Papa no brasilApesar de uma história pautada por inúmeras crises, a Igreja Católica mostra força. A chegada do Papa Francisco ao Brasil é uma demonstração de como poucas religiões no mundo podem galvanizar multidões em torno de um líder, como o Catolicismo.

Especialmente nos países latinos, de uma longa tradição católica, a vinda de um Papa transforma-se num acontecimento ímpar. É possível até que os jovens que foram às ruas, há cerca de um mês, rompendo anos de acomodação, deem uma trégua nesta semana em que o primeiro Papa latinoamericano passa pelo Brasil.

Protestos, passeatas, provavelmente, acontecerão. Até para aproveitar a alta visibilidade proporcionada pela presença da mídia internacional. A violência, como sempre, ficará por conta dos “mascarados” sempre com outros propósitos, seja políticos ou criminosos. Como aconteceu no Rio, há uma semana.

Surpreende, até certo ponto, o entusiasmo de milhares de jovens em torno de ideais de fé e propósitos, que para grande parte da população parecem ter desaparecido, diante da avalanche de informação de uma sociedade hedonista e consumista.  Muitos juntaram economias durante anos e meses para estar presente na Jornada Mundial da Juventude, no Rio de Janeiro. Grande parte deles ou seus pais fizeram sacrifício para estar no Brasil. O que moveria esses jovens se deslocarem do Leste Europeu, Japão, China, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Holanda, Vietnã países em que o catolicismo não é a principal religião?

Mesmo no Brasil, é mais fácil encontrar jovens interessados em qualquer outra coisa, menos em religião. Por isso, para quem não participa de movimentos católicos ou apenas diz ser católico, porque foi batizado, mas não pratica a religião, ver tantos jovens entusiasmados com um líder religioso, realmente é algo animador e até emocionante.

Já ficou no passado uma época em que a maioria dos colégios, até o nível médio, pelo menos, tinha no currículo escolar a disciplina Religião. Talvez poucas escolas cristãs ainda mantenham ensino religioso. Nos últimos anos, acentuou-se também o enfraquecimento das instituições tradicionais, como a família, a Igreja e a escola, grandes referências no passado.

No caso da Igreja Católica, em particular, no passado, por exemplo, havia missas aos domingos de hora em hora, com igrejas quase sempre lotadas. Hoje, são duas ou três missas por paróquias e, mesmo assim, salvo raras exceções, como nas missas rezadas por celebridades, como o Pe. Marcelo Rossi, em São Paulo, há pouca presença de católicos. A maioria da população, nas cerimônias religiosas, está na faixa de mais de 40 ou 50 anos.

A perda de influência da Igreja Católica coincide também, no Brasil, com um intenso processo de migração do meio rural – onde ela sempre foi muito forte – para as cidades. E com um aumento da renda da população. As catedrais ou igrejas do passado, sempre lotadas, cederam lugar, hoje, aos shopping-centers, os grandes templos do consumo e do prazer. Os feriados religiosos para a geração mais nova é sinônimo de férias ou divertimento. Perderam o significado histórico e simbólico. Tudo isso tem contribuído para a religião cada vez mais ficar restrita a uma geração mais velha, criada sob o manto da Igreja. E que não tem seguidores.

O Papa humilde e o intelectual

Desde a escolha surpreendente pelo Colégio de Cardeais, o Papa Francisco deu sinais claros de que veio para mexer com a tradição da Igreja. Já muito se escreveu sobre o que representa sua chegada aos labirintos do Vaticano, sempre tão misteriosos e fechados. Francisco está rompendo com tradições e assustando os membros da Cúria, que, por anos, controlavam os passos do Papa e os cofres do Vaticano.

Bento XVI foi engolido pelas intrigas e costumes da Cúria. Ele não escondeu, numa longa conversa com repórteres da revista Der Spiegel, em 2012, o que o incomodava no Vaticano.

Bento XVI talvez nunca tivesse desejado ser Papa. Gostaria de ter continuado Cardeal, estudioso, escrevendo livros e documentos religiosos, porque era um intelectual. Não aguentou a pressão e o “enorme encargo para uma idade tão avançada”, como disse, chegando ao ponto de quase confessar que não era feliz.

Ao responder a uma menina vietnamita, de sete anos, que lhe perguntou como tinha sido sua infância, Bento XVI respondeu: “Para dizer a verdade, se eu tentar imaginar um pouco como será o Paraíso, eu penso sempre no tempo da minha juventude, da minha infância. Neste contexto de confiança, de alegria, amor, nós éramos felizes, e eu acho que o Paraíso deve ser algo parecido com o que foi a minha juventude”.

Nos bastidores do Vaticano se dizia ano passado que Bento XVI “não exercia plenamente a sua função”, conforme admitia, em conversas, um Monsenhor que privava da intimidade da Cúria. Na opinião dessa fonte, em vez de ter as coisas sob controle, elas controlavam Bento XVI.

O Cardeal Ratzinger sentia-se desconfortável com o poder a ele atribuído pelo papado, uma das razões pelas quais ele se recusou a fazer uma abrangente reforma do sistema da Cúria e acabou engolido por ela. Ele preferiu colocar sua confiança nos subordinados. Alguns confiáveis, outros nem tanto.

Esse foi o cenário que o Cardeal Bergolglio encontrou em Roma, ao ser eleito Papa. De certa forma está rompendo com tudo isso. Os vaticanistas admitem que Francisco está fazendo mudanças não apenas na burocracia da Cúria Romana, uma ditadura que comandava o papado. Ele trocou muita gente, mandou cardeais de volta para suas bases, por terem sido complacentes com as denúncias de pedofilia; demitiu o diretor do Banco do Vaticano.

Com ares de boa gente, de amigão, pouco afeito ao luxo e aos protocolos seculares da Igreja, ele em pouco mais de 100 dias mexeu mais com os bastidores do Vaticano do que todos os Papas juntos, desde João XXIII. Recusou aposentos espaçosos, paramentos luxuosos, sapatos de grife e anel de ouro. Desagrada certamente muita gente, que o acha populista, supremo pecado para um Papa. Mas tem o apoio de outros tantos e, principalmente, dos católicos. Para ele, no momento, parece ser isso o mais importante. Até certo ponto constrange políticos e colegas Cardeais, tão afeitos à Corte e às mordomias. Essa parte burocrática e material é apenas um dos lados da moeda.

Mas ele também está preocupado com o futuro da Igreja. Francisco sabe que vários dogmas estão sendo postos à prova, todos os dias, mediante aprovação de Leis que confrontam diretamente o Código Canônico. Assim ocorre com a aprovação do aborto, do casamento homossexual, da livre aceitação dos anticoncepcionais, do questionamento do celibato dos religiosos, da ordenação de mulheres e da dissolução da família tradicional, enfim, princípios seculares da Igreja que daqui a alguns anos terão que ser encarados, queira ou não o Papa.

Cada vez menos católicos

No Brasil, considerada a maior nação católica do mundo, a Igreja vem perdendo adeptos nos últimos 50 anos. Pesquisa do Instituto Datafolha, realizada em junho, apontou que 57% dos brasileiros com mais de 16 anos se declaram católicos, o menor índice da história do Brasil. Parece ser uma crise grave, realmente, mas não esquecer que isso significa mais de 110 milhões de brasileiros.

Esse “eleitorado” católico ainda faz barulho e opinião no país, a ponto de nenhum candidato a presidente ou governador querer confrontá-lo, como aconteceu na última eleição. A Igreja ainda tem um grande poder no Brasil. Mesmo assim, há sinais de crise, porque em 2007, apenas seis anos atrás, esse índice era de 64% e em 1994, portanto, há menos de 20 anos, chegava a 75%. No fim do século XIX, quando do primeiro recenseamento, o percentual de brasileiros que se diziam católicos era de 99,5%.

O Concílio Vaticano II, no início da década de 60, rompeu com tradições seculares, como a Missa e ritos religiosos na língua latina, entre outros, e que conseguiram trazer a Igreja Católica, mesmo no meio de tempestades, até o século XXI. Mas o Papa sabe que isso só não basta. O crescimento de outras religiões, quando não a descrença em professar qualquer tipo de fé, jogam contra o futuro e a tradição da Igreja.

Pelo menos no Brasil, ainda há um alto índice de confiabilidade. Basta ver pesquisa do Ibope sobre credibilidade das instituições no Brasil, que colocam as Igrejas com mais de 70% de aprovação, só abaixo dos Bombeiros, acima dos meios de comunicação, das empresas, escolas, polícias, do governo e demais instituições.

Coragem parece não faltar ao Papa argentino para encarar os desafios. Em pouco tempo deu sinais de atacar as crises que a Igreja preferiu ignorar ou abafar, nos últimos anos; até porque elas não podem mais ser colocadas para baixo do tapete, como aconteceu com as denúncias de assédio, que pipocaram em vários países, desde 2002. Ou com a pouca transparência das contas do Banco Vaticano; e com a fuga de católicos, que não aceitam o radicalismo dogmático da Igreja Católica em alguns campos.

Aliás, a Igreja Católica tem pouca tradição de trabalhar com transparência, como se sempre houvesse uma nuvem, um véu cobrindo coisas que se comentam, mas nunca são esclarecidas. Francisco terá que romper com esse lado obscuro e que não combina tanto com sua personalidade, quanto com os novos tempos.

Importa saber se o carisma do Papa que veio "do fim do mundo", como ele disse, com sua simplicidade e franqueza, serão suficientes para mexer com pilares que estão inabaláveis há cerca de dois mil anos.

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