Uma licitação rotineira. Que poderia ter passada despercebida pela mídia e até mesmo pelo governo do Distrito Federal. Não importa mais saber como uma licitação de capas de chuva, para a polícia militar do DF utilizar no dia a dia, foi parar no guarda-chuva da Copa do Mundo.
Convém, agora, analisar o episódio sob o aspecto da gestão de crises, principalmente pela repercussão nacional e pelo desgaste proporcionado à Polícia Militar e ao governo do Distrito Federal. Foi o episódio em que não houve vencedores.
Tudo começou com uma reportagem da CBN, que descobriu a licitação no Portal da Transparência da Copa. Esse o mérito de informações abertas ao escrutínio público. Elas não passaram despercebidas pela reportagem. No momento em que foi divulgado que a Polícia Militar do DF havia feito licitação para aquisição de 17 mil capas de chuvas por R$ 5,3 milhões, começaram a chover protestos e gozações nas redes sociais.
A licitação das capas fazia parte de um pacote de R$ 21 milhões na compra de equipamentos de proteção para uso dos integrantes da PM na Copa do Mundo. O valor das capas (R$ 5,3 milhões) era três vezes maior do que o da aquisição de coletes à prova de balas. Daria para comprar 20 mil capas. O efetivo é de 15 mil soldados. O preço médio passa de R$ 300,00, quando se sabe que uma capa comum custa não mais do que R$ 30,00.
O fato virou piada e obteve intensa repercussão, porque o período de realização da Copa do Mundo coincide com a estação seca na região. Explicações posteriores da PM indicam que os equipamentos licitados não se destinavam apenas à época dos jogos, mas seriam utilizados depois da Copa em eventos internacionais. Só que o estrago já estava feito.
A versão é mais forte do que o fato
Em gestão de crises, costuma-se alertar que a versão, muitas vezes, pode ser maior ou mais forte do que os fatos. No caso das capas, a versão que circulou, com todos os desdobramentos, acabou engolindo a realidade. Na noite de 01/05, a licitação era pauta do Jornal Nacional, da Rede Globo, e dos principais jornais do país.
No dia seguinte à notícia, o GDF divulgou nota dizendo: "A capa de chuva é apenas um item do conjunto de equipamentos que está sendo adquirido para a corporação, e que integra o "equipamento de proteção individual" (EPI), obrigatório para todo policial militar, assim como colete refletivo e cinto de guarnição, entre outros. Os policiais no DF careciam desses itens e de forma padronizada. São equipamentos especiais e fazem parte do Programa de Reequipamento da Policia Militar do Distrito Federal. Obviamente, esses itens não estão sendo comprados apenas para os grandes eventos esportivos que Brasília receberá em junho deste ano e junho de 2014."
Sem prever que a crise estava apenas começando, o GDF justificou a compra, alegando que os equipamentos são de uso de proteção aos policiais e obrigatórios e não se limitam à Copa do Mundo. Essa justificativa durou pouco, porque no fim da tarde do feriado de 1º de maio, o governador do DF, Agnelo Queiroz, demitiu o Comandante da PM. O militar acabou pagando o pato por um ato burocrático – como disse o porta-voz da PM – de algum funcionário, que aproveitou a brechinha para enfiar as capas de chuva.
"Para o governador, a PMDF (Polícia Militar do Distrito Federal) errou ao listar o produto entre aqueles adquiridos com vistas à Copa do Mundo, realizada em período climático seco no Distrito Federal. Além disso, a Secretaria de Transparência será acionada para aferir a formação dos preços e quantitativo estimados para a licitação", diz nota divulgada pelo governo do Distrito Federal.
Os burocratas da PM quiseram apenas aproveitar os dutos de recursos da Copa do Mundo, que estão jorrando em abundância e enriquecendo muita gente da iniciativa privada e pública no País. Nada diferente do que fazem os governos municipais, estaduais e até o governo federal em casos semelhantes.
Nos treinamentos de Media Training, há uma recomendação de que se evite entrevistas “de demissão”. A imprensa, salvo casos graves de corrupção, denúncias, etc. não está interessada mais em quem sai, mas em quem vai entrar. O demitido Comandante da PM, Suamy Santana, quis sair de “cabeça erguida” como se diz no jargão popular. Convocou uma coletiva, procurando deixar claro que não saiu por irregularidades, por corrupção. Mas por um erro ou “equívoco administrativo” como chamou, de um funcionário burocrata da PM. Não faltou até clima emocional de quem até admitiu que a demissão foi justa, pelo erro cometido.
O militar informou que o valor (média de R$ 300 por capa) era o limite máximo para compra das 17 mil capas. Não havia compromisso de compra. Poderia ser comprado à medida que precisasse. Na entrevista, o Comandante fez questão de explicar, para justificar a compra, que os equipamentos são de ponta e precisam atender vários critérios de qualidade, entre eles, proteção antichamas; flexibilidade para movimentação ágil, como saltar obstáculos; e sistema refletivo para identificar a presença do policial em locais escuros, qualidades não encontradas em uma capa de chuva comum. Até aí faz sentido. Mas o problema foi embutir os R$ 5,3 milhões no pacote da Copa.
GDF aproveita e faz publicidade
A demissão do Comandante da PM tentou apagar o fogo de uma fogueira que estava tomando proporções além do que o governo do DF imaginou. Exagerada para uns, e correta para outros, da demissão o governo local tentou tirar proveito. Um equívoco em situações de crise, também.
Em época de eleições, vale tudo. O governo do DF postou peça publicitária no Facebook, com foto do governador, em que comunica a demissão do Comandante da PM e põe a marca do GDF. O porta-voz do governo desmentiu que a peça fosse para promover o governador. Informou à CBN que o objetivo foi mostrar que o fato só foi descoberto pela política de transparência do governo. Mais um capítulo que teve intensa repercussão nas redes sociais e na imprensa. Se o governo queria tirar dividendos do episódio negativo, presume-se que perdeu, porque atraiu uma saraivada de críticas.
Misturar imagem do governador com esse episódio desgastante acabou contribuindo para elevar o tom das críticas à iniciativa de fazer publicidade com fato tão negativo. Mais ou menos como se uma empresa, ao flagrar um empregado em irregularidades, depois de demiti-lo fosse fazer publicidade, sob o argumento de ter aplicado o rigor da lei com os desvios. Patético.
No episódio das capas, o GDF também tem seus pecados. Como o tema Copa do Mundo está na ordem do dia, a licitação inusitada, que descambou para uma pequena crise, não isenta o governo de responsabilidade. Alguém deve ser incumbido de fiscalizar casos dessa espécie. Se a imprensa não tivesse descoberto e jogado o tema para fora, possivelmente essa licitação seria feita e ninguém ficaria sabendo. Houve uma sucessão de falhas, desde a concepção do edital até a forma como tudo foi feito. Se a PM estava tão convicta da seriedade e necessidade da licitação – que continua defendendo – por que o Governador demitiu o Comandante? E por que o GDF rapidamente justificou a compra, na quarta-feira, dia 1º?
Nota de esclarecimento do GDF
"Em relação à compra de capas de chuva para a corporação, a Polícia Militar do Distrito Federal esclarece: A capa de chuva é apenas um item do conjunto de equipamentos que está sendo adquirido para a corporação, e que integra o "equipamento de proteção individual" (EPI), obrigatório para todo policial militar, assim como colete refletivo e cinto de guarnição, entre outros. Os policiais no DF careciam desses itens e de forma padronizada. São equipamentos especiais e fazem parte do Programa de Reequipamento da Policia Militar do Distrito Federal. Obviamente, esses itens não estão sendo comprados apenas para os grandes eventos esportivos que Brasília receberá em junho deste ano e junho de 2014. Eventos com a FIFA, entidades internacionais e comitivas de autoridades transcorrerão ao longo de todo o ano e até 2014, e Brasília terá ainda os preparativos para as Olímpiadas 2016, pois a capital será sede do futebol masculino e feminino, assim como base de delegações olímpicas estrangeiras. Ou seja, é superficial a informação que o Governo do Distrito Federal comprou capas de chuva para junho, apenas para a Copa das Confederações e a Copa do Mundo de 2014. Esse é um equipamento de uso permanente do policial militar, para seu trabalho cotidiano no DF e durante as operações especiais voltadas a esses megaeventos.”