O Grêmio foi vítima do preconceito, ao ser condenado apressadamente pelo STJD, nesta quarta-feira, por atos praticados por torcedores. Se grandes clubes brasileiros fossem condenados na mesma medida utilizada contra o Grêmio, por vandalismos, crimes, assassinatos e atos de racismo praticados por torcedores, já teríamos há muito tempo times como Vasco, Esportivo, Corinthians, Palmeiras, Santa Cruz suspensos de competições nacionais.
Advogados, jornalistas, cronistas esportivos, dirigentes e treinadores foram unânimes em separar a identificação e punição dos torcedores, mas não a dos clubes. Cristiano Caús, advogado do Santos, afirma que não se trata de um caso entre os clubes, e que os culpados sejam punidos: "Esperamos que sejam individualizados os autores".
Há quase uma unanimidade de opiniões entre dirigentes e jogadores de futebol que a punição ao tricolor gaúcho foi exagerada e perigosa para o futuro dos clubes. Os juízes não agiram como juízes imparciais, escudados na Lei, e nem na exata proporção da falta, que o Grêmio, como clube, não reconhece. Mas foram levados pela repercussão midiática e pela demagogia.
O clube não foi omisso, ao contrário, foi o primeiro a entregar às autoridades as imagens dos torcedores acusados de praticar racismo contra jogadores do Santos. E prontamente os identificou, até porque se tratava de sócios. Cancelou as atividades da torcida organizada, local de onde teriam vindo os insultos. E abriu uma ampla campanha contra o racismo.
Nos depoimentos, inclusive da torcedora execrada como a responsável pelo crime de racismo contra o goleiro do Santos, que acabou se transformando na “cara” do transgressor racista, ela deixou claro que gritou o que a torcida estava gritando. Para quem não sabe, o grito de “macaco” por muitos anos, até que se tornasse politicamente incorreto, era um coro gritado nos estádios pelas torcidas adversárias, inclusive a do Grêmio, contra a do Internacional. No caso da torcedora, pode até ser uma forma de se defender.
Mas se as investigações mostrarem que os torcedores localizados atrás do goleiro Aranha o ofenderam, que se aplique a lei nesses torcedores. Mas eliminar o Grêmio de uma competição, não apenas soa como uma resposta demagógica de juízes - que deveriam julgar de forma isenta -, ao “clamor popular”, como abre um perigoso precedente. Afinal, eles estão lá para ouvir os acusados e julgar, ou para agradar a torcida do Flamengo ou do Santos?
Entre os comentaristas que condenaram a atitude do STJD está Juca Kfouri “Sem nenhuma vontade de remar contra a corrente e com todos os cuidados que impeçam parecer uma defesa aos racistas, insisto: a punição ao Grêmio não faz sentido."
“Nem entrarei no mérito da discussão se o time já estava ou não fora da Copa do Brasil.” E continua o colunista da Folha, UOL e CBN: “Atenho-me ao que tenho lido e ouvido dos juristas que o país respeita como tais, não esta gente que faz parte dos tribunais esportivos. Da direita à esquerda, todos os juristas eximem o Grêmio depois de o clube ter tomado as providências que deveria tomar. Todos!”
O STJD, tão cioso agora em perseguir o Grêmio, como se a decisão fosse um sinal para a moralização do desmoralizado futebol brasileiro, não teve o mesmo rigor quando a torcida do Vasco, apenas para citar um exemplo bem recente, massacrou torcedores do Joinville em recente jogo ocorrido naquela cidade catarinense. Imagem que circulou em vários sites internacionais. Nem com o Santa Cruz, quando um torcedor arremessou um vaso sanitário do estádio do Arruda, e matou um simpatizante do Sport Recife. Qual punição rigorosa esses clubes receberam?
A exemplo do que tem acontecido com o casuísmo do STJD em outros casos, como no recente julgamento da injustiçada Portuguesa, vamos ver agora se no próximo escorregão de algum time da Série A ele vai usar o mesmo rigor.
Além disso, quem garante que um torcedor do Atlético, por exemplo, infiltrado na torcida do Cruzeiro, não provoque um ato de racismo com o intuito de “punir” o time celeste de Minas Gerais? E aí? O STJD vai eliminar o líder Cruzeiro do Campeonato Brasileiro?
O juiz do jogo, também punido num ato discricionário, sem análise aprofundada, não registrou na súmula os atos racistas, porque não os ouviu, segundo ele.
A demagogia e apressada conclusão do STJD, sem sequer ouvir ou acompanhar os depoimentos dos torcedores, mostra novamente o amadorismo na condução do nosso já combalido futebol. O resultado todos puderam ver agora na Copa do Mundo, quando saímos humilhados, e continua, ao assistirmos a mediocridade dos campeonatos de futebol brasileiros, quando comparados com os europeus, por exemplo. Jogos que começam às 22 horas, em locais com frio de zero grau, como no Sul do país, porque o futebol se curvou ao horário das novelas da Globo, naturalmente, afugentam os torcedores. E, por isso, a média de público é ridícula. Como estimular um trabalhador para assistir a um jogo, que termina à meia noite, precisando depois pegar ônibus para voltar para casa e trabalhar no outro dia?
O Grêmio e os torcedores foram punidos pelo STJD injustamente. Punam-se aqueles vândalos, que cometeram ilícitos, proibindo-os de ingressarem nos estádios em definitivo. Perseguir o clube parece picuinha de um Tribunal que, encastelado no Rio de Janeiro, tem servido mais para atender aos interesses da cartolagem e de alguns clubes dos amigos do peito. Ele também responde ao preconceito histórico que existe a clubes fora do eixo Rio-São Paulo por parte de alguns comentaristas esportivos, que não perdoam a dupla de Minas Gerais e Rio Grande do Sul por incomodarem os clubes grandes do eixo São Paulo-Rio.
Tem mais. Esse ato não irá impedir que torcedores continuem ofendendo juízes e jogadores e nem irá banir o racismo do Brasil. O presidente do Santos, Odílio Rodrigues, disse que lamenta o fato, mas a punição ao Grêmio não irá sensibilizar torcedores racistas. Se o Grêmio já tinha uma crise grave, por ter torcedores acusados de racismo, ou seja, de crime, dentro do estádio, a decisão do STJD agravou essa crise. O que significa graves prejuízos à imagem do Clube, sem falar nos prejuízos financeiros.
Se o Grêmio tiver um serviço jurídico competente, deve ir à Justiça buscar reparação pelos danos de imagem e financeiros, principalmente por ter isso alijado de uma competição oficial, exatamente na sua fase final, ou seja, quando a realização dos jogos é mais rentável. Ou o STJD se baseou no placar adverso da primeira partida para punir o Grêmio, pré-julgando que ele já estaria fora da Copa do Brasil? Não se duvide.
Em relação aos torcedores, a polícia, sempre lenta, quando se trata de garantir a segurança, também foi apressadinha em marcar os depoimentos com grande estardalhaço. Até porque a apresentação espontânea dos torcedores, pautada pela polícia, com ampla cobertura da imprensa nacional, se transformou numa oportunidade única de alguns delegados terem seus minutos de glória no Jornal Nacional e quiçá até em alguma rede internacional. Ou seja, na crise do Grêmio, do Tribunal que condenou, a grupos ativistas, jornalistas esportivos e polícia, todo mundo achou um bom motivo para tirar uma casquinha e acertar antigas picuinhas.
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