golcaosnosaeroportosO caos aéreo gerado pela Gol nos últimos dias de férias dos brasileiros evidencia mais uma vez o descaso das empresas concessionárias e da administração do setor aéreo brasileiro. A Gol é apenas a ponta do iceberg de uma crise que não começou hoje.

Ela vem da quebra sucessiva de companhias aéreas nacionais, como Transbrasil, Vasp e Varig, que favoreceu a formação de um duopólio na aviação brasileira.

Hoje, duas empresas têm o controle de rotas (83%), espaços nos aeroportos, passageiros e até decisões administrativas, numa relação de compadrio e conivência com governo, órgãos reguladores e Congresso Nacional. Resultado: fazem o que querem.  E os passageiros que se lixem.

Os argumentos da Gol para justificar os atrasos e transtornos seriam cômicos se não fossem trágicos. Usou a mesma desculpa da Telefônica, em S. Paulo, quando teve sérios problemas com o Speedy (internet banda larga) e culpou os consumidores. O gargalo da Gol teria surgido do excesso de passageiros no fim das férias e por mudança na escala dos pilotos. Leia-se má gestão. Falta de planejamento. Ou seja, os passageiros são culpados. Se não procurassem tanto a Gol, não haveria problema. Essa é a mesma empresa que fica disputando passageiros com a TAM, nos fins de semana, com passagens a R$ 50,00. Depois não consegue oferecer assentos aos “clientes”.

A crise não afeta apenas a imagem já desgastada da Gol. Tem um efeito cascata na economia brasileira. A má gestão da Gol emperra o transporte de carga e encomendas,  transtorna a vida de passageiros que perdem compromissos, até mesmo internacionais, de empresas que desmarcam reuniões e eventos, além de hotéis e pacotes turísticos com reservas canceladas. Enfim, caos é pouco para definir os transtornos causados por decisões intempestivas e atrapalhadas da empresa, nos últimos dias. Em português claro: vendeu passagens acima da capacidade, cedeu aviões para fretamento, porque dá mais grana, e enfrenta uma crise interna de pessoal.

Somado a tudo isso, o descaso dos órgãos fiscalizadores, como o Ministério da Defesa e a Anac. Segundo denúncia do Sindicato Nacional dos Aeronautas, a Anac ignorou centenas de queixas sobre as condições de trabalho de pilotos e comissários das empresas aéreas, 90% delas referentes à Gol.  O Ministro da Defesa,  mais preocupado em justificar a escolha dos jatos Rafale, da França, na licitação da Aeronáutica, apenas cobrou desempenho numa nota burocrática do Ministério à imprensa.  Muito pouco para quem deve administrar a aviação aérea brasileira.  E por que a Anac só se pronunciou sobre as queixas, após o caos instalado nos aeroportos? Segundo a Folha de S. Paulo, a Anac “disse que vai apurar denúncia de que a Gol estaria escalando tripulantes para fazer vôos de madrugada por dias seguidos”. Agora?

Ao analisar desde 2006 o apagão aéreo e as diversas crises das empresas de aviação, Infraero, Anac e Ministério da Defesa, não há como deixar de voltar a um tema recorrente nesse setor: o aparelhamento político. O apagão aéreo ocorrido no Brasil a partir do acidente com o avião da Gol, em 2006, deixou expostas as vulnerabilidades do sistema aéreo brasileiro. O acidente da Tam, no ano seguinte, foi apenas o ápice de uma crise que teve a ajuda incontestável do atual governo, quando aparelhou – essa é a palavra correta – a Infraero e a Agência Nacional da Aviação-ANAC.  Preferiu políticos em lugar de técnicos. E o Congresso Nacional, cúmplice desse descaso, colabora, quando aprova, sem falar que também indica, candidatos políticos para cargos da agência, que deveriam ser unicamente ocupados por técnicos.

Quando o governo tardiamente viu a besteira que havia feito, tirou os políticos da Infraero, mas a empresa e os aeroportos já estavam colhendo o resultados desse período de desmandos. Ao juntar a esse quadro a má administração e a impunidade das empresas aéreas, temos uma administração caótica na aviação civil. Um cenário negro para a Copa do Mundo.

O desprezo das empresas aéreas brasileiras pelos passageiros também tem a ver com o monopólio de fato existente hoje nas rotas nacionais, vedadas para cabotagem de empresas estrangeiras. Gol e Tam se revezam numa ciranda em que o passageiro sempre é a vítima. As autoridades são sempre “surpreendidas” por apagões totalmente previsíveis, se houvesse um regime de livre concorrência e  uma legislação rigorosa.   

O jogo de empurra entre empresas aéreas e órgãos oficiais, para justificar o caos que volta e meia se instala nos aeroportos é apenas o resultado de erros de gestão, o principal fator das crises das organizações. Para ficar apenas nas empresas aéreas, as penalidades aplicadas na maior parte das vezes não são pagas, tantos são os recursos e apelações. Os passageiros prejudicados não conseguem ressarcimento, a não ser casos isolados em que se dispõem às últimas consequências na Justiça. Não adianta recorrer a call-center ou à internet. O passageiro é incensado apenas na hora de comprar o bilhete. Depois, seja um Deus nos acuda!

As crises aéreas brasileiras foram exaustivamente exploradas neste Blog, desde 2006. Aqui vão os links das principais matérias sobre esse tema que teima em não sair da pauta de crise do nosso país. Até quando? (04/08/10)

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