Raio_sobre_congresso_480_x_320 A crise na área de pessoal do Senado Federal é apenas uma pequena mostra do que permeia os poderes da República. Começa em Brasília, no Executivo, passa pelo Legislativo, o Judiciário e se estende até a mais pobre prefeitura dos municípios brasileiros. É o descaso com o dinheiro público. Quando um desafeto, o opositor ou até mesmo a mídia descobrem, o tema toma ares de escândalo e todo mundo sai correndo para fingir que vai trancar a porta.



Passado o período de incubação – que normalmente não dura mais de 15 ou 20 dias – outros temas mais importantes aparecem e a opinião pública, às vezes até a imprensa, esquecem o problema. E tudo fica como antes. Até porque não existe no país cultura de respeito, de pudor, nem de ética no uso de recursos nas mãos de quem deveria agir como servidor público.

Aliás, a terminologia servidor público deveria ser posta em xeque. Hoje, grande parte presta é um desserviço ao país. Atendem a população de má vontade, com preguiça, burocraticamente. Não têm compromisso com a função, e muito menos com o país. A população mais pobre que o diga. E o exemplo desse desserviço vem de cima. De quem deveria dar o exemplo. Por que um servidor iria economizar água, luz, papel, cartuchos, combustível, se os milhares de chefes não estão preocupados? Eu? Diriam. Por que eu?  Como diz o jornalista Gustavo Krieger, “é uma estrutura que passa a maior parte do tempo pensando em como melhorar a própria vida”.

Alguém acredita que os presidentes e secretários do Senado desconheciam o número de “diretores” daquela casa? Suas excelências, com diz Lúcia Hippolito, estariam mais preocupadas com os grandes problemas do país, para se preocupar com assuntos tão –digamos - comezinhos. Afinal, o que um senador da República tem a ver com um “diretor de DVD”, “diretor de autógrafos” ou “diretor de rádio em ondas curtas”?

Que diferença faz para um senador, se o Senado tem 80, 136 ou 180 diretores? Ou se alguns deles têm direito a carro oficial, celular, apartamentos? Em suma, os senadores não são cobrados pelos gastos da casa, os acionistas (que somos nós) não exigimos dividendos, os salários não são pagos por desempenho (imagina se fossem!) e o orçamento é aprovado por suas excelências levando em conta apenas as despesas, o passivo. Ninguém se preocupa de onde vêm os recursos para custear a festa. Afinal, o país não bate todos os meses um recorde de arrecadação? Então, por que se preocupar com despesas? O Congresso não está sozinho. Agora se descobre que grandes corporações americanas, como a seguradora AIG, também não eram cobradas pelo desempenho. E ainda distribuíram polpudas gratificações a quem as levou à bancarrota. O contribuinte – lá como aqui – é que vai pagar a conta.

A crise que o Senador José Sarney aparenta enfrentar, de semblante constrito na televisão,  tem apenas aparência de crise. Porque não é de hoje que a imagem negativa do Congresso Nacional permeia meios de comunicação, comentários de salões, programas humorísticos e  sites internacionais. Ninguém leva a sério. Não é com atos intempestivos e paliativos, como a anunciada consultoria da FGV, que a crise será debelada. Para os senadores, na verdade, não há crise, porque se eles não fizerem absolutamente nada, tudo vai continuar como antes. Nada vai-lhes acontecer.

O Banco do Brasil e a Caixa continuarão creditando pontualmente os salários e as verbas de representação religiosamente todo mês. Os carros oficiais continuarão queimando gasolina, os celulares continuarão ligados, as empresas aéreas faturando passagens a rodo e ninguém será demitido. É questão apenas de deixar o tempo passar e a imprensa se ocupar com o próximo escândalo. Será mesmo que alguém controla esses gastos?  Por isso, desde criancinha nos acostumamos a escutar que o país é carente. Não tem recursos para saúde, educação, previdência social, segurança, saneamento básico e tantas outras necessidades.

É uma crise apenas de fachada, porque ninguém no Congresso Nacional está interessado em mergulhar fundo nesse problema. Imagine só o desgaste com milhares de apaniguados, aspones, terceirizados e até com os “pobres” 180 diretores, que viraram o bode expiatório desse imbróglio todo. Por que mexer com isso agora? Até a consultoria chegar, todos continuarão nos seus cargos. Ou demite-se uma parte e a outra fica esperando. No cargo, claro. Para que tomar uma medida drástica, se suas excelências ainda não sabem o que fazer e como ficará o quadro de pessoal depois dessa tempestade?

Enquanto isso, na periferia das grandes cidades, quem não pode ter um diretor de enchentes ou de consulta, continuará a enfrentar os alagamentos pelas chuvas, como aconteceu em São Paulo; a enfrentar filas nos hospitais; a buscar vagas nas escolas públicas.  Ao fim e ao cabo, convém lembrar o desabafo de Getúlio Vargas*, em outubro de 1930, após cortes de funcionários do Congresso: “Não há dúvida de que tudo isso é lamentável, mas precisa-se cortar onde há excesso, e não será com o critério dos interesses individuais que se resolverá o interesse coletivo”.

* Getúlio Vargas – Diário/Apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto – Volume 1 (1930-1936),  São Paulo: Siciliano, 1995, p. 33.

Foto: Dida Sampaio (OESP)

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