livros_mundo_googleNa semana passada,  instalou-se uma polêmica nos meios acadêmicos e pedagógicos, quando a imprensa divulgou trechos do livro de Heloísa Ramos, "Por uma vida melhor", aprovado pelo Ministério da Educação. O livro, ao tratar da diferença entre língua oral e escrita, afirma ser possível dizer, em determinados contextos, "os livro ilustrado mais interessante estão emprestado". Ou seja, abre mão da concordância em benefício do falar popular.

Houve uma reação imediata de quantos prezam o português correto e,  principalmente,  defendem a escola como um lugar que proporciona ao estudante o acesso à norma culta. Aquela que, segundo os preceitos gramaticais, é considerada correta. E, em consequência, lhe proporcionaria ascensão social.

A Academia Brasileira de Letras criticou o MEC e os autores do livro, distribuído a 4.236 escolas do país. "Não cabe ao professor de língua portuguesa em sala de aula ensinar outras variedades da língua que não a padrão". O livro, elaborado pela ONG Ação Educativa, no capítulo que trata das diferenças entre escrever e falar e das variações da linguagem oral, diz: "Você pode estar se perguntando: "mas eu posso falar os livro?" "Claro que pode", responde textualmente a publicação.

A liberdade preconizada pelos autores agride a concordância verbal e nominal. É também uma afronta a todos os professores de português, mal pagos, que gastam as cordas vocais com alunos, cada vez mais dispersivos, para explicar como falar e escrever certo.

As patrulhas ideológicas, que enxergam preconceito em todas as esquinas, defendem essa aberração, sob o argumento de que os alunos menos favorecidos não podem se sentir "reprimidos ou amedrontados". No passado, segundo o professor Marcos Bagno, da UnB, "A atitude normal da escola sempre foi zombar da fala dos alunos. Esse debate é fundamental para criar um ambiente mais acolhedor". 

Ou seja, agora podemos atropelar a gramática e admitir jovens falando "os livro" e outras aberrações, ignorando regras que devem ser seguidas para que a língua tenha um padrão universal comum à comunidade portuguesa. Não é à toa que Brasil e Portugal assinaram acordo, há três anos, padronizando algumas regras ortográficas, exatamente para reforçar a unidade linguística,  nos países de língua portuguesa, e a pureza do nosso idioma.

Ninguém desconhece, nem podemos depreciar, pessoas que falam o linguajar popular. A maioria, porque não teve oportunidade de estudar. Perguntem para eles se ficam confortáveis ao conversar e interagir num meio que utiliza a variante culta. Claro que não. O desejo dessas pessoas é aprender a falar corretamente. Só não tiveram oportunidade.

Lamentável a autora ir à televisão defender as bobagens que constam no livro, como se fosse normal e politicamente correto violar as normas consagradas e aprovadas da nossa língua,  sob a bandeira de uma pseudoliberdade intelectual ou de uma "pedagogia preocupada em promover a inclusão social".

Ao contrário, flexibilizar uma norma que o mercado não aceita, vai manter essa comunidade marginalizada. Tratar do assunto nas aulas é louvável, até porque as pessoas não falam errado porque querem. Simplesmente porque elas são resultado de anos de abandono da educação em nosso país.

Ao admitir que se pode dizer "os livro estão emprestado", os autores e o MEC, que se fez surdo aos clamores contra esse disparate, chancelam um português de segunda classe, para as camadas mais pobres, enquanto outros, que frequentam boas escolas, aprendem o português de primeira classe, ou seja, o correto. Com isso, autores e MEC aprofundam as diferenças em vez de corrigi-las, como deve ser a missão de um Ministério da Educação.

Para o jornalista Clovis Rossi, colunista da Folha de S. Paulo,  "os autores do crime linguístico aprovado pelo MEC usam um argumento delinquencial para dar licença para o assassinato da língua". O MEC joga o ônus dessa controvérsia no governo passado. A orientação para que as escolas não "consertem a fala de aluno para evitar que ele escreva errado" consta desde 1997 dos Parâmetros Curriculares Nacionais.  

As variantes linguísticas, não importa de onde venham, não podem absolver teses controvertidas para que livros, pagos pelo contribuinte, sejam agora distribuídos pelo MEC pregando o falar errado.  Seria bom perguntar para os professores doutores, que aprovaram esse livro, se entre dois candidatos, na entrevista de emprego, a empresa ficaria com aquele que fala "os livro estão emprestado"? Ou com o candidato que fala a língua culta?

Esse debate está longe de terminar. Há mais de ano o MEC não sai das manchetes por conta de tropeços no Enem ou imbróglios como os do livro de português. Seria melhor que, ao cuidar da educação, não tente inventar a roda. Faça apenas o que países como Coreia, Finlândia e Chile, mais pobres do que o Brasil, fizeram há 20, 30 ou 40 anos.

Neste domingo (22/05), o prof. Gaudêncio Torquato publicou também um denso e definitivo artigo no jornal O Estado de S. Paulo, intitulado "A espertocracia educacional", abordando o mesmo tema.

 

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