Em setembro, Enrico Letta, presidente do conselho italiano dos ministros de 2013 a 2014, vai mudar de vida e será decano da École des affaires internationales des Sciences Po (PSIA).* Ele quer transmitir sua experiência às elites do amanhã e ensiná-las a gerenciar as crises que certamente as esperam.
O Suplemento “Campus” do jornal Le Monde fez um entrevista com o novo diretor sobre os desafios da gestão de crises para as novas gerações. Vale a pena recapitular o que o experiente político disse.
“O que um experiente e responsável político pode dar aos estudantes universitários?
“O que me interessou é a missão que o diretor de “Sciences Po” quer me confiar: associar estreitamente teoria e prática. De fato, nos “affaires internationales”, a distância entre uma e outra é frequentemente grande.
"Minhas aulas abordarão as mudanças que a crise acarretou na Europa. Para superá-la, tivemos que encontrar instrumentos bastante heterodoxos. Se os estudantes só estudam os tratados europeus, eles não saberão enfrentar um mundo onde as crises se sucedem.
“Enquanto estive como ministro, primeiro ministro italiano e deputado europeu, me acostumei a entrelaçar teoria e prática.
“Vivi a crise e constatei como a grande liderança de alguns europeus mudou a situação: a criatividade de Herman Van Rompuy e de Mario Draghi foi decisiva; foi graças a eles que saímos desta crise.
“Acredita que os estudantes que formarão a elite de amanhã estão bem preparados para gerenciar crises?
"Constato que na Itália existe um abismo entre os estudos e a vida real. A Ecole des Affaires Internationale de Sciences Po sempre teve a preocupação em associar teoria e prática. Particularmente, por meio de estágios, método de aprendizagem com o qual temos grandes dificuldades na Itália. Estou aqui também para aprender!
"Os estudantes de hoje, que são os líderes de amanhã, devem ter uma formação em gestão de crises. Vivemos uma época onde estas se produzem de maneira excepcional. Assim formamos líderes da normalidade. Hoje passamos de uma crise a outra. Nossos alunos devem estar preparados para enfrentá-las.
"Que competências devem os estudantes adquirir?
"Quando estive na universidade, estudei sozinho. Era comum. Hoje isto não é mais possível. Desde a Internet, nós estamos todos conectados. Aprender a comunicar, a compartilhar, a trabalhar em grupo é muito importante.
"Outro ponto fundamental diz respeito ao chamado “big data”, informações massivas. Esta é a grande mudança dos últimos anos. No passado, a autoridade vinha do monopólio da informação. Hoje, meus alunos e eu temos o mesmo acesso ao saber.
"A autoridade deve então basear-se sobre uma outra coisa: a seriedade ou respeito (gravitas**). Noção esta, difícil de traduzir em francês. Digamos que isto consista em associar o domínio do conhecimento e da capacidade de interpretá-lo. Estas duas aprendizagens, associados à gestão de crises e a uma grande capacidade de adaptação, constroem a liderança do amanhã.
"Como chegar a isto?
"Dou várias simulações de ‘cases’ no curso. Exemplo: como fazer um breve discurso? Isto pode parecer um detalhe. Na realidade, é o que faz a diferença. Hoje, temos que ser capazes de fazer passar uma mensagem-chave com objetividade, sendo sucintos. É uma questão de minutos. Tive essa experiência exercendo minhas funções anteriores, durante reuniões do conselho europeu ou do G20: ser capaz de desenvolver uma ou duas ideias em um minuto é muito mais eficaz que enunciar várias em 15 minutos. Nesse caso, não se assimila nada.
"Quais são os novos desafios que a geração de seus estudantes deverão enfrentar?
"Há um que esta no centro da atualidade: a migração. Hoje em dia, vemos que a Europa não esta preparada para tratá-la. Devemos formar pessoas capazes de gerenciar as migrações.
"Outro tema estudado há muito por especialistas ou amadores: as mudanças climáticas. Quando meus estudantes estiverem trabalhando, a questão não será mais teórica e sim real. Teremos que tratá-la diariamente e de maneira transdisciplinar.
"Citarei outro ponto: uma atenção renovada da geografia e das regiões do mundo que mudam radicalmente, como o sudeste da Ásia. Enquanto a União Europeia sofre para assinar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos, o Vietnam, ao mesmo tempo, fez um acordo similar com a União Europeia. O que devemos entender com isso? Que uma empresa europeia que deseje penetrar no mercado americano possa talvez ter interesse, primeiro, de se instalar no Vietnam. É disso que devemos estar conscientes.
"Por que escolheu Sciences Po?
"Sou francófono e francófilo. Meu pai era professor de matemática na universidade de Estrasburgo, cidade onde cresci. Levo a França no coração. Como os Verdes! Nos anos 70, era torcedor do Saint-Étienne.
"Também porque, Sciences Po é uma grande universidade global que possui uma ampla atração internacional. Aliás dou minhas aulas em inglês. Além do que a França e a Itália são bastante próximas. Não fico desorientado, e isto me permite ficar de olho na política italiana. A paixão politica não se abandona."
*A École des Affaires internationales des Sciences Po, localizada em Paris, é considerada pela revista The Economist a maior entre as grandes escolas da elite intelectual do mundo hoje; e uma das mais elitizadas escolas da Europa, pela revista Business Week. Foi fundada em 2010 e tem hoje 1.300 alunos.
**Gravitas foi uma das virtudes romanas. Significa seriedade e importância de agir, causando sentimentos de respeito e confiança nos outros.
Tradução: Paulina Gonzalez Forni. Edição: João José Forni