Passado o impacto da primeira semana da morte de Steve Jobs, o mundo começa a pensar como será daqui para frente, sem a presença do gênio inventivo, do criador do iMac e tantas outras inovações tecnológicas. Consagrado pela mídia, após a morte, como um dos mais visionários criadores do século, ele tinha sempre um olhar para o futuro e desdenhava a mídia tradicional.
O jornalista L. Gordon Crovitz, em artigo no Wall Street Journal, analisa como Jobs encarava o jornalismo, na sua forma tradicional, até porque o guru da Apple deve ser lembrado como “a personificação da destruição criativa”. Jobs subverteu vários dogmas da mídia tradicional e por isso transformou a Apple na empresa de maior valor de mercado, na atualidade. Descobriu um caminho muito particular e o percorreu com persistência, coerência e obsessão, que lhe valeu a placa de arrogante e exigente.
Jobs primeiro redefiniu o computador pessoal, acelerando o declínio de muitas das corporações de primeira geração do computador. Acabou obrigando muitas empresas a correr atrás dele. O adolescente precoce, o estudante rebelde, o empresário autoritário se antecipou com inovações, enquanto outras empresas patinavam, para ver como o mundo iria ficar. Não caminhou a reboque de governos ou grupos poderosos, que se mexem lentamente e querem ditar regras para o mercado. Jobs inverteu essa dinâmica. Esse mundo cheio de contradições é o local onde ele prosperou.
Ao desdenhar da mídia tradicional, soube tirar o máximo da internet. O iPod permitiu os ouvintes comprar uma música de cada vez, ao invés de engolir os CDs planejados por editoras de música. Se os consumidores gostaram, as gravadoras adoraram. Melhor receber 99 centavos de dólares por música, do que brigar na Justiça por downloads ilegais. Essa revolução migrou para o iPhone e o iPad. Como disse o presidente Obama, “Jobs mudou a forma como vemos o mundo” e como interagimos com ele e a tecnologia.
E sobre os jornais? Como o inovador guru da tecnologia e do design encarava aqueles tijolaços entregues na sua casa, nos fins-de-semana? Crovitz conta que certa vez, ao procurar Jobs na sede da empresa, no Vale do Silício, para tentar convencê-lo a anunciar no Wall Street Journal, como a empresa fazia on line, Jobs balançou a cabeça, quando ouviu a descrição e os gráficos dos hábitos de consumo dos leitores de jornal, dizendo que ele tinha uma objeção à publicidade no jornal impresso.
"O único problema é que o jornal é um jornal e por isso é impresso em papel de jornal." Ele disse que iria anunciar em veículos impressos somente em papel brilhante. Se o jornal do interlocutor pudesse usar papel brilhante, então ele alegremente anunciaria. Segundo Crovitz, o pedido do criador do iPhone impeliu o conceito inicial do que se tornaria, mais adiante, a revista ilustrada e em papel brilhante do WSJ.
Sem querer falar em publicidade, Jobs, na verdade, queria compartilhar suas reflexões sobre como as pessoas deveriam e iriam consumir notícias no futuro. Ainda na conversa, previu que em cinco anos não haveria mais jornais impressos. A conversa ocorreu em 2006, e os jornais continuam aí, muitos ainda fortes e imprescindíveis. É verdade que a mídia tradicional enfrenta uma crise, principalmente os grandes jornais americanos, diante do dilema de fazer vultosos investimentos para disputar mercado em plataformas tradicionais e caras, ou buscar o caminho da internet, definitivamente. Jobs certamente acompanhava essa novela e se divertia com ela. O mundo dele era outro.
Como sempre fez durante sua vida, Jobs queria ser provocativo. Questionar o que ele achava já estar ultrapassado. Queria desafiar a velha media para se adaptar ao modo como ele pensava que as pessoas consumiriam seu produto, diz o articulista. Jobs admitia que as pessoas continuavam consumindo mídia impressa, porque se acostumaram e ninguém oferecia outros meios mais desafiadores e modernos. "Sempre que tenho tempo para pegar a versão impressa do jornal, eu desejo e aceito que eu poderia fazer isso o tempo todo, mas nossas vidas não são mais assim."
Jobs queria que os jornais diários evoluíssem para atender como ele queria consumir informação. Quando ele lançou o iPad, poucos anos depois, estava feliz em ajudar os editores de notícias, permitindo que as pessoas acessassem suas fontes de notícias favoritas, constantemente atualizadas e bem produzidas, num tablet portátil.
Mas o que o diferenciou, não foi apenas esse olhar crítico e desafiador sobre o que nos acostumamos a fazer. Ele também esnobou e confundiu políticos e reguladores em Washington. A Apple não tem um comitê de ação política e não se preocupa com lobby. Porque o seu negócio sempre foi inovação.
A Apple de Steve Jobs preocupava-se em focar em novos produtos em lugar de olhar para Washington, diz Gorovitz. “Ele passou uma carreira criando consumidores para produtos que mudaram a nossa maneira de encarar tecnologia. Ao se livrar das aves agourentas, que costumam assediar empresas de ponta, ele também garantiu uma vida excepcionalmente arejada para a empresa que ele construiu”.