O JB marcou toda uma geração não só de jornalistas, mas de leitores. Conseguiu sobreviver ao surgimento da República, tendo nascido apoiando a monarquia. Tornou-se um dos principais jornais do país na segunda metade do século XX, principalmente depois do fechamento de jornais tradicionais no Rio de Janeiro. Manteve, durante décadas, um público sempre fiel que acompanhava reportagens e opiniões de jornalistas e escritores, como Carlos Drummond de Andrade, Otto Lara Rezende , Alberto Dines, Carlos Castello Branco, Carlos Heitor Cony, Wilson Martins e tantos outros. Passaram por lá também nomes como Eça de Queiroz (correspondente estrangeiro), Rui Barbosa, Joaquim Nabuco e o Barão de Rio Branco, entre tantas figuras da história do país.
O Jornal do Brasil é sempre lembrado também pela inovadora reforma gráfica que promoveu na fim década de 50, que serviu de modelo para os demais jornais do país. Costuma-se dividir o moderno jornalismo gráfico brasileiro em duas fases: antes e depois da reforma do JB. Foram os anos de ouro do jornal, sempre perseguido pelo concorrente O Globo, da família Marinho. Como outros grandes jornais, apoiou o golpe de 1964, contra o presidente João Goulart. Depois, foi alvo de censura pelos governos militares. Na década de 80, foi decisivo no chamado escândalo da Proconsult, quando denunciou tentativa de fraudar a eleição do candidato da oposição, Leonel Brizola, para governador do Rio de Janeiro. Quem quiser conhecer a edificante história do JB, é só fazer uma incursão pelo Google. Mas uma reportagem de Marcos Sá Correa, sobre o perfil do então diretor M.F. Nascimento Brito, nos dá a idéia dos bastidores do tradicional jornal.
A decadência do JB começou ainda quando pertencia aos herdeiros da família proprietária Conde e Condessa Pereira Carneiro. O Diretor era Manoel Francisco Nascimento Brito, genro da Condessa. Na década de 80, após a construção da nova sede, e diante dos desafios do mundo moderno, com parques gráficos e tecnológicos muito caros, o jornal afundou-se em dívidas. Até a sede e os demais prédios foram penhorados a bancos para garantir empréstimos. Quando o empresário Nelson Tanure assumiu, o jornal já estava em processo de deterioração editorial e financeira. O saneamento das dívidas e um aporte de capital conseguiram dar uma sobrevida à empresa. Mas não durou muito, porque, ao comprar o jornal, o dono certamente, com visão empresarial, apostou menos no jornalismo do que nos dividendos políticos e no lucro. E essa é uma equação difícil para jornais impressos nos novos tempos que desafiam os publishers da imprensa.
Atualmente, o veículo contava com 180 funcionários, sendo 60 jornalistas na Redação. O jornal circula com tiragem de 17 mil exemplares durante a semana e de 22 mil aos domingos. Para um jornal da estirpe e da importância do JB no cenário nacional, é uma tiragem vergonhosa. O jornal justificou a guinada, num breve comunicado na primeira página da edição de 13 de julho: “O Jornal do Brasil lançou em 1995 o primeiro jornal brasileiro na internet, dentro da tradição de pioneirismo e inovação que o caracteriza em toda a sua história centenária. Hoje, atento às novas necessidades e expectativas da sociedade, e com o objetivo de reforçar e priorizar sua plataforma digital, abre espaço para a opinião de seus leitores. Participe, interaja. Faça parte nesta constante evolução”, diz o texto. Faltou pouco para ser um epitáfio. E pior: para quem ainda gosta do jornal impresso, deixa o povo do Rio à mercê do domínio cada vez maior das organizações Globo.
O JB afunda como outros tantos jornais, no Brasil e no exterior. Da mesma forma que a Gazeta Mercantil, o primeiro e mais antigo jornal econômico do país, comprado pelo mesmo empresário, e que deixou de circular em maio de 2009. Mas o anúncio também coincide com um período em que a mídia internacional constata uma recuperação da indústria do “papel”, representada pelos jornais e revistas. A revista The Economist, de 10/06/10, mostrou numa reportagem (Não é a morte ainda) que, apesar de 13.500 postos de trabalho de jornalistas terem se evaporado, desde 2007, nas redações, nota-se um sinal de vida na mídia impressa. Cita o Brasil e a Alemanha, como países onde a circulação de jornais cresceu no ano passado.
Na imprensa brasileira, o Jornal do Brasil é também mais uma vítima de outras doenças. A primeira, as dificuldades cada vez maiores da mídia impressa buscar um lugar para sobreviver no mundo cada vez mais voltado para plataformas virtuais. Esse é um dilema não apenas do Brasil, mas também dos países desenvolvidos. Os jornais estão em crise no mundo todo e não descobriram ainda a fórmula mágica para manter a fidelidade dos leitores, junto com a capacidade de gerar receitas. Perdem leitores, porque estes envelhecem e não passam para as gerações novas o hábito de assinar ou comprar jornais. Em consequência, perdem também receita de publicidade. A ponto de muitos teóricos da comunicação apostarem que nos próximos anos não haverá mais lugar para jornais impressos.
O outro lado perverso dessa morte anunciada está na forma de administrar o jornal. Nos últimos anos, cresceu a tendência de empresários capitalizados adquirirem marcas de jornais ou revistas. Aproveitam o endividamento dos proprietários e acabam comprando publicações como parte de mais um negócio. Não há dúvida de que por trás de uma empresa de comunicação, é necessário haver suporte financeiro e industrial. Afinal, a imprensa também é um grande negócio. Aqueles que investem em qualidade, no verdadeiro jornalismo, os que apostam na qualificação dos jornalistas e na modernidade do veículo, poderão compensar o capital investido com resultados.
O problema é quando a compra do veículo de comunicação torna-se apenas “business”, um projeto de lucro, com racionalização de custos em áreas que representam a essência do jornal, uma delas a redação. Os leitores fiéis do JB foram perdendo o encanto nos últimos anos. Quem conheceu o jornal, no tempo de Alberto Dines e outros editores de renome, não reconhecia mais no tablóide que circulava nos últimos anos o “velho” JB, de Zózimo Barroso do Amaral, da Coluna do Castello (Carlos Castello Branco), do Caderno B e tantas outras páginas memoráveis. Do tradicional Jornal do Brasil, carregava apenas o nome. Ele se transformou num jornal comum. Como tantos que circulam no mercado. Não poderia mesmo ter vida longa.
Além disso, a forma de administrar um jornal é diferente das empresas não jornalísticas. E o empresário que comprou a Gazeta Mercantil e o JB não tinha experiência nesse tipo de negócio. Então, a morte da versão impressa é a crônica anunciada de um negócio que já nasceu meio capenga. O argumento de que o mundo caminha para plataformas on-line, para justificar o fechamento da versão impressa, é apenas uma versão honrosa para um negócio que nunca mostrou vigor. Mesmo em tablóide, o JB não mostrava apelo editorial. Sobreviveu nestes últimos anos, mais pela força da marca, do que pela excelência de sua linha editorial. Deu no que deu.
O jeito, agora, é torcer para que a marca Jornal do Brasil não se transforme num arremedo de Varig: aquela que a Gol teima em manter no mercado em aviões ultrapassados, apenas porque até hoje é reconhecida como a marca mais forte da aviação brasileira. Não é a Varig que anda naqueles aviões, mas o fantasma da empresa. Esse é o risco que o JB enfrenta a partir de agora, ao se transformar num jornal on-line. Que tipo de jornalismo teremos? Ele fará jus ao nome Jornal do Brasil ou será apenas mais um fantasma da marca forte do passado?