Clientes do Lloyds Bank, no Reino Unido, que tiveram os pedidos do seguro de proteção de pagamento rejeitados, estão sendo instados a lutar para obter na Justiça uma compensação, após investigação secreta que flagrou evidências de falhas graves no tratamento das queixas.
Reportagem investigativa do jornal britânico The Times expôs como o banco britânico tratava as queixas dos clientes. O modelo de tratamento não é muito diferente do que, presumivelmente, acontece com muitas empresas, no Brasil, a julgar pela forma como tratam os clientes nos call-centers e na forma de administrar as reclamações.
Repórteres do The Times descobriram que no Lloyds Banking Group empregados contratados na maior central de reclamações de Seguros de Proteção de Pagamento (SPP) foram ensinados a manipular o sistema em detrimento dos clientes. Não foram erros cometidos pelos empregados sem conhecimento dos chefes, diz abertamente a reportagem.
Os clientes foram vítimas de um dos escândalos financeiros mais famosos da Grã-Bretanha e que recebeu ampla cobertura da mídia britânica. Vendedores terceirizados, que trabalham para os maiores bancos de varejo britânicos, manipularam informações em contratos de empréstimo em detrimento dos clientes.
No caso específico do Lloyds, o repórter do The Times, autor da reportagem, assegura que alguns vendedores do banco falsificaram informações sobre contratos e que os operadores encarregados de processar as reclamações são instruídos pelo banco a “efetivamente fechar os olhos para o risco de fraude”.
A maioria dos clientes desistiria de ir atrás de uma queixa, nessa área de seguros, se o banco a rejeitasse a primeira vez, diz o repórter. Como ele ficou sabendo disso? O repórter do jornal passou pelo processo de recrutamento e treinamento para trabalhar como processador da central de reclamações (Payment Protection Insurance-PPI-Seguros de Proteção de Pagamento-SSP)) no Royal Mint Court (sede do call-center), em Londres.
Segundo a reportagem do The Times, explicitamente, sem pedir sigilo, os instrutores explicaram a ele, durante o treinamento:
- Alguns vendedores contratados do banco tinham falsificado informações do SSP, em contratos de vendas de empréstimos; ou seja, falsificaram dados dos clientes, em benefício do banco.
- Os operadores das reclamações deveriam efetivamente fechar os olhos para o risco de fraude. A maioria dos clientes desistiria de ir atrás de sua queixa, se o banco a rejeitasse pela primeira vez.
- Que um emprego como processador de queixas de clientes nessa central poderia ser "moralmente difícil".
A reportagem investigativa também descobriu:
- Um documento secreto que admite abertamente que o Lloyds perdeu alguma evidência crucial do cliente (o que dificultaria sua queixa).
- Em algumas ocasiões, os empregados violaram a privacidade dos clientes, prerrogativa esta amparada na Lei de Proteção de Dados. Essa violação teria levado um casal ao divórcio.
- Que toda a operação foi baseada no pressuposto de que os vendedores do Lloyds nunca teriam vendido inadequadamente o seguro de proteção de crédito (SPP).
Serviço terceirizado
O Lloyds Bank, em resposta aos questionamentos do The Times, disse que tinha encerrado seu contrato com a Deloitte, uma das "quatro grandes" empresas de contabilidade e consultoria, responsáveis pelo funcionamento da unidade de reclamações, depois de investigar "problemas" na sede do call-center. A Deloitte foi uma das empresas que conduziu a operação, que empregou 1.300 contratados para processar milhões de reclamações sobre produtos, na unidade do banco, desde a sua criação em 2011.
A PPI é uma espécie de seguro de crédito, que se destina a ajudar as pessoas a pagar os juros sobre os empréstimos, se perder o emprego ou ficar doente. Mais de 34 milhões de apólices foram vendidas, o que significou um faturamento de R$ 16,2 bilhões por ano.
A Deloitte, por sua vez contratou a Momenta, uma empresa de recrutamento da City, para selecionar pessoal para trabalhar na Central da Royal Mint Court. Apesar da terceirização, as regras da autoridade fiscalizadora (FCA) prevêem que o Lloyds continua a ser responsável pelas operações de processamento de reclamações financeiras referentes aos seus clientes. Diante das denúncias graves de “manipulação” e distorções no atendimento, o banco disse que os empregados estavam sendo re-treinados por um novo fornecedor "em linha com as nossas políticas e procedimentos".
Convenhamos. É uma resposta bastante evasiva para uma acusação tão grave. O banco não chega nem a informar se apurou alguma irregularidade, conforme denuncia a reportagem. O Lloyds se defendeu, em declarações ao The Times, após o escândalo cair na mídia: "Alguns dos comentários feitos pelos instrutores para o seu repórter não são endossados pelo Lloyds Banking Group e acreditamos que eles não refletem os nossos elevados padrões de formação ou as nossas políticas. Nós acreditamos que os comentários sejam isolados e estão sendo tratados agora”.
As revelações, segundo o Times, causaram muito constrangimento para o Lloyds Group. O presidente-executivo, Antonio Horta Osorio, descreveu o escândalo como "inaceitável" e prometeu corrigir os danos aos clientes.
A empresa de consultoria Deloitte se negou a comentar detalhes de casos específicos, por causa da confidencialidade dos clientes, mas acrescentou: "O papel da Deloitte era processar reclamações de vendas abusivas do sistema PPI (Payment Protection Insurance) a clientes do Lloyds Banking Group, que foram comercializadas de acordo com as políticas e procedimentos" do banco, conclui a reportagem. Foi a forma mais ou menos nebulosa de dizer “não tenho nada com isso. Procurem o banco".
Organizações independentes do Reino Unido dizem que os bancos rejeitam pelo menos um terço das queixas dos clientes.
Problema também não é meu
O jornal londrino informa também que uma fonte do Financial Ombudsman Service, órgão independente criado pelo Parlamento para resolver os litígios entre as empresas de serviços financeiros e seus clientes, disse que a suposta falsificação era um problema regular. Entenda-se como quiser.
A fonte acrescentou que o ombudsman não tinha feito declarações públicas sobre suspeita de fraude porque não tem autoridade para fazê-lo. Em vez disso, ele aconselhou os queixosos a procurar a polícia, se eles achavam que tinham sido enganados.
Não diferente de outros casos em que o cliente é o principal prejudicado, acaba sobrando para a vítima. Ela é enganada, as próprias queixas são manipuladas. E a autoridade fiscalizadora diz: se você se julgou prejudicado, procure a polícia. No caso do Brasil, a Justiça. É o caso de perguntar para que serve o Financial Ombudsman Service.
Atualização do artigo
Em junho de 2015, as autoridades britânicas aplicaram uma multa de 117 milhões de libras (R$ 530 milhões) ao Lloyds Bank por conta desse erro, que prejudicou milhares de clientes. Em consequência da multa, segundo o jornal britânico The Times, os dirigentes ficaram sem os bônus anuais. Veja mais detalhes na reportagem da BBC Lloyds hit by record £117m fine over PPI handlingLloyds hit by record £117m fine over PPI handling.