A cada ano, na época do Natal, insistimos que, apesar de 25 de dezembro ser o aniversário de Jesus, segundo consagrou a fé cristã, na medida em que o tempo passa essa evocação acaba engolida pelo mercantilismo e pelas disputas que nada têm a ver com fraternidade e união. Não bastasse o culto ao deus do consumo, o Natal de novo este ano chega agravado pelas crises, principalmente no Brasil. A festa do congraçamento, portanto, para milhões de pessoas não passa de uma miragem. A maioria dos que trabalham e lutam para sobreviver, alheios aos cargos bem remunerados e aos esquemas de corrupção, está mais preocupada em não aumentar as dívidas, em pagá-las, e em saber como vai ser o próximo ano.
Viver no Brasil se tornou uma aventura perigosa, sob qualquer aspecto que se olhe o país. E o pior é que a luz no fim do túnel, quanto mais se anda, vai ficando cada vez mais distante. Infelizmente, o Natal não tem o condão de transformar o fim do ano num alegre reveillon. A ressaca continuará muito forte. Talvez devêssemos levar a sério a frase de Diadorim, personagem de Guimarães Rosa, em "O Grande Sertão Veredas": "Viver é muito perigoso...".
Com o passar do tempo, Natal talvez tenha se tornado apenas uma alegoria semântica que lembra “nascimento”. Cristo se transformou num álibi para o comércio explorar os consumidores e para estes embarcarem na onda do consumo, baseados mais na necessidade relativa, pela comparação com os outros, do que pela verdadeira necessidade. Nessa disputa de vaidades e egos, eles acabam se endividando mais. E o Natal se torna tristemente inesquecível por longos e apertados meses.
Natal assumiu definitivamente o sentido de oportunidade de negócio e não de renovação, união, congraçamento. O comércio e a indústria, seja no Brasil ou no exterior, aguardam a data para tentar reverter perdas dos anos de crises. E Jesus acaba apenas como pano de fundo dos presépios que evocam um nascimento ocorrido há mais de 2 mil anos, mas que as crianças mal sabem do que se trata. A data se tornou mais importante do que o acontecimento histórico ou a tradição que lhe deu origem. E se alguém perguntar para uma criança qual o aniversário que ela irá comemorar no dia 25 de dezembro, provavelmente pensará que é o de algum coleguinha e onde vai ser a festa.
A cada ano piora essa sensação. A ponto de crianças e adultos, sem falar no comércio, mentalizarem Natal como a oportunidade de ganhar alguma coisa de alguém. As crianças escolhendo por antecipação o que querem ganhar, tirando todo o encanto da surpresa. Em alguns países, como Portugal, surgiu um movimento ano passado chamado “Não ao consumo desenfreado no Natal”. Até os consumidores cansaram dessa mercantilização da maior festa da Cristandade. Eles se sentem explorados e meio que reféns dessa onda de consumo compulsório.
Com o mundo ainda vivendo o rescaldo da maior crise econômica dos últimos anos e convulsões se disseminando por vários países, talvez o Natal seja uma boa ocasião para repensarmos nossos conceitos em relação à nova religião que o capitalismo teima em nos impingir. Sem a participação da maioria dos habitantes. Até porque milhões de pessoas no mundo, neste momento, principalmente na Europa e no Oriente Médio, mal têm tempo de saber que é Natal, vítimas de uma diáspora que os priva de ter uma pátria, um lar e até mesmo uma família.
Apenas na Síria, 11 milhões de pessoas deixaram suas casas ou o país e não possuem um lar para comemorar o Natal. Na Europa desenvolvida, milhares de refugiados curtem a neve e o frio tentando obter um visto de entrada no que para eles seria o mais desejado presente de Natal. Milhares, em outros países, permanecem escravizados por grupos terroristas que tomaram conta do Oriente Médio, da África e Ásia, sem falar nos traficantes do México, Colômbia, Brasil e países da América Central, que dominam territórios, fronteiras e negócios, semeando o terror e o medo.
Não bastasse tudo isso, nem as feiras de Natal escapam do ódio religioso e anticapitalista que hoje parece ser a mais ameaçadora fonte de terror do mundo. Na Alemanha, um fanático pega um caminhão e atropela as pessoas, como já havia acontecido na França, num ataque simbólico a uma festa de origem cristã e que tem como pano de fundo a paz e a concórdia. Nem o aniversário de Jesus é mais respeitado.
Se o Natal é uma época em que a paz deveria predominar, só nos resta torcer e rezar para que o mundo acorde e veja que esse caminho está cada vez mais distante.