brunopresoNão é de hoje que as grandes corporações se veem às voltas com erros, escorregadas e até crimes de executivos e funcionários. Todo dia acontece. Assim também sucede com clubes de futebol, igrejas, partidos políticos, enfim, com todas as instituições.

O caso do goleiro Bruno, do Flamengo, ganhou dimensão nacional e internacional, capa de revista semanal, manchetes e espaços generosos na TV e no rádio, nos últimos dias. Mais pela popularidade do clube, do que pela importância do cidadão Bruno Souza e até mesmo do atleta. Bruno destacou-se como excelente goleiro. Pena que a habilidade embaixo das traves, não foi suficiente para dignificar a camisa do clube e seu nome.

O caráter, a ética e o comportamento de um atleta muitas vezes não correspondem à sua atuação nos gramados. Existem atletas medíocres, de pouco brilho, mas excelentes cidadãos.  Apesar de grande goleiro, Bruno se vê envolvido agora num caso de sequestro, cárcere privado, desaparecimento e morte de uma ex-namorada. Se é culpado ou não, quem vai dizer é a polícia e o Ministério Público.

Mas as suspeitas sobre o atleta e a alusão ao nome do Flamengo nas manchetes policiais, com notícias sobre um possível assassinato, agravadas pelos relatos de crueldade, atingem em cheio a imagem do clube. O Flamengo, segundo o Ibope, tem o maior contingente de torcedores no país, com aficcionados em quase todos os estados.  O goleiro está há quase quatro anos no clube. Manteve-se no Flamengo durante quase toda a carreira. Além disso, exerce uma certa liderança, por ser o capitão. Por isso, seu nome está muito ligado ao clube. Ou seja, o episódio, além de expor o nome do clube de maneira negativa, mexe com a estrutura emocional dos colegas que conviviam com o goleiro.

Para o professor de comunicação e jornalismo, da Universidade de São Paulo, Carlos Chaparro,  “se Bruno fosse um jogador comum, sem influência no grupo, facilmente seria rejeitado e esquecido, sem deixar sequelas. Mas Bruno, além de atleta fundamental na equipe, era também o líder, o capitão que falava em nome dos comandados, sobre os quais, por outro lado, exercia um efetivo poder de mando, que lhe era delegado pela Flamengo.  A crise atinge, pois, com efeitos intangíveis de difícil avaliação, mas graves, tanto o grupo, nas convicções que lhe davam unidade, quanto a instituição Flamengo, nome indelevelmente colada à notoriedade do suposto acusado de um crime”.

As organizações não podem responder pela atuação pregressa de seus funcionários. Isso é óbvio. Mas no caso de um clube de futebol, a massa de torcedores praticamente confunde os atletas com a própria agremiação. Para o torcedor, principalmente jovem, o Flamengo está sintetizado nos atletas. Por isso, a repercussão extremamente negativa do envolvimento de um de seus ídolos é uma ameaça forte à imagem do clube. Sem falar na decepção dos torcedores jovens, que o tinham por modelo.

Num primeiro momento, a presidente do Flamengo, Patricia Amorim, agiu corretamente. Convocou a imprensa e comunicou o afastamento do goleiro das atividades rotineiras e não entrou em mais detalhes. Isso ocorreu na semana passada, quando havia apenas indícios e suspeitas sobre o goleiro no suposto sequestro da jovem. As organizações também não podem se precipitar e condenar um empregado pela pressão da mídia ou da opinião pública. É uma situação bastante delicada, mas que não admite corporativismo.

Nesta semana, diante do agravamento do fato, com acusações formais de uma testemunha, que esteve no sítio do atleta e teria presenciado violências contra a vítima, o Flamengo resolveu lavar as mãos. Após a decretação da prisão do jogador e seus comparsas, o clube comunicou por meio de nota “a suspensão do contrato de trabalho do atleta Bruno Souza, até que os fatos  sejam inteiramente apurados”.  A nota de cinco linhas é lacônica e fria. O Flamengo gastou quatro linhas para dar o nome dos juristas que participaram da reunião que decidiu pelo afastamento do goleiro e duas para comunicar o afastamento.

Seria um pré-julgamento do atleta? Não.  As organizações, em casos como esse, procuram sempre evitar um desgaste maior na imagem, ao tentar desvincular o nome do caso. Afastar o empregado, enquanto durar a apuração. Se for inocente, haverá sempre como reparar. No caso do Flamengo, a simples menção a um atleta do elenco, sob suspeita de crime, já significaria um grande desgaste na imagem. Se houver culpa, o impacto negativo será ainda pior. Todas as reportagens, inclusive no exterior, continuarão registrando “ex-goleiro do Flamengo”. Esse será o preço que o clube da Gávea irá pagar, caso se comprove o envolvimento de Bruno no desaparecimento e assassinato da ex-namorada, Eliza Samudio.

O Flamengo só cometeu um deslize nesse episódio. Permitiu que um de seus advogados Michel Assef Filho, desse entrevistas e declarações como advogado de Bruno. Isso confundiu a opinião pública em determinado momento. Estaria o clube defendendo um acusado de homicídio?  Percebida a gafe e diante do agravamento da situação do goleiro, o Flamengo comunicou que o “Dr. Michel Assef Filho não representa os interesses do clube nesta questão”.  A explicação ficou meio nebulosa. Afinal, Michel Assef é ou não advogado de Bruno?

Naturalmente, para o Flamengo, quanto menos espaço ao caso, melhor. Mas a imprensa descobriu um tema que dá Ibope, com ingredientes muito presentes em notícias com grande impacto junto ao público: celebridade, sexo, crime, violência.  A postura do Clube doravante deverá ser de low profile, porque não compete ao Flamengo opinar, nem interferir nas investigações. O lamentável para um clube da tradição do Flamengo é a repetição de mais um imbróglio policial envolvendo seu atletas. A televisão já explorou a infeliz coincidência de flamenguistas figurarem nas páginas policiais nos últimos meses, em vez das páginas esportivas. Só para lembrar, Adriano, ex-Flamengo, sempre às voltas com amigos que frequentam ou fazem parte de facções ligadas ao tráfico de drogas; Wagner Love flagrado numa foto com armas num cenário bastante suspeito. E agora, o goleiro.

O clube também não poderá omitir-se, quando procurado para opinar. Ou fazer de conta que não é com ele. As organizações em momentos como esse devem ser discretas, sem serem omissas. Isso vale para qualquer situação similar envolvendo executivos de grandes corporações públicas ou privadas. Ninguém vai querer manter em seus quadros dirigente ou empregado que começa a desfilar pela mídia com algemas em direção a uma delegacia. A organização deve ser rigorosa e austera, sem ser injusta ou arrogante. Rápida, sem ser precipitada e leniente. Discreta, sem buscar holofotes para se justificar.  Esse o dilema do Flamengo nos próximos meses.

Nota Oficial – Clube de Regatas do Flamengo

Consoante deliberação unânime da Comissão instituída para o caso, constituída pelos juristas notáveis: Mário Pucheu, advogado, Theophilo Miguel, juiz federal, os desembargadores Marcus Faver, Siro Darlan e Walter D’Agostino, além dos desembargadores do trabalho Marcelo Antero e José da Fonseca Martins Júnior, o Clube de Regatas do Flamengo – que nenhuma relação tem com o fato ocorrido –, vem comunicar a suspensão do contrato de trabalho do atleta Bruno Souza, até que os fatos  sejam inteiramente apurados.

Ao ensejo, ainda esclarece que o Dr. Michel Assef Filho não representa os interesses do clube nesta questão.

Atenciosamente,
Dr. Rafael De Piro
Procurador Geral do Clube de Regatas do Flamengo

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