Eliana_Tranchese_-_foto_pequenaOs últimos dias foram pródigos em crises de todos os matizes no Brasil. Não se trata da crise econômica. Essa não sai da pauta. Mas crises que ameaçam reputações. Denúncias envolvem o Congresso Nacional. Operações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal enquadraram uma empreiteira e a maior loja de artigos de luxo de S. Paulo. Senadores, deputados e outras pessoas públicas também tiveram reputações arranhadas, aparecendo na mídia em situações embaraçosas. Ameaças à reputação continuam na pauta das principais preocupações dos executivos modernos.

Pesquisa realizada pelo Weber Shandwick e a Economy Intelligence Unit revela que 67% dos executivos no mundo inteiro estão com medo de que a reputação de suas empresas esteja em risco. Eles consideram que a sabotagem de funcionários e o vazamento de informações internas foram muito facilitados pelo crescente uso da internet. Esses vazamentos, é claro, acabam na mídia ou em blogs e sites de relacionamento e a reputação vai para o ralo. No Brasil, tem muita gente que deveria estar preocupada com essa ameaça. Pelo menos os empresários, pois devem mostrar resultado aos acionistas e sócios. Pelo que se viu nas últimas semanas, essa parece ser uma dor-de-cabeça que passa ao largo de nossos políticos e governantes.   

Congresso turismo

A temporada pós-carnaval começou no Senado. A revelação e as idas e vindas para explicar o elevado número de diretores acabou atingindo mais uma vez uma instituição que nos últimos tempos descuida da própria reputação. Essa doença contagiou também a Câmara dos Deputados. Cargos e passagens demais, com explicações de menos.

Com é possível a população que paga as despesas da Câmara aceitar que cada deputado possa usar cerca de 30 passagens por mês, podendo distribuir para apaniguados e amiguinhos? As explicações não convencem. Por mais que os diretores da casa expliquem, quem acredita? A estrutura de benesses criada nas duas casas ficou tão inchada, que ninguém consegue dar uma informação correta. Não é de admirar por que a credibilidade das duas casas do Congresso Nacional continua tão baixa. 

Reputações em perigo

Mas não são só congressistas e empresários tiveram a reputação ameaçada. O Ministro Valmir Campello, do TCU, que apura e julga exatamente processos da Construtora Camargo Correa, teve o nome envolvido por conta de um filho que trabalha para a Fiesp e foi acusado de intermediário nos contatos com a Construtora.

O Ministro é relator do processo que apura supostas irregularidades da empreiteira nas obras de uma refinaria no Nordeste. Segundo a  PF, Luiz Henrique Bezerra seria o responsável pela distribuição de recursos a políticos. O Ministro defendeu o filho. Mas até que ponto é ético conduzir processo quando gravações legais flagram o filho em intermediações postas sob suspeita pela PF?  Não seria melhor declarar-se impedido e passar o processo para outro ministro?

Serviços domésticos com dinheiro público

Na esteira dos escândalos que envolvem parlamentares, a Folha de S. Paulo denunciou que o deputado licenciado e secretário de transportes do DF, Alberto Fraga, paga salário da empregada doméstica com recursos da Câmara. Izolda Lima é contratada como secretária parlamentar, no gabinete do suplente, Osório Adriano. Fraga, ainda segundo a Folha, diz não ver problema em usar a Câmara dos Deputados para contratar Izolda, que mora e trabalha em sua casa. Ele nega utilizar Izolda como empregada doméstica. Como sempre, acusou a imprensa.

Mas o que uma secretária parlamentar faz na casa de Alberto Fraga? Ele não está licenciado? Por que o suplente concordou em manter servidor na casa do deputado licenciado? Está tudo errado. Até o primeiro-secretário da Câmara, Rafael Guerra, admite que “possivelmente devem ter vários casos como o de Izolda”. Sobrou para a empregada. Foi demitida. Para quem reclama que a mídia só publica notícias negativas: alguém saberia desse deslize, não fosse a denúncia da imprensa?

Consultoria eleitoral

Em 2003, a jornalista e advogada Elga Maria Teixeira Lopes, que havia participado da campanha da senadora Roseana Sarney para o governo do Maranhão no ano anterior, foi indicada pelo então presidente José Sarney  para chefiar a diretoria de modernização administrativa e planejamento do Senado. Hoje, recém-nomeada por Sarney para dirigir a enorme máquina de comunicação do Senado, com 20 secretarias, Elga diz não saber por que foi preciso contratar a Fundação Getulio Vargas para propor projetos de modernização. Afinal, sua diretoria já deveria ter feito isso há muito tempo.

Pior: as autoridades públicas começam a achar tudo isso natural. Na semana passada, a jornalista e advogada Elga Maria Teixeira Lopes apareceu na leva de diretores passíveis de demissão. A diretora teria prestado consultoria eleitoral nas campanhas políticas do Senador José Sarney e da Senadora Roseana Sarney, sem se licenciar. Quer dizer, paga com dinheiro público. Entre a publicação da notícia, os desmentidos e explicações inconsistentes, a versão que fica é de que alguém está mentindo ou tentando enganar a opinião pública. Instada a dar explicações, a servidora pediu mais tempo.

Será que um servidor público, contratado ou não por concurso, mas recebendo salário em função pública, não se constrange em prestar serviço particular a políticos, sendo pago com dinheiro público? Até agora houve poucas explicações oficiais para a denúncia, apenas tergiversações. Afora mais uma repercussão negativa para o Senado, tanto os políticos que permitiram a gazeta da diretora, como a própria, ficaram muito mal na fotografia. Mas, alguém se importa com isso?

Contrato suspeito

Na semana passada, o GDF foi acusado de ter pago R$ 9 milhões por um contrato para realização do jogo de futebol entre Brasil X Portugal, em novembro passado. O contrato foi assinado pelo Governador José Arruda, pelo secretário de esportes e Vanessa Almeida Preste com a empresa Ailanto Marketing Ltda., de Vanessa Preste e Alexandre Rosell.

Até aí tudo bem. Só que a empresa não tem sede e nem telefone. Está registrada em nome de Eduardo Duarte, apontado como laranja do banqueiro Daniel Dantas pela Operação Satiagraha. As notas emitidas seriam as primeiras da referida empresa, indicando que ela foi criada exatamente para intermediar essa operação. Tudo muito estranho. O GDF não se manifestou oficialmente.

Aliás, tudo que cerca esse jogo Brasil X Portugal, já analisado neste Blog, é um imbróglio completo. Desde a construção do estádio, até o atropelo para fazer o amistoso em Brasília. Sem falar nas trapalhadas na venda dos ingressos. Grande parte foi destinada a convidados vips para ocuparem lugar nobre no estádio. O povo mesmo ficou fora da festa. Foi um evento  político para cacifar Brasília como uma das sedes da Copa. Por isso ninguém quer mexer muito nesse ninho, porque poderia prejudicar a candidatura de Brasília. Mas é preciso destampar essa panela. Cada vez que se mexe, aparecem trapalhadas das grossas.

Construtoras sempre na berlinda

Como já é tradição no Brasil, dificilmente passamos alguns meses que não haja escândalo envolvendo construtoras. Por que será? Alguns meses atrás foi a Norberto Odebrecht às turras com o governo do Equador, que a acusava de não ter cumprido determinadas cláusulas de um contrato de construção de uma barragem. Em 2008, a Operação Navalha da PF nos apresentou as falcatruas da construtora Guatama. Ela foi acusada de esquema de fraudes em licitações públicas. Na operação foram presas 43 pessoas.  Na ocasião, políticos saíram dando explicações e até um ministro do Governo Lula caiu num episódio até hoje pouco explicado.

Na semana passada foi a vez da Camargo Correa. Ampla cobertura da imprensa mostrou diretores sendo presos, políticos que apareceram na lista da empreiteira, como favorecidos por doações, dando explicações, acusações até de uso político da operação, porque o partido do governo não apareceu na lista. Tudo isso, pode ter desviado o foco principal da apuração da Polícia Federal na operação Castelo de Areia. A PF acusa os diretores de usarem doleiros para enviar até R$ 30 milhões para paraísos fiscais no exterior.

A empresa há vários anos é das que mais recebe dinheiro público por obras nos mais diversos setores, de aeroportos a ferrovias, de hidrelétricas a refinaria. Nas gravações, aparecem diálogos suspeitos sobre distribuição de contribuições a políticos de vários partidos. Rolava pela empresa grande volume de dinheiro em espécie.

Falta explicar também por que foi excluído do relatório final do processo que investiga supostas doações ilegais feitas pela Construtora as siglas PT, PTB e PV. Tudo muito estranho. Há uma versão de que a PF não viu indício de irregularidades nas doações mencionadas para esses partidos. E o próprio Diretor-Geral da PF explicou que a divulgação não foi atribuída à PF, mas ao Procurador que divulgou a operação.

E a empresa o que diz? Um comunicado como matéria paga, publicado na primeira página dos principais jornais, manifesta sua perplexidade diante dos fatos ocorridos. Ela ressalta seu papel em 70 anos, compromisso, colaboração com as autoridades, etc. E daí? Nenhuma entrevista ou nota à imprensa para explicar o que realmente aconteceu.

Nota paga funciona hoje como um ritual de empresas ou pessoas acusadas para se posicionar com argumentos muitas vezes vazios. Mas isso não resolve a crise, nem ameniza o arranhão na reputação da construtora. Notas pagas servem mais para engordar o caixa dos veículos de comunicação do que para dar satisfação à sociedade. Pouca gente dá crédito a esse tipo de explicação. É preciso transparência, explicações detalhadas, respostas a perguntas que a mídia e a sociedade fazem nessa hora. Tentar desviar o foco com argumentações evazivas, não explica nem resolve a crise.

Os fidalgos na guilhotina

O Castelo de Edmar Moreira não ruiu. Ele e o castelo continuam de pé. Mas o de Eliane Tranchesi está trincado. A empresária recebeu uma sentença digna de Marcola: 94 anos e seis meses de prisão. Por que não arredondar para 95 anos ou 100? Seria mais midiático, digamos. Será que ela cumprirá a pena? Todo mundo acompanhou em 2005 a prisão de dez dias, fruto da Operação Narciso, da PF, Polícia e Receita Federal, que acusou a empresária de vários crimes: formação de quadrilha, importação fraudulenta, falsidade ideológica e sonegação fiscal.

A empresa trazia produtos do exterior e declarava preços menores, para pagar menos imposto. O prejuízo ao erário é de cerca de R$ 600 milhões em impostos. Mas poderá chegar a R$ 1 bilhão. O pior é que, segundo a PF, a empresa continuou praticando os crimes, mesmo depois de autuada, em 2005. A longa pena aplicada à empresária é fruto da combinação de diversos crimes. Não é todo dia que uma empresária rica vai parar na penitenciária de presas comuns.

A prisão mereceu ampla cobertura da imprensa, até mesmo internacional. Mas todo mundo sabia que a empresária não ficaria na cadeia muito tempo. Foi libertada em 24 horas. Para isso também deve ter contribuído o seu estado de saúde, agravado nos últimos meses. O que fez a empresa para gerenciar essa crise que pode afetar definitivamente a marca do luxo?

Até agora, a empresária limitou-se a distribuir um comunicado pessoal, no dia da prisão e outra nota quando foi libertada, afirmando que em nenhum momento perdeu a esperança e deixou de acreditar na Justiça brasileira. A nota é mais pessoal do que institucional. Ela se limita a agradecimentos. Nenhuma explicação sobre as acusações. Ao afirmar, quando foi presa, que está pagando o que deve, de certo modo assumiu os crimes de que é acusada. É uma crise difícil de administrar, porque a empresa está personificada nela. Não há como separar a instituição da principal executiva. Isso está implícito no histórico publicado no site da empresa. Lá, na página da Daslu, uma Nota Oficial meio escondida, é apenas um libelo contra a prisão. Nenhuma explicação sobre as acusções. É como se não estivesse acontecendo nada. Apenas a injustiça de uma prisão. A nota se confunde com fotos promocionais, frases de efeito e apelos ao consumo.

O procurador que ofereceu a denúncia comemorou, dizendo que os fidalgos também vão para a cadeia neste país. A prisão da empresária realmente é emblemática. Mas não é a primeira vez que empresários de renome e até políticos são presos. Libertados alguns dias depois, caem no esquecimento. Para a marca, a forma como a Daslu está conduzindo esta crise, centralizando as atenções na sócia, é completamente errada. Vai depender muito do que outros sócios irão fazer daqui para a frente. Entretanto, até a conclusão do processo muita água vai passar por baixo da ponte.

O Tesouro poderá recuperar pelo menos parte do que foi sonegado, mas a empresária e o irmão irão recorrer a todos os artifícios jurídicos para protelar a sentença definitiva. Se a marca vai resistir, só o tempo dirá. Mas a prisão de certo modo representou uma catarse para aqueles que abominam ou nunca puderam entrar nesse templo de luxo e de consumismo. As revistas de fofoca adoram esse tipo de notícia. Mas para o país interessa saber se a ação da PF e do Ministério Público é sinal de que a impunidade acabou ou foi mais uma operação de muito holofote e correria de jornalistas atrás dos carros da polícia, mas pouco eficaz para colocar corruptos e sonegadores definitivamente na cadeia.

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