Há duas semanas, cientistas políticos e intelectuais de vários matizes, junto com a midia, escrevem e debatem para tentar interpretar e entender o grito de cobrança das ruas. Qual o desfecho de um movimento que começou, aparentemente, sem grandes pretensões, e conseguiu mobilizar milhares de pessoas pelas redes sociais para protestar, não mais sobre o preço das passagens, mas para mudar o país?
A mobilização se transformou numa grande onda de protestos, pelo Brasil afora. No fim de semana, calculava-se que um milhão e duzentas mil pessoas teriam participado de inúmeras passeatas em pelo menos 80 cidades. Outros falam em 2 milhões de pessoas. O que significou essa mobilização? Como os historiadores, cientistas políticos e sociólogos estão interpretando ou “lendo” essa avalanche que tomou conta do Brasil?
Levantamento das declarações ou textos mais marcantes registrados pela mídia, na última semana, após sucessivas passeatas e confrontos com a polícia, seguidos de atos de vandalismo de alguns arruaceiros, dão uma ideia de como todos estão perplexos. A tentativa de pinçar as ideias ou declarações mais marcantes de artigos de jornais, entrevistas e reportagens pode ajudar a pensar sobre o momento que estamos vivendo.
“Como analisar esse mal-estar urbano que ninguém percebeu que existia? Quem entrevistar, se são milhares e não há líderes?” (Suzana Singer, Ombudsman da Folha de S. Paulo).
“Se vocês não nos deixam sonhar, nós não deixamos vocês dormir”. (Cartaz da passeata do dia 13/06/13).
“O monstro foi para a rua”. (Elio Gaspari, colunista de O Globo e da Folha de S. Paulo).
“A maioria dos ativistas rejeita os políticos e partidos. Mas ainda não ficou claro como seria uma outra forma de representação fora do Congresso Nacional”. (Fernando Rodrigues, colunista da Folha de S. Paulo).
“O tamanho das marchas se impôs como índice de mudança de qualidade dos protestos. Mal ou bem, a massa falou pela maioria e falou contra os poderes instituídos”. (Editorial da Folha de S. Paulo, 19/06/03).
"A justificativa de coibir abusos e atos de vandalismo serviu de pretexto para uma repressão violenta e desproporcional". (Federação Nacional dos Jornalistas).
"Nós, os anarquistas, não consideramos a destruição de bens materiais como um ato de violência. A violência ocorre contra a pessoa." (Fotógrafo, que não quis se identificar).
"A nova geração de jovens brasileiros que começa a despertar de sua letargia não conheceu os horrores da ditadura e goza das vantagens de uma democracia e de um bem-estar que seus pais não conheceram. Talvez por isso, por terem nascido num regime democrático, queiram um país com menos corrupção e serviços públicos que correspondam à alta carga tributária suportada pela sociedade. (Juan Arias, colunista do jornal El País, Madrid).
“O modelo de cooptação de partidos, sindicatos e entidades estudantis, na busca de uma hegemonia que gerou a condenação do PT pelo STF, emudeceu os canais legítimos de crítica, essenciais ao equilíbrio do governo, mergulhado numa zona de conforto agora sacudida pela marcha histórica da classe média.” (João Bosco Rabello, Estadão, 23/06/13).
“Hoje, infelizmente, boa parte de nossos parlamentares age como lobistas. Quando se ouve falar em “bancadas” no Congresso, o que temos são grupos que atuam em prol de interesses particularíssimos”. (Roberto Romano, Estadão, 23/06/13).
“A mobilização estudantil ganha expressão diante de uma paisagem urbana tradicionalmente ocupada por soldados comandados por centrais sindicais”. (Gaudêncio Torquato, cientista político).
“Faltou estratégia. Esse governo reage caso a caso. Criou tantas incertezas em relação às regras do jogo que é temerário investir no País hoje”. (Eduardo Gianetti da Fonseca, economista).
"De um lado, a estética exuberante dos estádios de futebol, emoldurada por forças e traços futuristas...; de outro, a acanhada e esburacada estrutura de serviços...” (Gaudêncio Torquato, cientista político).
“Há uma imensa brecha entre as promessas dos políticos de esquerda no governo e a dura realidade da vida cotidiana fora da elite política e econômica”. (Editorial do The New York Times, 21/06/13).
“Dilma demorou demais a falar, demonstrou fraqueza ao correr para o colo de Lula e o pronunciamento de sexta-feira foi mais do mesmo quando presidentes se sentem sob pressão, em apuros”. (Eliane Cantanhêde, colunista da Folha de S. Paulo, 23/06/13).
“A visibilidade proporcionada pela Copa das Confederações e a vizinhança de uma crise econômica, que parece maior do que avisaram a população, parecem ser ingredientes importantes para ter dado mais consistência ao caldo das mobilizações populares”. (Jairo Bouer, psiquiatra).
“A atribuição desmedida de caráter político às passeatas, feita nos meios de comunicação e oriundos das universidades, deu forte contribuição às tensões propagadas e às dificuldades de decisão, antes e agora, dos poderes públicos”. (Janio de Freitas, jornalista).
“Muita gente escreve bobagens apressadas sobre o papel das redes sociais, porque ainda é cedo para avaliá-lo completamente, mas essas redes e a Internet em geral introduziram novidades que todo mundo já sentiu e cujas consequências mal começamos a ver”. (João Ubaldo Ribeiro, escritor).
“O recado das ruas serve ainda de alerta para que gestores públicos passem a lupa sobre serviços precários em todos os setores da vida cotidiana”. (Gaudêncio Torquato, cientista político).
“Os protestos demonstram a insatisfação generalizada com as instituições e, o mais surpreendente, foi a reação das pessoas de tomarem as ruas para deixar isso bem claro”. (Santos Mundim, professor da UFG).
“Prosperidade não compra estabilidade. A principal surpresa desses protestos é que tenham acontecido em países bem sucedidos economicamente”. (Moisés Naím, colunista da Folha de S. Paulo).
“A polissêmica e vibrante voz das ruas, que agora atingiu alto e bom som, tem que ver com a emergência de um novo modo de vida e o esgotamento de um modo de fazer política. Associa-se a uma percepção social de que a sociedade está excluída da arena pública e quer nela ser reconhecida e dela participar”. (Marco Aurélio Nogueira, professor de Teoria Política da UNESP).
“Quando os que saem às ruas – praticamente sem lideranças organizadas – se transformam em multidões, a mudança não é apenas de ordem de grandeza. Multidões tendem a ser disformes, impulsivas, imprevisíveis – e propensas à violência.” (Editorial, O Estado de S. Paulo, 22/06/13).
“Eu nunca vi manifestações de tal proporção e durante tanto tempo. O grande problema é para onde isso vai, pelo fato de não ter organização política por trás”. (Ferreira Gullar, poeta).
"A vida no Brasil sem dúvida melhorou e muito, nestas duas décadas de ajuste do capitalismo global. No entanto, ninguém aguenta mais. Essa a dissonância básica, ainda mais estridente quando o contexto é de baixo desemprego (...) Onde havia um horizonte de superação, existe uma ratoeira. Essa armadilha é o Brasil do futuro que afinal chegou." (Paulo Arantes, filósofo, escritor e professor da USP).
“Temos que tomar cuidado com as certezas absolutas. É preciso entender a mensagem das ruas e ninguém sabe onde fica a tecla SAP”. (Helio de La Peña, humorista e ator).
“Trata-se de um momento de interrupção da comunicação entre os atores políticos. Os canais considerados legitimamente aceitos de comunicação e reivindicação parecem insatisfatórios”. (Sergio Adorno, professor da USP).
“As manifestações trouxeram vida, esperança. É um movimento de catarse. A insatisfação teve voz”. (Sylvia Dantas, professora de psicologia).
“Não haverá mais política como conhecemos até agora. Daqui para a frente ela irá em direção aos extremos”. (Vladimir Safatle, colunista da Folha de S. Paulo).
“O fundamental é encontrar para a vontade de mudança, um caminho político,. Caso contrário, ou teremos paralisia ou as formas mais despolitizadas e selvagens de protesto”. (Marcelo Coelho, colunista da Folha de S. Paulo).
“Como o 15M (os indignados da Espanha) ou a Primavera Árabe, os protestos no Brasil mostram uma enorme capacidade de formas novas e eficazes de comunicação. Elas surpreendem o poder, os políticos e as administrações, despertando-os de suas rotinas “partidárias”. (Gonçal Mayos, professor da Universidade de Barcelona).
“Na hora de pensar os eventos em que a tessitura social fica amassada, se não rasgada, a consciência social não só rejeita os amassos do real como mau gosto, mas torna-se insensível a eles. (Pedro Rocha de Oliveira, professor de filosofia da UniRio).
“As manifestações de rua da semana passada mostraram de modo inequívoco que estão quebrados os canais de comunicação de imensa porção da sociedade brasileira com as instituições que deveriam representá-la”. (Editorial, revista Veja, 26/06/13).
"O imperativo de garantir a livre manifestação de ideias coexiste com o imperativo de garantir a normalidade da ordem para todos - para os que se manifestam e para os que não desejam fazê-lo." (José Garcez Guirardi, advogado e professor da GV/SP).
“Claramente, havia insatisfação em relação ao preço do transporte público, que pode ser visto como o gatilho dos protestos. Mas, embora as condições de vida tenham melhorado no país, muitas pessoas gostariam de ver o governo fazer mais para atender suas necessidades”. (Rory VcVeigh, diretor do Centro para o Estudo de Movimentos Sociais da Universidade de Notre Dame).
“Acúmulo de insatisfação. O brasileiro é vítima de promessas não cumpridas. É um mundo azul que está logo ali, mas nunca é atingido”. (Gilberto de Mello Kujawski, filósofo).
"A cooptação política dos canais tradicionais das minorias, como sindicalistas e movimentos sociais, converteram as redes sociais no canal de reivindicações das minorias". (Leonardo Barreto, cientista político da UnB).
“A direção do PT está em pânico. É a primeira vez que o PT precisa enfrentar um movimento de massas. Embora não seja só contra o partido, é contra ele também”. (Lincoln Secco, historiador).
“Os entusiasmos estão sendo conduzidos de maneira errada. O governo, quando faz estádios monumentais, está nessa direção de favorecer mais o Neymar que o professor”. (Gilberto de Mello Kujawski, filósofo).
“Existe a consciência de que, se o clamor popular se identificar com um ou poucos partidos, perderá apoio popular, autenticidade, se moldará com interesses particulares e corruptelas. E não é isso que se quer”. Gonçal Mayos, professor da Universidade de Barcelona).
"Um país que faz a opção de que cada um cuide do próprio transporte, saúde e educação, em detrimento dos canais públicos, é um país que vai entrar em colapso. (...) O consumo como forma de realização da política é o maior risco que corremos. A política é o lugar do coletivo e do diferente; o consumo, o lugar do individual e do igual." (José Garcez Ghirardi, Advogado e professor de direito da GV/SP)
“A gente criou uma coisa imprevisível, que não tem como controlar”. (Ativista do movimento “Passe Livre”).
"Por que protestam os brasileiros? Os pobres que chegaram à nova classe média conscientizaram-se de que deram um salto qualitativo na esfera do consumo e agora querem mais. Querem serviços públicos de primeiro mundo, que não há; querem uma escola que ofereça um ensino de boa qualidade, que não existe; querem uma universidade moderna, viva, que os prepare para o trabalho futuro. Querem hospitais com dignidade, sem meses de espera, sem filas desumanas." (Juan Arias, colunista do jornal El País, Madrid).
“Sejamos francos: ninguém ta entendendo nada. Nem a imprensa nem os políticos nem os manifestantes”. (Antonio Prata, colunista da Folha de S. Paulo).
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