Em tempos de internet, blogs, redes sociais, o tema privacidade precisa ser repensado todos os dias. Há duas semanas a mídia internacional ficou alvoroçada com as fotos do top less da princesa Kate Middleton, quando passava férias numa casa de amigos na França.
Fotos no Facebook, postadas por amigos, acabam criando problemas para quem não queria aparecer. Qual o limite da privacidade de autoridades e de nós mesmos se não há como fugirmos da internet? Até que ponto nossos dados que circulam online todos os dias estão protegidos?
Se você encontrou esse post navegando na internet, possivelmente o Big Brother do século XXI, que se chama Google, já o está monitorando. Quentin Hard, em artigo sobre privacidade, publicado no New York Times, conta que há alguns anos, um engenheiro da Google teria lhe dito por que a rede não estava coletando informações ligadas a nomes de pessoas.
"Nós não queremos o nome. O nome é o barulho. "Havia informação suficiente em um grande banco de dados do Google de consultas de pesquisa, localização e comportamento online, disse ele. “Você pode dizer muito sobre alguém através de meios indiretos, sem necessidade de arquivar dados pessoais e identificados.”
A polêmica da prisão do diretor do Google no Brasil, que teve repercussão internacional, porque se negou a cumprir determinação da Justiça Eleitoral do Mato Grosso do Sul, a respeito de informações negativas contra um candidato, reacende a discussão sobre os limites do nosso novo Big Brother. O Google alega que, por ser uma plataforma, não é responsável pelo conteúdo do site.
O perigo não está em alguém postar ataques ou calúnias, que podem ser questionados na Justiça. Segundo Quentin Hard, “mesmo sem saber seu nome, cada vez mais, tudo sobre você está lá fora. Se e como você protege sua privacidade em um mundo online, que estamos construindo a cada dia, tem se tornado cada vez mais urgente."
“A privacidade é uma fonte de enorme tensão e ansiedade”, numa sociedade que valoriza cada vez mais os dados pessoais, diz Danah Boyd, pesquisadora sênior da Microsoft Research. Ao falar numa conferência sobre Big Data, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, ela disse: "É uma ansiedade geral que você não pode identificar. É um momento único, que pode parecer até bizarro. Essa é a sociedade que queremos construir”? pergunta.
Se o nosso nome para o Google é menos importante do que o lugar onde estamos e o que estamos fazendo, não há dúvida de que vivemos numa sociedade interligada em que até uma simples doação de sangue, um gesto humanitário e caridoso, pode nos jogar num banco de dados que no futuro pode nos incomodar. Ali, entregamos não apenas meio litro de sangue, para salvar uma vida ou suprir as necessidades do banco de sangue do hospital. Entregamos toda uma história de vida, a genética, o DNA. Não apenas do doador, mas também da família. Sabemos para onde esses dados estão indo?
A paranoia da privacidade chegou ao ponto de termos medo de colocar nossos dados numa simples ficha de hotel ou no cadastro de uma empresa. Ao dar nome, CPF, identidade, número do cartão de crédito, endereço, e-mail, telefones, profissão e tudo mais, entregamos a um porteiro do hotel ou a um atendente informações suficientes para eles solicitarem outro cartão de crédito no nosso nome; quiçá abrir uma conta no banco e até comprar celulares.
É comum alguém entrar pela primeira vez numa empresa de telefonia para adquirir uma linha telefônica e já existir cinco contas no nome do comprador, mesmo que ele nunca tenha sido cliente da operadora.
Segundo Quentin Hard, “privacidade não é uma qualidade universal ou atemporal. Ela é redefinida por quem se está falando, ou pelas expectativas da sociedade. Em alguns países, o tornozelo de uma mulher é um assunto privado; em algumas épocas e lugares, orientações sexuais que fogem à norma são temas profundamente privados ou publicamente celebrados. Privacidade, observa Danah Boyd, não é a mesma coisa que segurança ou anonimato. É uma capacidade de ter controle sobre a definição dentro de um ambiente que é totalmente compreendido. Algo, sem dúvida, que ninguém tem mais”.
É a diretora da Microsoft que acrescenta: "Padrões em torno de como nós interagimos mudaram. Uma conversa no corredor é privada por padrão, pública pelo esforço. Online, nossas interações se tornam públicas por padrão, privadas pelo esforço."
Afinal, o fotógrafo que flagrou a princesa Kate nas férias de verão, sem a parte de cima do biquíni, violou a privacidade da princesa? A nosso ver, não. Sempre que uma autoridade ou celebridade, sabidamente perseguida pelos fotógrafos e a imprensa, está num ambiente alcançável por uma câmera, gravador ou até ouvidos deveria ter o cuidado de se considerar como se estivesse em lugar público. O fotógrafo não invadiu a residência para fazer o flagrante. Nem colocou câmeras secretas nas proximidades da piscina. Ele obteve a foto de algum lugar, fora da casa, de onde a princesa podia ser vista.
Como diz o professor Edward Wasserman, do Departamento de jornalismo e comunicação de massa da Universidade Washington and Lee, Os tribunais e as autoridades (ou celebridades) que cuidem melhor de seus sigilos (e privacidades). A função e os interesses da imprensa são outros.
O que deve ser feito, perguntam os articulistas? Danah Boyd conduziu pesquisa para estudar o comportamento dos jovens na internet. Ela diz que eles agora estão muitas vezes buscando ter mais poder sobre seu ambiente, através da desorientação, tal como continuamente construindo e detonando contas do Facebook. Ou pela esteganografia, um termo de criptografia para esconder coisas da vista de todos, obscurecendo seu verdadeiro significado.
"Alguém escreveu: "Eu estou doente e cansado de tudo isso". A declaração conduziu à manifestação “gostou” por 32 pessoas. Quando eu comecei a fazer meu trabalho de campo, eu poderia dizer a você o que as pessoas estavam falando. Agora eu não posso mais.”
Se os limites da privacidade foram definitivamente rompidos, compete ao usuário, às autoridades e às celebridades descobrirem formas de se preservar. Valem até códigos secretos, como faziam os aliados, durante a II Guerra Mundial, para confundir o serviço de inteligência dos nazistas.
A simples inserção de uma senha do cartão de crédito nas máquinas das lojas precisa ser preservada das câmeras que o vigiam de todos os lados. Números de cartões de crédito e senhas não podem circular livremente pelos e-mails, telefonemas ou SMS. Muito menos escritos. Nunca se sabe.
No Reino Unido, a paranoia da privacidade chegou a tal ponto, que os pais não podem fotografar crianças nas creches, escolas, no futebol ou eventos culturais sem licença explícita. A inocente foto do seu filho pode ter flagrado outra criança. Sem licença dos pais. Quem sabe o que você vai fazer com essa foto? É. Acabou a era da inocência.
Bem, mas se você quiser mesmo estar preservado e manter a privacidade como antigamente, fuja da internet e do mundo civilizado, das câmeras cada vez mais invasivas nas cidades. Talvez uma internação em algum mosteiro, incrustado nas montanhas do Tibet, longe de tudo. Desconectado de telefones, redes, bancos, supermercados, lojas, câmeras. Mesmo assim, cuidado com os turistas. Uma inocente foto do mosteiro, mesmo de longe, pode acabar no Facebook.
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