Catfield, de 51 anos, é um dos 15 sobreviventes da tragédia. O objetivo dos investigadores é reconstituir os eventos que levaram ao naufrágio do Bayesian. O resgate das sete vítimas fatais foi bastante difícil, porque a maioria estava nos compartimentos internos do barco que afundou, e foi parar a 50 metros de profundidade. Os mergulhadores tinham extrema dificuldades de entrar no barco para o resgate.
Vai sobrar para o capitão
Para os promotores italianos que investigam o naufrágio, o foco é se o capitão e a tripulação tomaram todas as medidas de segurança necessárias para evitar a tragédia. A pressão por uma investigação rápida e independente fez as autoridades especularem nas entrevistas sobre as possíveis causas do acidente.
Fabio Cefalù, 36, um pescador local, disse ao jornal britânico The Guardian como os moradores de Porticello, acostumados a ver grandes iates turísticos, ficaram impressionados com o Bayesian, especulando que "poderia pertencer a uma estrela de Hollywood ou até mesmo a Elon Musk". Apesar das previsões de uma tempestade se aproximando, Cefalù escolheu acordar no meio da noite para uma viagem de pesca. Quando chegou ao porto às 3h30, os primeiros relâmpagos iluminaram o céu.
“Às 3h55, uma espécie de mini-tornado chegou”, disse Cefalù. “Já vi muitas tempestades na minha vida. Mas nunca tinha visto nada parecido. Vi o vento varrer as cadeiras e mesas do bar, indo em direção aos barcos no porto. As docas desviaram o redemoinho, que foi direto para o iate.’’ (Fabio Cefalú, pescador).
Segundo reportagem do jornal britânico The Guardian, “a bordo do Bayesian, a situação estava começando a se deteriorar. O veleiro balançava perigosamente à mercê do vento e das ondas. Localizado a aproximadamente 150 metros (492 pés) de distância do Bayesian estava o Sir Robert Baden, um veleiro de bandeira holandesa construído em 1957 e capitaneado pelo experiente marinheiro Karsten Borner, 69."
Foto de um pescador, obtida pelo jornal The Guardian, (de 23/08), mostrou o momento em que um sinalizador vermelho de emergência foi lançado do bote salva-vidas às 4h35. Francesco Lo Coco, que colheu a imagem, disse: “Eu vi o veleiro balançando. O foguete de emergência foi lançado enquanto o veleiro já estava afundando.”
“Borner foi o primeiro a tentar prestar assistência ao Bayesian, mas o barco já estava afundando. “Nunca vi uma embarcação desse tamanho afundar tão rápido”, disse Borner. “Em poucos minutos, não havia mais nada. Então vimos o bote com os 15 passageiros. Foi uma tragédia.” Matthew Schanck, um especialista marítimo, disse à Reuters que provavelmente o naufrágio foi causado por uma tromba d'água, uma ocorrência rara nas águas ao redor da ilha italiana.' Ele chamou esse acidente de um "evento cisne negro"* e disse que entender o que fez o barco inclinar era fundamental.
Falta de orientação foi fatal
A reportagem do The Guardian registra que, “De um vídeo feito por câmeras de vigilância em um estaleiro, parece que os passageiros do Bayesian tiveram cerca de 16 minutos para se salvar e evitar o naufrágio. De acordo com a agência de notícias italiana Adnkronos, que conversou com fontes entre as autoridades, os "passageiros buscaram rotas de fuga, chegando ao lado oposto do navio em que estavam". Mas a água já havia atingido as cabines. O navio aparentemente afundou primeiro na proa e depois virou lentamente para o lado direito.
Pescadores em Porticello que testemunharam o afundamento rápido do Bayesian dizem que o navio estava no lugar errado na hora errada. Mas para os promotores italianos que investigam o incidente, seu foco é se o capitão e a tripulação tomaram todas as medidas de segurança necessárias para evitar a tragédia.
Investigadores da cidade vizinha de Termini Imerese interrogaram todos os sobreviventes que foram transferidos para o hotel Domina Zagarella, guardados por pessoal de segurança. Os promotores estão investigando possíveis acusações de homicídio culposo.
“Especialistas estão perplexos com a forma como o Bayesian afundou em 60 segundos. A mídia italiana, falando com fontes da guarda costeira, relatou que uma escotilha supostamente permaneceu aberta e que a quilha foi parcialmente levantada. Alguns especialistas especulam que a tripulação pode ter subestimado o boletim meteorológico.
Gabriele Bruni, um velejador que participou duas vezes da America's Cup e treinou a equipe olímpica italiana, disse: "Se eles tivessem me perguntado naquela noite, em um dia tempestuoso, em qual veleiro do mundo eu gostaria de estar, eu teria escolhido o Bayesian", completou o jornal britânico.
O corpo do empresário Mike Lynch foi encontrado na noite do dia 22. Na sexta-feira, dia 23, mergulhadores recuperaram o corpo da filha de Lynch, Hannah, a sétima e última vítima. Assim como seu pai, a jovem tinha todos os motivos para comemorar naquela noite: seus resultados no A-level na semana passada garantiram a ela uma vaga para estudar na Universidade de Oxford. Ela se viu no início de um novo capítulo em sua vida. Uma vida abruptamente interrompida em uma noite de verão por uma tragédia que os investigadores italianos agora estão trabalhando para entender.
Resumindo, este naufrágio não precisava ter acontecido. Típico acidente que se classifica na lista de crises evitáveis. O naufrágio ainda está em apuração. Mas todos os indícios da forma como a tempestade chegou e atingiu a embarcação não deixam dúvidas de houve falhas de segurança. Até porque o capitão teria sido alertado para o perigo que representava a tempestade.
*O que seria um “cisne negro”, segundo Taleb? Um cisne negro refere-se a eventos raros e imprevisíveis, geralmente com grande impacto nos mercados financeiros e na sociedade. É possível identificar um cisne negro? Identificar um cisne negro é desafiador, pois são eventos imprevisíveis.
Outros artigos sobre o tema
'I've never seen a vessel this size go down so quickly': why did the Bayesian sink in 60 seconds?
Perguntas para investigadores que tentam desvendar o mistério do naufrágio do iate de luxo
Escotilha aberta em tempestade: quem pode ser preso por mortes em iate?
Como uma tromba d'água afundou o superiate Bayseian?