Obama_e_imprensaGrande número de jornalistas começou a trabalhar no governo Obama em janeiro. Seria uma quantidade incomum em mudanças de governo nos EUA. Numa capital onde fervilham boatos e troca-troca de cargos, instalou-se um debate sobre a possibilidade de Obama estar recebendo tratamento favorável da mídia pelas relações de trabalho que passou a ter com ex-jornalistas da grande imprensa.  

Artigo do jornalista Jim Rutenberg no The New York Times levanta essa polêmica, tratando os novos contratados como ex-jornalistas. Entre os profissionais que foram parar no governo Obama está Sanjay Gupta, ex-correspondente médico da CNN que poderá virar diretor nacional de saúde. Além de neurocirurgião, tem no curriculum a indicação como dos “homens mais sexy do mundo”, em 2003, pela revista People. Ele escrevia sobre saúde e ajudou a formular a política de saúde do novo governo.

Cotada para ser sua assistente, Linda Douglas também veio do mercado de mídia. Deixou o jornalismo no ano passado para trabalhar na campanha de Obama como assessora-sênior. E deve ser aproveitada no novo staff do presidente.

O Senador John Kerry levou para investigador-chefe da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Douglas Frantz, ex-editor-administrativo do Los Angeles Times, que já passou pelo The New York Times e Chicago Tribune.  Ele admite que só veio para o governo porque o ramo dos jornais está em crise. No Senado, ele atuará de maneira semelhante a de um repórter investigativo, mas com muito mais poderes, a ponto de poder intimar pessoas judicialmente a depor e de ter acesso a dados sigilosos.

O novo diretor de comunicações do vice-presidente Joe Biden, era chefe da sucursal da revista Time em Washington, até o fim de 2008.  Jay Carney não vê seu emprego como sendo especialmente político. “Este é um governo democrata; obviamente, estamos do lado democrata do espectro, mas não vejo este cargo como partidário”. Esse parece ser o consenso dos jornalistas que mudaram de emprego na virada do governo.

Os jornalistas conservadores admitem que isso não teria acontecido se o governo fosse John McCain. “Não teríamos tantos jornalistas indo trabalhar no governo”, diz Richard Lowry, editor da revista conservadora National Review. Não existe ainda um número preciso de quantos profissionais mudaram de lado, até porque a safra de convites ainda não terminou.

Colocar dúvidas sobre a cooptação da mídia ou dos profissionais, apenas porque jornalistas foram trabalhar no governo é uma bobagem. Richard Stengel, editor-administrativo da revista Time e ex-chefe de Jay Carey, diz que “seria ingenuidade imaginar que os jornalistas não tivessem afinidades políticas ou ideológicas. A questão é que, se você é bom jornalista, você deixa suas preferências de lado no interesse da objetividade”.

Em todos os governos essa é uma prática comum e aqui no Brasil não é diferente. Jornalistas com afinidade com as idéias do grupo no poder, ou porque acompanharam o candidato na campanha ou até mesmo pelos méritos profissionais, sempre trabalharam ou trabalham para governos. É uma questão de opção. Sair do dia-a-dia das redações e passar pela experiência de estar no outro lado.

Já se foi o tempo, salvo raras exceções em algumas cidades do interior e capitais ainda dominadas por feudos políticos, em que jornalistas figuravam na folha de pagamento dos poderes públicos, incluindo o Congresso Nacional ou assembléias. Não era raro no passado, ao se pautar algum jornalista para fazer a cobertura oficial do poder executivo – prática rotineira hoje nas assessorias de imprensa - , ele perguntar quanto iria receber. Sem perder o vínculo com o órgão de imprensa. Para as gerações mais novas, isso pode soar um tanto estranho, mas era assim.

A atuação, tanto nas redações, quanto em cargos do governo, deve ser ética e voltada para prestar serviço no interesse da população. Não se devem misturar as duas coisas. Isso deve ser exercido na cobertura diária das redações ou em qualquer cargo no governo. Profissionais competentes que trabalharam no governo aqui no Brasil acabaram voltando ao mercado e continuam nos veículos de comunicação sem perder prestígio porque um dia estiveram na banda de lá. Não há evidências também de que foram cooptados por governantes ou candidatos e deixaram de ser éticos. O próprio mercado acaba banindo eventuais desvios.

O mesmo poderá acontecer com vários jornalistas de renome que hoje estão trabalhando no atual governo. O jornalista, na maior parte dos casos, não caiu no governo apenas porque apoiou a campanha ou fazia proselitismo quando estava no mercado. Ele foi parar lá porque o governo precisou de bons profissionais e o jornalista acabou vendo uma possibilidade de exercer o bom jornalismo nas práticas de assessoria pública.

Os pruridos de Washington em relação à Obama provavelmente tenham vindo de uma minoria da imprensa conservadora, que talvez ainda não tenha assimilado e nunca engoliu a lua-de-mel da mídia americana com um candidato azarão, com um passado étnico e profissional surpreendente para os padrões americanos.

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