A emissora foi constrangida a transmitir um pedido de desculpas, depois de um trote telefônico feito pelos apresentadores Jonathan Ross e Russell Brand, que provocou milhares de reclamações e uma onda de protestos na Inglaterra. A crise foi parar nas manchetes dos tablóides sensacionalistas e no sisudo The Times, o mais lido jornal do país, mobilizou toda a diretoria da BBC e sensibilizou até o primeiro ministro, Gordon Brown.
Durante o programa de Brand na Rádio 2 (emissora líder de audiência no horário), em 18 de outubro, Brand e Ross, em meio a risos, deixaram mensagens grosseiras na secretaria eletrônica do ator Andrew Sachs, de 78 anos. Os apresentadores brincaram que Brand haviam dormido com Georgina Baillie, a neta de 23 anos de Sachs. Ross e Brand também deixaram outros recados considerados ofensivos, com palavrões. Tudo transmitido pela Rádio 2. O ator é conhecido pelo papel do garçom espanhol Manuel, na série britânica Fawlty Towers e é muito popular na Inglaterra.
O caso não tinha despertado muita atenção até ser destacado por um tablóide no domingo, 2 de novembro. Desde então, a tensão não parou de aumentar. Os dois apresentadores, os mais bem pagos da emissora, pediram desculpas públicas a Andrew Sachs pelo ocorrido e disseram que se arrependiam do conteúdo do programa. Mas as declarações não evitaram a pressão sobre a emissora pública. A cobertura da mídia sobre o episódio, denominado de Manuelgate pelos jornais, despertou mais de 42 mil reclamações ao organismo fiscalizador, contra a BBC, além de pedidos de demissão dos apresentadores.
A BBC tentou amenizar a crise com a demissão de Brand, em 30 de outubro, e com a suspensão por 12 semanas dos salários do controvertido apresentador Jonathan Ross, uma das estrelas da BBC. Ross, que também apresenta programas na televisão, ganha cerca de US$ 9 milhões por ano, o que gerou polêmica nos últimos meses pelo fato de a BBC ser uma empresa pública. A situação levantou a questão dos salários milionários de apresentadores da BBC, fazendo com que o ministro da Cultura aconselhasse a empresa a rever estas verbas, sob pena de determinar um corte no orçamento público anual da BBC em 3,4 milhões de euros.
O presidente da BBC, Mark Thompson, foi obrigado a justificar-se publicamente, negando a maior parte das críticas dirigidas à estação. Andy Burnham, ministro da Cultura, disse à cúpula da emissora que os contratos milionários assinados com estrelas como Ross estão minando a confiança dos britânicos na BBC.
A diretora do programa, Lesley Douglas, preferiu demitir-se. Ela era diretora da rádio desde 2003 e se sentiu responsável pelo conteúdo transmitido em 18 de outubro. Em 7 de novembro, a traquinagem dos apresentadores derrubou outro executivo. O diretor David Barber deixou a BBC, sendo a quarta baixa em três semanas.
Por determinação do BBC Trust, órgão que supervisiona a radiodifusora, a empresa também teve que transmitir no dia 8 de novembro um pedido de desculpas, pela quebra dos rígidos padrões editoriais:
No dia 18 de outubro, a BBC transmitiu um diálogo entre Russel Brand e Jonathan Ross no programa Russell Brand na rádio 2. A transmissão envolveu o ator Andrew Sachs e sua neta, Georgina Baillie. Partes deste diálogo foram registradas na secretária eletrônica do sr. Sachs. A conversa era muito ofensiva e uma intrusão inaceitável nas vidas privadas do sr. Sachs e da srta. Baillie. Foi uma séria quebra de padrões editoriais, que nunca deveria ter sido gravada ou transmitida. A BBC gostaria de pedir desculpas sinceras ao sr. Sachs, à srta. Baillie e aos nossos ouvintes.
A BBC é um grupo de mídia público, subvencionado com contribuições anuais de todos os britânicos possuidores de aparelhos de TV. Por isso eles se acham no direito de pressionar a empresa quando ela pisa na bola. Para agravar a crise, a BBC está num momento muito delicado, porque enfrenta uma reestruturação e negocia mais financiamento. O primeiro ministro Gordon Brown considerou a brincadeira “inaceitável”.
O passado me condena
Os jornalistas Jonathan Ross e Russell Brand, envolvidos no imbróglio, já protagonizaram outros escândalos no passado. Em 2007, Ross fez uma brincadeira de mau gosto, quando a empresa havia demitido 2 mil pessoas, devido a cortes no orçamento. Ele afirmou que seu alto salário valia mil jornalistas da BBC. Brand já foi demitido da MTV por aparecer no trabalho vestido como Osama Bin Laden no dia seguinte ao 11 de setembro de 2001.
Ele também perdeu o emprego em uma rádio por ler material pornográfico no ar, em plena tarde de domingo. Recentemente, o ator começou uma carreira em Hollywood, com um papel no filme Ressaca de Amor. Curriculum complicado é o que não falta nos apresentadores.
Mark Thompson, diretor geral da BBC prometeu uma nova política de conduta, após a BBC ser acusada de manter apresentadores de “alto-risco”. Thompson disse que Ross havia tido uma última chance de mostrar que pode se comportar apropriadamente. Sir Michael Lyons, o chefe da BBC Trust, foi quem ordenou que fosse feita a transmissão de um pedido de desculpas no ar.
O rescaldo desse imbróglio provocado por dois apresentadores é que não existiria ambiente para o apresentador Jonathan Ross voltar, caso contrário trabalharia sob pressão. Enquanto a direção da BBC tenta minimizar o episódio, para não atingir o conceito excelente da organização, nem a audiência da emissora, os ouvintes questionam por que deveriam contribuir para uma emissora pública que, além de pagar salários astronômicos para apresentadores, não consegue ter compostura para se comunicar com o público.