Há uma pergunta no ar que nos últimos dias perpassa as redes sociais e incomoda os manifestantes que, pacificamente, vão para as ruas protestar e não querem confusão. Por que a polícia dos diversos locais onde houve passeatas assiste passivamente ao avanço dos vândalos e arruaceiros e só age depois que eles começam a destruir bens públicos e propriedades privadas?
Em Belo Horizonte, na 4a. feira (26), foi flagrante como a polícia esperou e deixou um pequeno grupo de manifestantes tentar derrubar as grades, que separavam a barreira policial do caminho para o estádio, onde o Brasil jogava. Os policiais limitaram-se, por meio de um megafone, a alertar as pessoas, que estavam ali somente para protestar, para se afastarem do grupo de arruaceiros e evitar confrontos. Até aí, correto. Mas só isso não bastou.
Mesmo para um leigo em segurança, pelas imagens divulgadas pela televisão, estava claro que aquele pequeno grupo poderia ser cercado pelo batalhão de policiais (entre 5 a 6 mil) e todos eles deveriam ter sido presos, naquela hora, porque estavam afrontando a polícia. Isso não aconteceu.
Eles tentaram ultrapassar as barreiras e precisaram ser contidos por bombas de efeito moral e tiros de borracha. Até porque a área de segurança da FIFA é intocável. Só isso. Os vândalos saíram dali e foram para o centro, depredando o que encontrassem, incendiando carros e saqueando lojas. Onde estava a polícia? Ela os seguiu, mas permitiu que o bando fizesse o que quisesse, até o momento de agir. Veja as imagens.
A cena de uma mulher, comerciante, ajoelhando-se e pedindo aos arruaceiros para não saquearem sua loja – certamente seu ganha-pão – é deprimente, vergonhosa, covarde. Uma cidadã que paga impostos, estava trabalhando até aquela hora, precisou se ajoelhar para pedir ao bando de saqueadores – todos ali unicamente para quebrar e roubar – que poupassem sua propriedade. E a polícia, que os seguia, o que fez? Na sequência, o tumulto causou a morte de um jovem de 21 anos. Ao fugir da confusão, caiu com outras pessoas num vão de um viaduto.
Essa passividade gerou especulações nas redes sociais, sobre o que estaria por trás dessa conivência com a bagunça. Seria uma aposta no “quanto pior, melhor”, porque assim os manifestantes irão desistir de ir para as ruas? Ou os policiais, depois das cenas de violência em São Paulo, foram recomendados a só agir em último caso, ou ficaram com medo de cumprir sua missão? O anúncio de dezenas de prisões, no dia seguinte, serve apenas como uma resposta tardia, mas não ameniza os prejuízos, nem os riscos que esses marginais oferecem às pessoas de bem que querem ir para a rua protestar ou àqueles que estão trabalhando. Muito menos a morte, como aconteceu em Belo Horizonte, Belém e Ribeirão Preto.
Ou os policiais não acreditam que a Justiça irá fazer alguma coisa? Até porque, no Rio de Janeiro, um juiz não autorizou a prisão temporária de arruaceiros. O entendimento seria de que o "crime" deles não chega a ser uma ameaça à sociedade? Perguntem aos proprietários das lojas destruídas se eles concordam. Outro risco é a população começar a rejeitar as passeatas, pela contaminação delas com a arruaça espontânea ou dirigida, quem sabe? A polícia está lá, não apenas para proteger a imagem e o patrimônio da FIFA, que na segunda-feira vai gastar a grana da Copa das Confederações na Suíça. Está lá para proteger os manifestantes de paz e o patrimônio público e privado, que irão continuar aqui.
O leigo em segurança poderia perguntar, será que os policiais esperam primeiro a quebradeira, os incêndios, para depois agir? Com medo de críticas, ações judiciais ou julgamentos, pela eventual violência empregada, de parte de grupos de direitos humanos, que defendem os marginais? Qualquer manual de gestão de crises recomenda prevenção, gestão de riscos, antes que a crise chegue. Nos últimos dias, o que a polícia em várias cidades pelo Brasil afora está fazendo é esperar a crise ou a temperatura atingir o estágio da ebulição, para só então agir. A polícia está lá, no entendimento da população, para protegê-la, mas também para prevenir a destruição do bem público, que nós iremos pagar. E a propriedade particular, quem paga?
Essa é a pergunta que a mídia internacional também começa a fazer, como se depreende do artigo de hoje do jornal espanhol El País:
Uma pergunta inquietante sobre os protestos brasileiros.
“Uma pergunta inquietante sobre os protestos populares em todo o país circula nas redes sociais e na imprensa: por que a polícia deixa um grupo de vândalos agir e não os detém nem os paralisa? Neste momento, a quem interessa que uma passeata 99% pacífica seja manchada por um grupo que aparece pontualmente para destruir o que vê pela frente e provocar irritação e medo na população?
Muitos cidadãos que sairiam felizes para participar dos protestos, que já obtiveram grandes vitórias políticas e sociais, preferem segui-las de casa por medo de se envolver em um confronto violento. Não há explicação para o que ocorreu, por exemplo, quarta-feira passada em Belo Horizonte, onde 5.500 policiais e 1.500 soldados do exército foram incapazes de impedir um grupo de cem vândalos de destruir e incendiar uma concessionária de automóveis, saquear casas e queimar mobiliário urbano.”
Outros temas relacionados
Manifestantes suspeitam de atos de vandalismo em Belo Horizonte
Destruição foi só preliminar da Copa, diz diretora de loja depredada em BH
Intelectuais e mídia tentam entender o choque das ruas
Mais de 80% dos manifestantes convocados pelas redes sociais
Violência nas ruas mistura política, ressentimentos e efeito manada
Crise europeia frustra sonhos da juventude
Jovens vão para as ruas e assustam governos
Protestos fazem Londres viver noites de horror
Crise econômica e política transformam o mundo num caldeirão