A matéria de capa desta semana da revista britânica The Economist trata de um tema pouco afeito às discussões nos fóruns econômicos e na pauta da diretoria das empresas: a morte. Por que a respeitada e tradicional revista econômica traz esse tema indigesto para a pauta? Talvez porque, assim como a crise é um tema tabu, que os empresários e as grandes corporações não gostam de mencionar, nem de discutir, a morte também acaba se transformando num assunto que nós pobres mortais não gostamos de tocar nas conversas do dia a dia. Erradamente. Porque nada é mais certo numa vida, do que o momento da morte.
Na vida das empresas, chegará uma hora em que as crises precisarão ser debatidas. Existe até uma máxima americana, que preconiza: há dois tipos de empresas, as que tiveram crises e as que... irão ter. Assim também com a morte na nossa vida pessoal. Inevitável, ela terá que ser discutida na família, nas sucessões, na hora da doença, mais cedo ou mais tarde. Queiramos ou não. Em alguns casos, essa discussão é até precipitada por tragédias ou doenças prematuras. Talvez, ao desmistificá-la, abordando o tema sem pruridos e com a necessária seriedade, tempestividade e racionalidade, possam as pessoas amenizar esse duro momento na vida de qualquer família.
A reportagem da revista The Economist, pela importância e originalidade, merece ser lida e até debatida. Não é um assunto agradável, mas a vida é tecida por momentos bons, inesquecíveis e também por situações desagradáveis. A revista pesquisou especialmente quatro países, fazendo perguntas aos entrevistados sobre reações nos últimos momentos da vida: Estados Unidos, Itália Japão e Brasil.
A morte é inevitável. Uma morte ruim não é
Em 1662, um alfaiate londrino com uma boa aptidão para os números publicou o primeiro relato quantitativo da morte. John Graunt registrou causas como "o Mal do Rei", uma doença tuberculosa que se acreditava ser curada pelo toque do monarca. Outras pareciam estranhas, até mesmo poéticas. Em 1632, 15 londrinos "simplesmente se afastaram", 11 morreram de "tristeza" e um par faleceu de "letargia".
O livro de Graunt, publicado antes do surgimento da medicina moderna, é um vislumbre do terror repentino da morte. E esta costumava chegar cedo também: até o século 20, o ser humano médio vivia tanto quanto um chimpanzé. Hoje a ciência e o crescimento econômico permitem que nenhum mamífero terrestre viva mais que o homem. No entanto, uma consequência não intencional tem sido transformar a morte em uma experiência médica.
Como, quando e onde a morte ocorre mudou bastante ao longo do século passado. Até 1990, metade das mortes em todo o mundo eram causadas por doenças crônicas; em 2015 essa parcela passou para dois terços. Nos países ricos, a maioria das mortes ocorre após anos de deterioração irregular. Cerca de dois terços acontecem em hospitais ou em casas de repouso, frequentemente após um tratamento intenso e desesperado. Quase um terço dos norte-americanos que morrem após os 65 anos passam os seus últimos três meses de vida em uma unidade de terapia intensiva. Quase um quinto sofrem cirurgia no último mês.
Essa intervenção zelosa pode ser agonizante para todos os interessados. Pacientes com câncer que morrem no hospital normalmente experimentam mais dor, estresse e depressão do que pacientes semelhantes que morrem em casa. Suas famílias são mais propensas a discutir entre si e com os médicos e a sofrer de transtorno de estresse pós-traumático, sentindo uma dor mais prolongada.
O que importa
É importante observar que essas mortes medicalizadas não parecem ser o que as pessoas querem. Pesquisas, incluindo uma realizada em quatro grandes países pela The Economist e pela Fundação Família Kaiser, descobriram que a maioria das pessoas em boa saúde espera que, quando chegar a hora, o momento da morte será em casa. E poucos, quando perguntados sobre suas esperanças para seus últimos dias de vida, dizem que sua prioridade é viver o maior tempo possível. Em vez disso, a maioria dos entrevistados querem morrer livres de dor, em paz, e cercados por entes queridos para quem eles não são um fardo.
Algumas mortes são inevitavelmente miseráveis. Nem todos estarão em condições de brindar a iminência da morte com champanhe, como Anton Chekhov fez. O que as pessoas dizem que vão querer enquanto estão bem pode mudar à medida que o fim se aproxima (uma razão pela qual os médicos são céticos quanto às instruções estabelecidas em "testamentos vivos"). Morrer em casa pode se tornar menos atraente se todo o kit médico está no hospital. Um tratamento que é insuportável na imaginação pode parecer o menor de dois males quando a alternativa é a morte. Alguns pacientes vão querer lutar até que toda a esperança seja perdida.
Entretanto, muitas vezes os pacientes recebem tratamentos drásticos por padrão (apesar de seus desejos de não mais prolongar a dor e a agonia), quando os médicos fazem "tudo o que é possível", como foram treinados para, sem levar em consideração as preferências do paciente ou sem garantir que o prognóstico seja claramente entendido. Apenas um terço dos pacientes americanos com câncer terminal são questionados sobre seus objetivos no final da vida, por exemplo, se eles desejam assistir a um evento especial, como o casamento de um neto, mesmo que isso signifique deixar o hospital e arriscar uma morte mais próxima. Em muitos outros países a participação é ainda menor. A maioria dos oncologistas que assiste vários pacientes morrendo dizem que nunca foram ensinados a falar com eles.
A revista pediu pela legalização do direito de morrer assistido por um médico, de modo que mentalmente aptos, doentes terminais possam ser ajudados a terminar suas vidas, se esse é o seu desejo. Mas o direito de morrer é apenas uma parte de um melhor cuidado no final da vida. A evidência sugere que a maioria das pessoas querem esta opção, mas que poucos, no final, optam por exercê-la. Para dar às pessoas a morte que elas dizem que querem, a medicina deve tomar alguns passos simples.
Mais cuidados paliativos são necessários. Este ramo negligenciado da medicina lida com o alívio da dor e outros sintomas, tais como falta de ar, bem como o aconselhamento para os doentes terminais. Até recentemente, essa área foi diversas vezes descartada como medicina: vista apenas como chá e simpatia quando toda a esperança se foi. Mesmo na Grã-Bretanha, onde esse movimento se iniciou, o acesso aos cuidados paliativos ainda é irregular. Estudos recentes têm demonstrado quão errado isso é. Fornecer esses cuidados mais cedo no curso de um câncer avançado, ao lado dos tratamentos usuais, revelou-se não somente capaz de reduzir o sofrimento, mas também capaz de prolongar a vida.
A maioria dos médicos entra na medicina para ajudar as pessoas a postergarem a morte, para não falar sobre a sua inevitabilidade. Mas é necessário conversar sobre isso. Um bom começo seria o uso mais amplo do "Guia de Conversação de Doenças Graves", elaborado por Atul Gawande, um cirurgião e autor. É um pequeno questionário feito para descobrir o que os doentes terminais conhecem sobre a sua condição e para compreender quais são os seus objetivos à medida que o fim se aproxima. A pesquisa preliminar sugere que ao incentivar esse tipo de conversa o sofrimento é reduzido.
Essas mudanças devem ser parte de uma ampla mudança na forma como os sistemas de saúde lidam com doenças graves. Muitos dos cuidados direcionados aos doentes crônicos precisam também estar fora dos hospitais. Isso significaria que alguma parte do orçamento dos cuidados de saúde deveria ser transferido para o apoio social. Os incentivos financeiros para médicos e hospitais também precisam mudar. Eles geralmente são pagos por seguradoras e governos para fazer coisas aos pacientes, não para tentar prevenir a doença ou para deixar os pacientes mais confortáveis. Medicare, o plano de saúde pública dos Estados Unidos para os mais de 65 anos, recentemente começou a pagar médicos para ter conversas profundas com doentes terminais; outros sistemas nacionais de saúde e seguradoras deveriam seguir isso. O custo não é um obstáculo, uma vez que pacientes informados e engajados serão menos propensos a querer procedimentos inúteis. Menos médicos podem ser processados, já que a má comunicação é um tema comum em alegações de negligência.
Uma última coisa antes de eu ir
A maioria das pessoas sente medo quando contempla sua mortalidade. Como a morte foi escondida em hospitais e casas de repouso, tornou-se menos familiar e mais difícil de falar. Os políticos têm medo de trazer à tona os cuidados de fim de vida no caso de serem acusados de criar "painéis de morte". Mas conversas honestas e abertas com os doentes terminais devem ser tanto uma parte da medicina moderna quanto prescrever drogas ou reparar ossos quebrados. Uma morte melhor significa uma vida melhor, até o fim.
O que as pessoas mais querem nos últimos meses de vida
Depois de seu derrame, o pai de Maria não pôde mais falar. Mas com sua filha recitando palavras ao seu lado, ele ainda podia orar. Seus últimos dias trouxeram muita dor, mas Maria acredita que no final, enquanto apertava a sua mão, ele esteve em paz. Quando ela pensa sobre suas prioridades para sua própria morte, "estar em paz espiritualmente" está no topo da lista.
Este é um sentimento compartilhado pela maioria dos brasileiros, de acordo com uma pesquisa conduzida conjuntamente pela The Economist e pela Fundação Família Kaiser, uma organização americana sem fins lucrativos focada na saúde. 88% dos entrevistados achavam que estar em paz espiritualmente no final da vida era "extremamente" ou "muito importante". Nos Estados Unidos e no Japão, a prioridade mais elevada, citada como extremamente importante por 54% e 59%, foi não sobrecarregar as famílias com os custos dos cuidados. (Os japoneses podem estar preocupados com o custo dos funerais, que podem facilmente chegar a 27.000 dólares.) Um terço dos italianos enfatizou ter seus entes queridos ao seu redor. O Brasil foi o único país onde mais pessoas disseram que estenderiam a vida antes de reduzir a dor e o estresse, e não o contrário.
A religião explica algumas dessas diferenças. Há mais católicos no Brasil do que em qualquer outro país do mundo. Muitos presumivelmente foram influenciados pela longa insistência da Igreja de que a vida deveria ser estendida sempre que possível, mesmo por medidas heróicas. Nas lutas judiciais, nos Estados Unidos e em outros lugares, quando as famílias têm tentado ter o direito legal de desligar os tubos de alimentação de parentes que estão em um estado vegetativo persistente, a Igreja tem sido muitas vezes contra (embora atualmente a instituição condene apenas os procedimentos que buscam ativamente acelerar a morte, e não os pacientes que rejeitam tratamento ou a utilização de medicamentos que, ao aliviar a dor, acabam precipitando a morte). Oitenta e três por cento dos brasileiros afirmam que a religião desempenha um "papel importante" em sua concepção sobre o fim da vida, contra 50% dos americanos e 46% dos italianos.
No Japão, só 13% dizem que a religião tem papel decisivo em sua visão sobre o que é mais importante no fim da vida. Em outras pesquisas, a maioria dos japoneses afirma serem ateus ou não terem nenhuma afiliação religiosa formal. Entretanto, a ideia de “paz espiritual” tem destaque no Japão, ocupando o segundo lugar entre as questões que mais importam quando a morte se aproxima.
Os pesos relativos que as pessoas colocam em prolongar a vida e facilitar a morte também são influenciados pela qualidade dos cuidados disponíveis e pela percepção do que receberão pessoalmente quando estiverem morrendo. Noventa por cento dos brasileiros classificaram seu sistema de saúde como "razoável / ruim", ao passo que nos três outros países essa proporção fica entre 54% e 61%. Embora sua Constituição assegure o acesso universal e gratuito à saúde, os brasileiros sabem que a realidade não é bem assim. Mesmo antes da recessão econômica que já dura três anos, os serviços de saúde do país eram, de forma geral, precários. Mais recentemente, com os hospitais de grandes cidades, como Rio de Janeiro, passando dificuldades financeiras, pacientes têm morrido nos corredores.
Nos Estados Unidos, na Itália e no Japão, os entrevistados com ensino superior foram os mais propensos a dizer que muita ênfase é colocada em estender a vida de pacientes terminais, ao invés de aliviar o seu sofrimento. Indivíduos com escolaridade mais elevada também acham que os pacientes e seus familiares deveriam ter participação mais determinante nas decisões sobre cuidados de fim de vida.
Quase metade dos americanos negros, e proporção só um pouco menor de latinos, diz que o sistema de saúde dos EUA não se esforça tanto quanto deveria para prevenir a morte. A opinião é compartilhada por apenas 28% dos americanos brancos. Outras pesquisas mostram que os americanos que pertencem a minorias correm mais risco de morrer no hospital do que seus concidadãos brancos. Entre os americanos mais ricos é mais comum morrer em casa ou em asilos do que entre os de renda mais baixa. Isso revela uma amarga ironia: nos EUA, os que mais precisam de cuidados hospitalares são justamente aqueles que geralmente só os recebem quando é tarde demais.
Uma maneira melhor de cuidar dos doentes terminais
Como a profissão médica está começando a ir além de lutar contra a morte para aliviá-la
Próxima à estação de Todoroki, na esquina de um caminho com cerejeiras, há um templo de madeira pequeno. Um bebê Buda está sentado no peitoral. Os moradores do subúrbio de Tóquio vão até lá e pedem ao bebê por pin pin korori. É um desejo por duas coisas. O primeiro é uma vida longa e lúcida. O segundo é uma morte rápida e indolor.
Apenas parte deste desejo é provável que seja concedido. O paradoxo da medicina moderna é que as pessoas estão vivendo mais tempo, contudo com mais doenças. A morte raramente é rápida ou indolor. Muitas vezes é traumática. Conforme o fim se aproxima, as pessoas tendem a ter objetivos que importam mais do que estender cada último segundo. Mas poucos são perguntados sobre o que mais importa. No primeiro mundo, a maioria dos indivíduos morre em um hospital ou em uma casa de repouso, muitas vezes após tratamentos inúteis e agressivos. Muitos morrem sozinhos, confusos e com muita dor.
O sofrimento é em grande parte desnecessário. Felizmente a medicina está começando a ter uma abordagem mais sensível em relação aos doentes terminais. Profissionais da saúde estão reformando a maneira com que os cuidados durante o fim da vida são realizados, assim como também estão melhorando a comunicação entre médicos e pacientes. As mudanças significam que os doentes terminais experimentarão menos dor e sofrimento. E terão mais controle sobre suas vidas, até o fim.
Muitos aspectos da morte mudaram durante o século XX. Um deles foi quando isso aconteceu. A expectativa de vida média aumentou mais nas últimas quatro gerações do que nos últimos 8.000 anos. Em 1900, a expectativa de vida ao nascer era de 32 anos, pouco mais do que no início da agricultura. Hoje, esse número subiu para 71,8 anos. Em grande parte, isso é resultado da menor mortalidade infantil; Um século atrás, cerca de um terço das crianças morria antes do seu quinto aniversário. Contudo, esse crescimento também se deve ao aumento da vida média de um adulto. Hoje, um inglês de 50 anos de idade pode esperar viver por mais 33 anos, 13 a mais do que em 1900.
A chance de um adulto morrer não costumava ser relacionada com a idade. Michel de Montaigne, ensaísta francês que morreu em 1592, escreveu que a morte na velhice era "rara, singular e extraordinária". Agora, segundo Katherine Sleeman, do King's College de Londres, a morte vem discretamente e lentamente. Ela estima que na Grã-Bretanha apenas um quinto das mortes são repentinas, por exemplo, em um acidente de carro. Outro quinto segue um rápido declínio, como acontece com alguns pacientes com câncer, que permanecem bastante ativos até suas últimas semanas. Mas três quintos vêm depois de anos de recaída e recuperação. Ocorre uma "deterioração progressiva e lenta da função", diz Sleeman.
Pessoas em países ricos podem passar de oito a dez anos gravemente doentes no final de suas vidas. E as doenças crônicas também estão aumentando nos países mais pobres. Em 2015, representaram mais de três quartos da mortalidade prematura na China, de acordo com uma pesquisa da Global Burden of Disease. Em 1990, a participação era de apenas metade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) prevê que as taxas de câncer e doenças cardíacas na África Subsaariana serão mais do que duplicadas até 2030.
Um efeito colateral do progresso, no entanto, foi o que Atul Gawande, cirurgião e autor, chama de "a experiência de fazer da mortalidade um experimento médico". Um século atrás, a maioria das mortes acontecia em casa. Agora, de acordo com uma pesquisa realizada pela OMS em 45 países desenvolvidos, menos de um terço são. A morte também costumava ser igualitária, diz Haider Warraich, do Duke University Medical Center e autor de "A Morte Moderna". A renda não afetava muito quando ou onde as pessoas morreriam. Hoje, os pobres dos países ricos são mais propensos a morrer no hospital do que seus compatriotas mais abastados.
Sem quedas fatais
Muitas mortes são precedidas por uma onda de tratamentos muitas vezes inúteis. Uma pesquisa realizada no Japão descobriu que 90% dos médicos esperavam que os seus pacientes com tubos inseridos em suas traqueias nunca mais iriam se recuperar. No entanto, um quinto dos japoneses que morrem dentro dos hospitais foram intubados. Um oitavo dos americanos com câncer terminal recebem quimioterapia em sua última quinzena, apesar de não oferecer nenhum benefício em uma fase tão tardia. Quase um terço dos idosos americanos sofrem cirurgia durante seu último ano; 8% a fazem na sua última semana.
A forma como os cuidados de saúde são financiados incentiva o excesso de tratamento. Os hospitais são pagos para fazer coisas às pessoas, não para evitar a dor. E não só os pacientes, mas aqueles que os amam, também sofrem. Muitas pessoas que podem precisar de intubação ou ventilação artificial não estão em condição de consentir os procedimentos. Um estudo americano descobriu que há conflitos entre a família e os médicos em cerca de metade dos casos envolvendo decisões sobre a retirada do tratamento. Um terço dos familiares de pacientes em unidades de terapia intensiva (UTI) relatam sintomas de transtorno de estresse pós-traumático.
Muitas pessoas vão sentir "raiva, raiva contra a morte da luz que fulgura", como escreveu o poeta Dylan Thomas. Outros terão eventos específicos que gostariam de assistir: como a formatura de um neto, digamos. Mas o procedimento médico ocorre muitas vezes por padrão, e não como resultado da escolha pessoal baseada em um prognóstico claramente compreendido.
A enorme lacuna entre o que os cuidados que as pessoas querem no fim de suas vidas e o que elas provavelmente irão receber é visível em uma pesquisa conduzida pela The Economist, em parceria com a Kaiser Family Foundation, um centro de saúde americano de cuidados da saúde. Foi realizado um questionário a indivíduos em quatro grandes países com diferentes características demográficas, tradições religiosas e níveis de desenvolvimento (América, Brasil, Itália e Japão). A maioria tinha perdido amigos próximos ou familiares nos últimos cinco anos.
Nos quatro países, a maioria das pessoas afirmou que gostaria de morrer em casa. Mas poucos tinham esperanças que isso iria acontecer - e menos ainda relataram que seus entes queridos falecidos tiveram tal sorte. Fora o Brasil, apenas uma pequena parcela dos entrevistados afirmou que estender a vida o máximo possível era mais importante do que morrer sem dor, desconforto e estresse. Outras pesquisas sugerem que esse desejo, também é cada vez mais improvável de ser realizado. Um estudo descobriu que entre 1998 e 2010 a parcela da população americana que experimentou confusão, dor e depressão em seu último ano aumentou.
O que as pessoas saudáveis pensam que vão querer quando estão mortalmente doentes pode também mudar quando esse momento chegar. "A vida se torna muito valiosa quando não há mais muito a perder", diz Diane Meier, geriatra do Mount Sinai Hospital em Nova York. É comum, por exemplo, odiar a ideia de um tubo de alimentação, mas isso acaba sendo aceito a contragosto quando a alternativa é a morte.
Palavras que eu nunca pensei falar
No entanto, a distância entre o que as pessoas esperam e o que recebem não pode ser explicada tão facilmente. Os desejos dos doentes terminais são frequentemente desconhecidos ou ignorados. Entre os envolvidos nas tomadas de decisão sobre os cuidados durante o fim da vida de um ente querido, mais de um terço na Itália, Japão e Brasil disseram que não sabiam o que seu amigo ou membro da família queria. Ou eles nunca perguntaram, ou apenas pensaram em fazê-lo muito tarde. Uma japonesa que cuidava de sua mãe, paciente de Alzheimer, diz que se arrepende de que "uma vez que a porta se fechou não havia mais como saber o que ela queria".
E às vezes, mesmo quando os parentes conhecem os desejos de um ente querido, eles não podem se certificar de que estes sejam realizados. Entre 12% e 24% daqueles que haviam perdido alguém próximo afirmaram que os desejos do paciente não haviam sido realizados. Entre 25% e 38% disseram que amigos ou familiares tinham experimentado dores desnecessárias. Durante toda a pesquisa, a maioria dos entrevistados classificou a qualidade dos cuidados dados no final da vida como "razoável" ou "ruim".
Os cuidados durante o fim da vida podem se assemelhar a uma "conspiração do silêncio", diz Robert Fine de Baylor Scott & White Health, um provedor de seguros de saúde texano. Em nossa pesquisa, a maioria dos entrevistados dos quatro países afirmou que a morte é um assunto que é geralmente evitado. Uma razão óbvia é que a morte é temida. "Em cada pessoa calma e razoável há por trás uma segunda pessoa assustada com a ideia da morte", diz o narrador de um romance de Philip Roth. Uma escola de psicologia - "teoria da gestão do terror" - afirma que o medo da morte é a fonte de tudo o que é distintamente humano, das fobias à religião.
Mas a morte foi uma vez o que Philippe Ariès, um historiador francês, chamou de "cerimônia pública", onde amigos e família se reúnem. Entretanto, diante da mudança das estruturas familiares no qual os idosos e os doentes terminais estão mais isolados dos mais jovens, estes se tornam menos propensos a testemunhar a morte de perto ou a encontrar um momento adequado para falar sobre a sua aproximação. Apenas 10% dos europeus com mais de 80 anos vive com as suas famílias; metade vivem sozinhos. Em 2020, 40% dos americanos devem morrer sozinhos em lares de idosos.
No Japão, onde os entrevistados eram mais propensos a dizer que não se tornar um fardo financeiro era uma questão primordial, as filhas estão abandonando o seu papel tradicional de cuidadoras. Isso deu origem a instituições como a Casa da Esperança, um asilo no leste de Tóquio que cuida de idosos que são pobres demais para receberem cuidados hospitalares e muito sozinhos para morrer em casa. Uma década atrás, Hisako Yanagida, de 88 anos, perdeu seu marido, com quem ela havia cantado em uma trupe japonesa tradicional. Agora sua visão está indo, mas ela ainda pode ver as imagens desbotadas dos dois em sua parede. Ela tenta não pensar na morte: "Não há razão para tal".
Mas a responsabilidade principal pelas falhas dos cuidados durante o fim de vida reside na medicina. A relação entre médicos e pacientes gravemente doentes é uma "suspeita mútua", diz Naoki Ikegami da Universidade Internacional de St. Luke, em Tóquio. Uma década atrás, era comum os médicos japoneses reterem os diagnósticos de câncer. Hoje eles são mais honestos, mas ainda insensíveis. Uma mulher japonesa recorda que seu oncologista disse que sua quimioterapia a deixaria careca, mas isso não era nada grave.
E os médicos comumente superestimam quanto tempo os doentes terminais viverão, recomendando tratamentos drásticos que têm pouca chance de sucesso e tornando ainda menos provável a chance de conversas sinceras. Uma publicação internacional dos prognósticos de pacientes que morreram em dois meses sugere que os indivíduos gravemente doentes viveram em média pouco mais da metade do tempo que seus médicos estimaram. Outro estudo descobriu que, para os pacientes que morreram dentro de quatro semanas após o prognóstico, os médicos haviam previsto que o fim seria dentro de uma semana em apenas um quarto dos casos. A maioria havia errado para o lado do otimismo.
Os médicos muitas vezes negligenciam cuidados paliativos, que envolvem dar opiáceos para a dor, tratar a falta de ar, assim como o aconselhamento de pacientes. Muitas vezes isso "é visto como o que você faz quando você desiste de um paciente", lamenta o Dr. Ikegami.
Quebrando o tabu
Estudos, entretanto, têm demonstrado o custo dessa negligência. Desde 2009, vários ensaios clínicos randomizados analisaram o que acontece quando pacientes com câncer avançado recebem cuidados paliativos ao lado do tratamento padrão, como a quimioterapia. Em cada um, o grupo que recebia cuidados paliativos apresentava taxas mais baixas de depressão; E em todos, exceto um estudo, os pacientes desse grupo eram menos prováveis a relatar dores.
Notavelmente, em três estudos os pacientes que receberam cuidados paliativos viveram mais tempo, mesmo que a quantidade de tratamento convencional que optaram por receber fosse menor. (Os outros dois estudos não mostraram diferença alguma). Em uma das pesquisas, a sobrevivência mediana foi de um ano, em comparação com nove meses do grupo que recebeu apenas o tratamento convencional. Uma publicação, em 2016, dos casos em que os cuidados paliativos foram somente usados, ao invés do tratamento padrão, constatou que mesmo quando este era o único cuidado dado, o tempo de vida não era encurtado.
A razão para os resultados não é clara, e a pesquisa tem sido conduzida principalmente em pacientes com câncer. Aqueles que receberam cuidados paliativos ficam menos tempo no hospital, e por isso podem contrair menos infecções. Mas alguns pesquisadores pensam que a explicação também é psicológica: que através do aconselhamento eles reduzem a depressão, que está ligada à morte prematura. "Uma conversa pode ser mais poderosa do que a tecnologia", afirma o Dr. Sleeman.
No hospital de St. Luke, em Tóquio, Yuki Asano apóia essa visão. Eterno executivo, o senhor de 76 anos desliza seu cartão de visita na bandeja de sua cama. O ex-chefe de uma empresa de cervejaria (e o 7º em dan in kendo, uma arte marcial japonesa) está com câncer. Ele parou sua quimioterapia no ano passado. O atendimento em um dos poucos centros paliativos do Japão o ajudou a se sentir pronto para a morte. "Eu consegui tudo o que eu queria na vida", diz ele. "Agora estou esperando pela cerimônia de premiação."
Mas poucas dos 56 milhões de pessoas que morrem a cada ano recebem bons cuidados no fim de suas vidas. Um relatório publicado em 2015 pela Economist Intelligence Unit, avaliou a "qualidade da morte" em 80 países. Apenas a Áustria e os Estados Unidos tinham a capacidade de garantir que pelo menos metade de seus pacientes recebessem cuidados paliativos.
Muitos países prometem o acesso público aos cuidados paliativos, mas não o pagam. A Espanha aprovou duas leis para garantir que cuidados paliativos sejam assegurados, mas na realidade, apenas um quarto dos pacientes podem obtê-lo. Embora o movimento de asilos, dedicados a fornecer cuidados de alta qualidade aos pacientes terminais, tenha começado na Grã Bretanha nos anos 1960, somente aproximadamente um quinto dos hospitais do país fornecem o acesso aos cuidados paliativos todos os dia da semana.
A forma como os seguros de saúde são financiados muitas vezes marginaliza os cuidados paliativos. No Japão, os médicos dos hospitais não são pagos para conversarem com os pacientes sobre as opções disponíveis no fim de suas vidas. Nos Estados Unidos, os hospitais absorvem grande parte da despesa, mesmo que os doentes graves sejam frequentemente tratados melhor em outros locais. Nove a cada dez visitas de emergência ocorrem devido ao crescimento dos sintomas, tais como a falta de ar. A maioria destes pacientes poderia ser tratado melhor, mais rápido e mais barato em casa. Medicare, o seguro de saúde pública para os idosos, geralmente não cobre cuidados em lares de idosos.
Lentamente, porém, os países estão se reformando. Em 2014, a OMS recomendou a integração dos cuidados paliativos aos sistemas de saúde. Alguns países em desenvolvimento, incluindo o Equador, a Mongólia e o Sri Lanka, começaram a fazê-lo. Nos Estados Unidos alguns seguros estão percebendo que o que seria melhor para os pacientes seria melhor para eles também. Em 2015, a Medicare anunciou que pagaria por conversas entre médicos e pacientes a respeito dos cuidados necessários durante o fim da vida.
"Falar quase sempre ajuda e ainda não conversamos", diz Susan Block da Escola de Medicina de Harvard. Para melhorar os cuidados dados aos doentes terminais, ela diz, "todo médico precisa se tornar um especialista em comunicação." Os oncologistas americanos, por exemplo, precisam ter uma média de 35 conversas por mês sobre cuidados durante o final da vida. Em um estudo de pacientes com insuficiência cardíaca congestiva, os médicos acompanhados raramente fizeram alguma coisa após um paciente ter expressado o medo da morte. Quase três quartos dos nefrologistas nunca foram ensinados a dizer aos pacientes que eles estavam morrendo. Uma causa comum da síndrome de “burnout” (doença do esgotamento profissional) entre os médicos é a incapacidade de falar com os pacientes sobre a morte.
Para preencher esta lacuna Ariadne Labs, um grupo de pesquisa fundado pelo Dr. Gawande, lançou o "Guia de Conversação de Doenças Graves", que consiste em um checklist dos tópicos que os médicos devem conversar com os seus doentes terminais. Eles devem começar por perguntar o que os pacientes entendem sobre suas condições, verificar o quanto cada um quer saber, oferecer um prognóstico honesto e perguntar sobre seus objetivos e o que estão dispostos a fazer.
Os resultados iniciais do guia no Instituto de Câncer Dana-Farber, em Boston, sugerem que isso levou os médicos a ter mais conversas e mais cedo. Os pacientes relataram menos ansiedade. A tensão entre médicos e famílias também foi aliviada. Tal procedimento está em crescimento; Em fevereiro Baylor Scott & White tornou-se o primeiro grande seguro de saúde a adotá-lo com todos os seus funcionários. O Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra está experimentando esse serviço em Clatterbridge, perto de Liverpool. O Japão está treinando seus oncologistas para falar sobre a morte.
Nos Estados Unidos os testamentos vivos, documentos que explicam o tratamento que as pessoas querem caso se tornem incapacitadas, tornaram-se mais populares nas últimas décadas. Em nossa pesquisa, 51% dos americanos com mais de 65 anos haviam escrito seus últimos desejos durante o fim de suas vidas. No entanto, tais documentos não podem cobrir todas as possibilidades que podem surgir conforme o fim se aproxima. Médicos preocupam-se que os pacientes possam mudar de ideia. Em um estudo apenas 43% das pessoas que tinham testamentos vivos escritos ainda queriam o mesmo tratamento dois anos mais tarde.
Os testamentos vivos são raros fora dos Estados Unidos. Mas há uma mudança cultural mais ampla. Mais de 4.400 "cafés da morte", lugares onde as pessoas comem bolo e falam sobre a mortalidade, surgiram. Eles discutem livros como "When Breath Becomes Air", do falecido Paul Kalanithi, um neurocirurgião, e o documentário "Extremis", que está definido em uma unidade de cuidados intensivos e oferece uma conta mais honesta de cuidados hospitalares. No Japão "notebooks dos momentos finais" estão agora disponíveis, para gravar mensagens e instruções para parentes.
Aqui no final de todas as coisas
Em 2010, Ellen Goodman, uma escritora americana, fundou o Projeto Conversação, que começou com pessoas se reunindo para compartilhar histórias de "mortes boas" e "mortes ruins" experimentadas por seus entes queridos. Assim, foram publicados guias como os de Ariadne Labs, mas para o uso de pessoas sem formação médica. Laurie Kay, de Boston, que tem 70 anos, disse recentemente ao marido e à filha que o que importava para ela era a sua dignidade. Ela quer ficar bonita: suas unhas devem ser pintadas. Seus pontos de vista podem mudar, diz ela, mas "tendo aberto a conversa agora podemos reabri-la também mais tarde".
Experiências de morte estão sendo compartilhadas online. Dying Matters é um fórum popular. Em 2013, Scott Simon, um jornalista, twittou da cabeceira de sua mãe como ela morreu ("Batidas cardíacas caindo. Coração caindo"). Kate Granger, uma geriatra inglesa que morreu de câncer no ano passado, planejou um tweet durante seus últimos dias usando a hashtag #deathbedlive. Ela não conseguiu, mas um tweet que ela preparou foi enviado posteriormente "Tudo isso por fazer parte da minha vida. Por favor, cuide do meu incrível esposo @PointonChris (Ps - Não deixe-o gastar todo o seu dinheiro com um Range Rover)".
Trazer o assunto da morte é necessário a fim de rever os cuidados dados durante o fim da vida, argumenta o Dr. Warraich. No entanto, o movimento "para uma morte positiva" não é uma desculpa para que a medicina permaneça presa em seus caminhos. A morte permanecerá aterrorizante para muitas pessoas. Mas se o sistema de saúde não mudar e não se reorganizar, a maioria das pessoas continuará a sofrer desnecessariamente no fim."
Tradução: Jessica Behrens. Edição: JJF
O texto original foi publicado na revista The Economist de 29/04/2017, sob o título How to have a better death.
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