Santa Catarina viveu nos últimos meses noites de vandalismo. Quadrilhas resolveram desafiar o poder público e passaram a cometer atentados, assustando a população e causando transtornos nos transportes públicos. Essa crise teve problemas sérios de gestão. O governo demorou para tomar atitude. Convém analisá-la sobre o prisma da liderança, uma variável cada vez mais importante no processo de gestão de crises.
O governador de Santa Catarina, Raimundo Colombo, reconheceu ao jornal Valor Econômico, na semana passada, ter errado na condução da crise que atingiu o estado desde novembro de 2012. Ele admite pelo menos um grave erro: a manutenção do ex-diretor da penitenciária São Pedro de Alcântara, Carlos Marques, no cargo, mesmo após este sofrer forte impacto emocional, com o assassinato da esposa, por criminosos. Ela foi atacada no carro do diretor e estava sozinha na hora do atentado.
O diretor, após um período de licença pediu para retornar e foi atendido pelo governo do estado. Logo depois vazou um vídeo, gravado por aparelho celular de algum preso, com cenas de violência contra detentos, sob responsabilidade do ex- diretor. "O ideal, realmente, seria ele não ter voltado naquele momento", diz o governador.
A volta do ex- diretor pode ter sido o estopim da crise que atingiu o estado de Santa Catarina, desde o ano passado. O assassinato de Deise Marques, esposa do ex-diretor, foi cometido por integrantes da facção criminosa PGC, após o fim das regalias que os presos tinham na penitenciária. Na gestão anterior, os presos tinham direito a visitas até de prostitutas, além de celulares e drogas entrarem na penitenciária, sem o devido controle.
O império do caos
A partir de novembro de 2012 ataques a ônibus,postos policiais e carros, em 17 cidades, foram intensificados. Eram atentados que visavam desafiar o poder do governo e enfrentar a polícia. O estado ficou refém de um grupo de criminosos, a partir das prisões. Foram 69 ataques em 2012. As pessoas eram obrigadas a descer dos ônibus, que logo em seguidas eram incendiados. Puro vandalismo criminoso.
Segundo o serviço de inteligência do estado, os ataques não tinham só uma causa, mas várias. Os registro (macabro) de 10 anos do grupo criminoso PGC, o grande número de detentos ( 6 mil) em projetos de ressocialização, o que reduziria a mão de obra do grupo; e uma demonstração de força contra grupos rivais, oriundos do RJ, que estariam migrando para SC.
Em 2013, os ataques não diminuíram. Até o dia 25 de fevereiro, haviam sido registrados 113 atentados, um recorde. Desde o início de fevereiro, a população começou a pressionar o governo, porque a onda de violência chegou a atingir 37 municípios. Na grande Florianópolis, por medida de segurança e em protesto, as empresas de ônibus se negaram a circular com os coletivos, após determinados horários, pela madrugada e à noite. Em muitas regiões, por precaução nem o comércio abria. O protesto gerou mais crise, porque a população ficou duplamente refém: dos criminosos e dos empresários. A violência não poupou sequer o interior de um estado considerado, até hoje, tranquilo e trabalhador, onde a tradição italiana e alemã dão inúmeros exemplos de ordem, disciplina e organização para o Brasil.
Como a crise foi conduzida
O que a população de um país, estado ou cidade espera do poder público, numa crise grave? Segurança, solução, proteção. Quando o poder público se omite ou é incapaz de dar essa proteção, a população questiona a utilidade do governo. No caso de Santa Catarina, o governo, além do erro admitido, foi lento em tomar uma atitude mais radical contra os líderes das facções.
O governador, de início, recusou ajuda do governo federal, por meio da Forca Nacional de Segurança. Segundo ele, o efetivo seria muito pequeno para o estado. Ou foi por vaidade? Ou autossuficiência? Da mesma forma que aconteceu em S. Paulo, também vitima de ataques de grupos armados, que perpetravam assassinatos de civis e policiais, apenas como forma de protesto. Em S. Paulo, o fator eleição, na época, teve mais peso do que a tranquilidade da população e a vida de muitos policiais. Nas crises graves, a solução depende bastante da iniciativa e da forma de atuação da liderança. Nessa hora, o líder faz a diferença. Não há como, nessas duas crises, deixar de atribuir aos governadores e secretários de segurança boa parcela da falta de iniciativa para resolvê-las.
Além da demora e de não ter humildade (uma qualidade imprescindível nas crises) para aceitar ajuda do governo federal, o governo de Santa Catarina pareceu ter perdido o controle no auge da crise. Num primeiro momento pode-se até admitir uma certa surpresa, pela intensidade. Mas a população não parece disposta a sofrer as consequências dos ataques, como aconteceu, e ficar calada. O protesto dos empresários dos transportes, sob certos aspectos, pode até ser justo. Por via indireta, também foram vítimas dos ataques. Mas a posição de limitar os horários do transporte, de madrugada e além das 19 horas (período em que os ataques se intensificavam) foi extremamente prejudicial à população. Esta, como sempre, acaba sendo vítima no processo.
Nessa crise, além de iniciativas lentas e inseguras, em certos momentos, o governo estadual pareceu ter ficado refém dos criminosos. Significou um perigoso precedente. Os marginais sentiram a fraqueza, ou pelo menos a insegurança, do governo para reagir. Nada assegura que atos semelhantes não venham a acontecer a partir de outros grupos.
O efeito perverso da crise
A Federação do Comércio de Santa Catarina calcula que o comércio da grande Florianópolis teve queda de 63% durante o período mais grave dos ataques, principalmente pela falta de transporte, que impediu as lojas e restaurantes de ficarem abertos até mais tarde. No estado, a queda do comércio foi calculada em 39%. "A pessoa que trabalha com medo não produz direito, e isso estava ocorrendo no turno da noite", afirmou o superintendente do SESI/SC, Hermes Tomedi, que administra uma rede de farmácias no Estado.
A operação dos ônibus só se normalizou na última quinta-feira, dia 21, quando os ataques foram reduzidos, após a transferência dos principais chefes de grupos para fora do estado e com a prisão de centenas de suspeitos. De qualquer modo, fica a lição de que os poderes públicos não podem reagir em períodos de crise, como fazem com outros serviços prestados à população, de maneira lenta e burocrática. Talvez o governo de Santa Catarina tenha pago para ver, acreditando que essa crise se resolveria em poucos dias. O resultado não poderia ser pior.