A falha ridícula na segurança do Papa Francisco, no trajeto entre o Aeroporto e o centro do Rio, expôs o risco de crise que as instituições correm por descuidar dos detalhes ou pela falta de unidade de comando. Foi uma pequena peça da parte mecânica, combinada com erros humanos, que derrubou o avião da Air France, em maio de 2009.
No Rio, o comboio só não caiu, provavelmente, porque Deus não quis. Porque milhares de agentes, soldados, policiais, seguranças privados, policiais federais nada poderiam fazer diante da fragilidade do esquema de segurança do Papa, que permitiu seu carro ficar retido num engarrafamento. Completamente cercado, sem rota de fuga para qualquer lado, numa das avenidas mais movimentadas da cidade. Era tanta gente cercando o carro do Papa que os batedores da Polícia Federal não conseguiram acompanhá-lo e se dispersaram. Quem ficou cercando o carro foram os agentes da Polícia Federal.
Só não houve um atentado, provavelmente porque os vândalos e malfeitores brasileiros devem padecer do mesmo mal de quem montou o esquema de segurança: despreparo e improvisação na tomada de decisão.
Quem quisesse agredir o Papa, jogar alguma coisa dentro do carro ou até mesmo explodi-lo não teria qualquer dificuldade, diante daquele trajeto maluco estudado e planejado há meses, em longas reuniões, certamente regadas a várias passagens aéreas e gordas diárias.
Por que ocorreu aquele entrevero? Simplesmente por falha de coordenação e de comunicação, conforme confessou o Secretário de Transportes da Prefeitura do Rio de Janeiro. A princípio, a Prefeitura do Rio tentou atribuir a falha a uma decisão de última hora de pessoas do Vaticano, por solicitação do Papa e cujo teor a Prefeitura desconhecia. Tudo bem. Foi isso que aconteceu? O que deveriam fazer as autoridades brasileiras ou os responsáveis pela segurança, próximos ao Papa ou ainda no aeroporto se verossímil essa alternativa?
Para tudo. Mudo tudo. Comunica a quem de direito: interdita a rua tal. O Papa decidiu agora ir pelas catacumbas, pelo buraco do metrô, pelo ar, sei lá. Por onde ele tivesse escolhido. Para tudo, interdita, porque a segurança tem prioridade. E libera os demais trajetos. Qualquer batalhão brancaleone teria feito isso e não transformado o trajeto do Papa numa autêntica Operação Tabajara, que mereceu manchetes e observações irônicas e humilhantes na imprensa e nos sites internacionais.
Mas a desculpa de que foi o Vaticano a mudar o trajeto não durou 24 horas. Em pouco tempo começaram a pipocar explicações, que só não foram piores do que a operação. Na terça-feira, a Prefeitura do Rio de Janeiro admitiu falhas na passagem do Papa pelo centro da cidade.
O Secretário dos Transportes admitiu erro de comunicação: “Quando existe um deslocamento de autoridade em carro fechado, esse deslocamento é de exclusiva responsabilidade da escolta e da proteção policial. A decisão pela Presidente Vargas foi tomada pela escolta. Efetivamente houve uma falha de comunicação ontem, que não vai se repetir”, declarou o secretário em entrevista. Horas depois, reconheceu que um funcionário da prefeitura foi avisado do trajeto, mas não passou a informação adiante. Como é?
Aí está o cerne do entrevero. Um empregado da Prefeitura – que deveria ser identificado, até pela gravidade do erro – foi notificado e não deu a informação a quem de direito. Mas que esquema é esse em que uma decisão estratégica fundamental – mudar o trajeto do Papa – é assoprada a um burocrata e ele “se esquece” de passar adiante. Faltou hierarquizar as decisões, faltou comando nessa crise e ficou evidente o despreparo da equipe para situações de risco.
A Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos, do Ministério da Justiça, reconheceu que a situação na segunda-feira fugiu do controle. O pior veio de uma Nota divulgada pelas autoridades de “que o trânsito pesado na avenida foi decisivo para a imobilização do comboio.” É mesmo? Trânsito pesado? E eles não sabiam que a Avenida Presidente Vargas tinha trânsito congestionado? E corrigiu o disse-me-disse, a Prefeitura do Rio sabia do trajeto do Papa desde sexta-feira (19). E aí?
Elio Gaspari, na coluna semanal publicada nesta quarta-feria em alguns jornais brasileiros, disse que “Num dos momentos mais ridículos já ocorridos em visitas do gênero, um soldado foi fotografado verificando o nível de radioatividade do quarto de Francisco em Aparecida. Os sábios da demofobia planejaram tudo e, como sucede a milhares de cariocas, o Papa acabou engarrafado na Presidente Vargas. Evidentemente a Prefeitura responsabilizou a Polícia Federal, e a Polícia Federal responsabilizou a prefeitura, mas isso não é novidade”.
Viviane Mosé e Artur Xexéo, no programa diário da CBN, ao comentar a Operação Tabajara do Rio, junto com a parada repentina do metrô, por falta de energia, ontem no Rio, por duas horas, disseram que, apesar da repercussão internacional, o nosso maior problema é interno. Nós ainda não sabemos organizar diversas coisas ao mesmo tempo para atingir um único resultado, mas apenas uma coisa de cada vez.
Com a Copa das Confederações e a chegada do Pontífice ao país, segundo eles, demonstramos que diante de situações complexas temos um raciocínio rasteiro, reflexo da estrutura de nossa educação, que é tratada como uma linha de montagem e que não pensa como um todo. O Brasil tem dificuldade de lidar com a pluralidade. Não conseguimos administrar as diversidades. Coisas pequenas não são cuidadas e pensadas, como o trivial fato de um engarrafamento prender a comitiva do Papa. Artur Xexéo concorda que o Papa ficar preso no engarrafamento é ridículo. Realmente parece algo de pessoas amadoras.
O que se conclui do lamentável episódio é uma demonstração de que por mais marketing ou excesso de autoridades cuidando de um evento, é nos detalhes que as crises acontecem. Seria muito bom analisar as atas das reuniões feitas, anteriormente, sobre o que as autoridades discutiam sobre segurança. Será que o cenário acontecido – Papa retido num congestionamento – foi contemplado nas análises, simulações ou probabilidades aventadas? Havia um Plano B para o caso de tudo dar errado? Provavelmente não.
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Comentários de Viviane Mosé e Artur Xexéo