Os franceses estão chocados com o tratamento dado pelos americanos a DSK, como eles chamam o poderoso e galanteador Dominique Strauss-Kahn, ex-diretor do Fundo Monetário Internacional. Eles acham que os americanos exageraram ao expor alagemado, para a mídia mundial, o até então favorito nas pesquisas para presidente da França, por uma acusação de assédio sexual.
Para 57% dos franceses, dizem as pesquisas, o executivo foi vítima de um complô, para abalar seu favoritismo político.
Os eleitores da Califórnia também acordaram surpresos na semana passada. O Exterminador do Futuro, Arnold Schwarzenegger, praticamente selou seu futuro político, ao admitir que teve um filho com a empregada, Mildred Baena, que, por 20 anos, trabalhou em sua casa. Quando a mídia americana descobriu, o casamento do governador com Maria Shriver, pertencente à tradicional família Kennedy, já tinha acabado.
Os dois casos são típicos exemplos de reputações pessoais e políticas que se evaporam em poucas horas, diante de escândalos sexuais. No caso de Strauss-Kahn, por acusações graves, feitas por uma camareira do luxuoso Hotel Sofitel, em Nova York. Ele a teria atacado na suíte, quando ela estava arrumando o apartamento, pouco antes de o diretor-geral do FMI embarcar para a França. Foi retirado da primeira classe de um avião da Air France, pela polícia, no Aeroporto John Kennedy. A camareira, imigrante da Guiné, deu o alarme e o hotel chamou a polícia.
No FMI, o executivo provou ser o homem certo na hora certa, tomando decisões audaciosas, que o credenciaram como político efetivo e economista competente, conciliação rara nos tempos de hoje. Ele tinha conseguido o que parecia impossível, promover a união dos europeus em torno de ideias divergentes sobre a economia mundial. Contava ainda com uma aliada de peso, a primeiro-ministra da Alemanha, Angela Merkel.
Que estranho personagem é esse, que tem uma espécie de vida dupla. De um lado, um executivo competente, habilidoso, carismático, a ponto de sua prisão ter chocado a Europa, num momento extremamente delicado, quando o FMI e as economias mais fortes da Europa discutem ajuda para países quase quebrados, como Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda. Um político tão hábil, que mesmo sem mandato se cacifou para assumir o comando da França.
De outro, um bon vivant, que viaja de primeira classe, mesmo quando não está em viagem oficial, e hospeda-se em hotel de 3 mil dólares a diária. A imprensa francesa já estava vigiando o estilo ostensivo e milionário do executivo, até porque era o candidato favorito dos socialistas franceses para enfrentar Nicolas Sarkozy nas eleições do próximo ano. Ele seria aclamado candidato em junho próximo.
Ou seja, enquanto impõe programas de austeridade aos países pobres e aos endividados, Strauss-Kahn não poupava recursos do FMI para ostentar riqueza. Como diretor, tinha privilégios equivalentes aos dos banqueiros de grandes bancos internacionais. O suicídio político de Strauss-Kahn certamente foi comemorando por Sarkozy.
O incorrigível DSK não é primário nesse tipo de acusação. E arranhões na sua reputação não são de hoje. Em 2008, o nome de Strauss-Kahn esteve ligado a outro escândalo. Revelou-se um romance com a economista húngara Piroska Nagy, funcionária do FMI. Ele foi investigado por abuso de poder, ou seja, assédio moral. Como o caso foi consensual, e ele se desculpou publicamente, o caso foi encerrado e conseguiu se safar.
Após o episódio de Nova York, outra duas jornalistas apareceram para o acusar: uma francesa, que teria sido assediada por Strauss-Kahn, em 2007, em troca de uma entrevista exclusiva; e outra na Austrália, que também recebeu ofertas de entrevistas em troca de favores sexuais. Embora a mídia francesa tivesse conhecimento pelo menos de uma das denúncias, os casos anteriores foram abafados pelo prestígio e habilidade do executivo em lidar com a imprensa.
Do cinema à política
O inferno de Arnold Schwarzenegger aparece agora, após ele ter sido eleito Mister Universo na juventude e começado com papéis em que o talento era menos importante do que os músculos. O sucesso veio mesmo com a série O Exterminador do Futuro. Essa visibilidade e o estilo “arrebenta tudo” o ajudou a fazer carreira no Partido Republicano, quando foi eleito governador da Califórnia, um dos mais ricos estados americanos.
A revelação da paternidade de Schwarzenegger arranha sua reputação como político, principalmente nos Estados Unidos, país bastante rigoroso para esse tipo de deslize. Além de senadores, pelo menos dois governadores nos últimos anos foram "fritados", quando se envolveram em escândalos. Mas Schwarzenegger ainda pode ter espaço no cinema, carreira abandonada nos tempos de político. Hollywood não dá muita importância para esse tipo de fofoca e boa reputação não é bem o que o cinema está procurando.
Os dois casos deixam lições, mas não são originais. Apesar dos inúmeros escândalos políticos registrados pela história, como o caso Profumo, na Inglaterra, e as fofocas ou escândalos com os ex-presidentes John Kennedy, Bill Clinton e François Mitterrand, os exemplos não servem para evitar que carreiras promissoras sejam evaporadas com novos deslizes.
"Políticos, poder e assédio sexual com certeza têm uma longa história", disse Michele Swers, professora de ciências políticas na Universidade Georgetown. "Tratando-se de uma tentativa criminosa de estupro, creio que pertence a uma categoria de dimensão diferente". Entre os mais famosos escândalos político-sexuais está o caso Profumo em 1963, quando um secretário de guerra britânico foi forçado a renunciar por ter um caso com uma prostituta ligada a um espião russo. Um prato feito para a época da Guerra Fria.
O caso Strauss-Kahn surpreende, porque ninguém entende como um executivo bem resolvido, poliglota, carismático e milionário cometeu uma bobagem tão grande, que sepulta todas as suas pretensões políticas futuras. Ele pode ter-se sentido acima da lei. Como o todo poderoso do FMI, um affair com uma camareira iria cair na vala comum de estripulias semelhantes às atribuídas ao primeiro-ministro da Itália, Silvio Berlusconi. "O poder é afrodisíaco, como bem se sabe, e também sabemos que o poder de uma certa forma com frequência é tomado como poder de outras formas", disse James Walston, professor de política italiana da Universidade Americana de Roma.
A demissão do cargo de diretor-geral do FMI veio logo em seguida à acusação de assédio. Ele pediu demissão, porque entendeu que estava prejudicando a instituição e não tinha mais espaço como diretor. A visibilidade dada ao caso, principalmente porque os americanos fizeram questão de exibi-lo com algemas e no tribunal para a mídia, certamente causaram um estrago que o conquistador da França não conseguirá driblar. Os advogados, agora, tentam descobrir uma brecha para amenizar o risco de uma condenação pesada contra o ex homem forte do FMI.
Ele conseguiu se livrar da situação humilhante de frequentar uma cadeia comum, em Nova York. Nada como ter uma esposa rica, herdeira de uma grande fortuna, na Europa, que bancou sua liberdade. Pagou uma fiança de 1 milhão de dólares e deixou mais 5 milhões de caução. A milionária mulher de Strauss-Kahn não acredita na culpa do francês conquistador. Mas, definitivamente, pelo histórico de outros executivos e políticos, e principalmente pela divulgação e consistência do caso, Strauss-Kahn está muito próximo de se juntar à célebre galeria dos escândalos políticos mais famosos.